Guerra Fria | Crítica | Zimna Wojna, 2018
Misturando romance e guerra, Guerra Fria é uma homenagem do diretor aos seus pais e um relato da própria história do mundo.
Apesar do nome, Guerra Fria não é sobre o delicado conflito entre as duas maiores potências do mundo nos anos 1950 e 1960, mas uma história de amor e drama entre dois personagens de temperamentos diferentes, e que entre encontros e desencontros nos países que compunham o bloco europeu comunista, também se encontram entre amores e desamores. A maneira de Pawlikowski filmar, já uma assinatura do diretor, torna a experiência tanto intimista quanto histórica, numa aproximação entre estética e linguagem que poucos conseguem atingir. Entre discussões sobre artes variadas, a história de amor dos protagonistas não tem a ver com a guerra, mas mostra como nem o amor passa incólume em tempos assim.
O encontro de dois mundos é o plano de fundo da história de Zula (Kulig) e Wiktor (Kot), divididos pela diferença de idade e pelo conhecido e até comum fator estudante-professor. Aquela realidade fria da Polônia, tanto no clima quanto no cenário político, é a oportunidade perfeita para se refugiar na arte. Ao perceber que existe talento por trás da beleza, Wiktor começa a tutorar Zula pois acredita no potencial da jovem, mesmo que essa escolha, pelo menos no começo, mostre segundas intenções do diretor da escola de artes. Para ele, a jovem cantora é um mistério a ser desvendado, tanto que mais a frente ela é chamada de femme fatale.
Além da escolha da fotografia em preto e branco e da razão de aspecto 4:3 – lembrando um cinema mais antigo – há um detalhe curioso como Pawlikowski enquadra seus personagens. Um olhar mais atento percebe que em vários momentos eles ocupam apenas a metade para baixo do frame. O que poderia ser um incômodo serve para duas coisas: primeiro para mostrar também o cenário e como ele reflete aquelas pessoas. A segunda, e mais importante, se justifica quando a política é forçadamente introduzida na arte. Com Kaczmarek (Szyc) se abrindo para o Partido Socialista, vemos esse espaço que antes era vazio ser ocupado por uma grande imagem do ditador Stalin e, em tempos de novos totalitarismos, essa é uma imagem muito forte.
Conciso ao contar sua história, Pawlikowski passeia conosco e com seus protagonistas entre a Polônia, Alemanha, a extinta Iugoslávia e França, lugares que representam diferentes sentimentos. A já comentada Polônia tem um cenário gélido e tradicional, o antigo país dos Bálcãs está manchado pela sombra de Stalin – assim como a Berlim oriental – e a França é mais moderna, onde o jazz e o rock n roll dão o tom musical, um lugar onde Zula e Wiktor podem viver seus sonhos e onde o diretor se permite soltar da câmera fixa e dançar com o casal que, mesmo presos a seus próprios compromissos, se tornam amantes. Mas existe sempre um fantasma entre eles.
Apesar de ser sutil com isso, há um elemento político na trama. Por exemplo, quando Wiktor sugere para Zula que os dois fujam do jugo daquilo que a companhia se tornou sob a influência do Partido Socialista Polonês, ele consegue ir até a fronteira. Já ela não: presa sob os olhares do partido – na figura de Kaczmarek – e do machismo, com outros homens que a tiram para dançar numa festa após uma apresentação, Zula sofre duplamente por um destino que lhe é imposto ao ser julgada por seu gênero.
E falando novamente de estética, é justo apontar como Pawlikowski usa a montagem para definir a passagem de tempo. Primeiro, notamos que o diretor usa poucos cortes, criando assim uma conexão entre os personagens, algo que é quebrado pelos fades para o preto que duram alguns poucos segundos, o que mostra que mesmo uma produção que podemos chamar de época pode também ser dinâmica. Até elementos que parecem, à princípio, normais tem um sentido oculto. Um bem marcante é quando a companhia apresenta para o Partido uma música do coral louvando Stalin e todos os políticos estão num mezanino, atrás de holofotes, como se julgando os artistas numa grande sala de interrogatório.
E por não ser um filme de amor comum, não existe um cenário fácil para os dois. Nem em Paris, a cidade luz, que para os dois acaba se tornando um pequeno alento. Mas mesmo ali há conflitos, uma mentira que Wiktor vende sobre Zula que nos remete ao que acontece em O Desprezo (Le Mépris, 1963, Jean-Luc Godard). E entre mais erros que acertos, Pawlikowski mostra que o amor não deve ser romantizado, que apesar do que outros filmes dizem, o amor não vence tudo. Entre uma prisão e outra, o diretor mostra que apenas a morte que tem esse poder.
Num ato final contra tudo e contra todos – Deus, o estado, as tradições – Pawlikowski acredita encontrar uma solução para a paz em Guerra Fria. Tal solução é tão trágica quanto o tempo que os personagens viveram e, talvez, o mesmo que vivemos hoje. E num cenário tão sem perspectiva, olhar do outro lado parece uma saída – o que não quer dizer que seja a única. O que acontece aqui é como um alerta, onde o diretor usa da ficção para nos fazer refletir se realmente não existe outra saída além da triste apresentada.
Guerra Fria concorre ao Oscar 2019 nas categorias Melhor Filme Estrangeiro, Melhor Diretor e Melhor Fotografia.
Crítica publicada originalmente na cobertura da 42ª Mostra Internacional de Cinema.
Elenco
Joanna Kulig
Tomasz Kot
Borys Szyc
Agata Kulesza
Cédric Kahn
Jeanne Balibar
Direção
Paweł Pawlikowski
Roteiro
Paweł Pawlikowski
Janusz Głowacki
Piotr Borkowski
Fotografia
Łukasz Żal
Trilha Sonora
Marcin Masecki
Montagem
Jaroslaw Kaminski
País
França
Polônia
Reino Unido
Distribuição
Kino Świat (Polônia)
California Filmes (Brasil)
Duração
85 minutos
Data de estreia
7/fev/2019
Durante a Guerra Fria, um amor impossível surge apesar de todas as dificuldades e jeitos diferentes de cada um dos dois.
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