42ª Mostra Internacional de Cinema | Resumão das Críticas

0 Flares Twitter 0 Facebook 0 Filament.io 0 Flares ×

42ª Mostra Internacional de Cinema: Resumão com as críticas dos filmes assistidos durante a edição 2018 do festival

-- Finalizado em 6/nov/2018 --

  • Roma (Roma, 2018, México | Direção e roteiro: Alfonso Cuarón | Elenco: Yalitza Aparicio, Marina de Tavira, Marco Graf | 135 min | Ficção)

Roma (Roma, 2018 | Direção: Alfonso Cuarón)

Cuarón olhou para um triste futuro em 2006, para fora de si, no espaço, mas num possível presente em 2013 e era apenas uma questão de tempo de olhar para si mesmo para reencontrar sua própria história. Então vem Roma, uma coleção de memórias do cineasta onde ele faz uma homenagem ao espírito humano, em especial à força das mulheres. Mesmo que o filme não tenha a grandiosidade de suas produções anteriores, aqui o diretor mexicano mostrou que é um cineasta completo, tomando rédeas tanta da direção quanto outros departamentos técnicos. Então, é a produção mais pessoal, com auto referências e lembranças de pessoas e eventos que podem não ter acontecido daquela maneira, mas que marcaram o suficiente para moldá-lo.

A opção pela fotografia preto-e-branco de Cuarón é mais pelo sentimento do que propor algo documental – não que uma coisa esteja desassociada da outra. Pois ele, já com seus 56 anos, tem lembranças em fotos e rolos de vídeos caseiros dessa maneira, uma limitação técnica que quis evocar no seu filme. Claro que a consequência disso, junto da ausência da trilha sonora, é prestarmos mais atenção no drama de Cleo (Aparico), a empregada que é cozinheira, baba e faxineira da família de Sofia (Tavira), que também vive seu próprio drama. A jovem de origem indígena – uma personagem inspirada em alguém da vida de Cuarón – acaba sendo uma segunda mãe para os filhos da patroa e dela também em certos pontos do filme.

Por causa da narrativa lenta e a trama um tanto triste, alguém pode se encontrar perdido e pensando para que tanto tempo para contar uma história. Esse é a sina do imediatista, algo que Cuarón quer mudar. Com seus planos longos característicos, e com o movimento de câmera que praticamente se desloca de um lado para outro num apoio fixo como se fosse uma de segurança, Cuarón usa o tempo para mostrar detalhes da vida de Cleo e para gostarmos dela. Pessoas que conviveram anos a fio com babás sabem como essa relação funciona, e naquelas poucas mais de duas horas, o diretor espera mostrar o que é passar anos com alguém cuidando de você.

É importante comentar que o drama ali não é apenas de Cleo, apesar do peso que ela carrega. Primeiro físico – só vai embora para seu quarto quando todos se retiram em tarefas que nunca acabam – depois emocional ao ser abandonada grávida pelo namorado Fermín (Guerrero). Por seguir os passos dessa protagonista, sabemos pedaço por pedaço da situação de Sofia e seu esposo, pois Cleo está ocupada demais para problemas alheios. Então, aquela fração de informação num telefone, numa conversa com portas abertas criam um desenho que só é completamente percebido por nós quando é pela protagonista. Assim percebemos que a homenagem à força das mulheres não é apenas da empregada, mas também da empregadora que é abandonada, mesmo que seja de outra maneira.

Para reforçar uma necessidade de autoafirmação dos homens que rondam a vida das duas, Cuarón usa de alguns simbolismos. A cena onde o namorado de Cleo mostra seus dotes de artista marcial enquanto nu e o carro do esposo de Sofia que ocupa praticamente toda a largura da garagem são signos de uma virilidade que, na cabeça deles, precisa ser mostrada. Como o rei que chega no território, esses dois personagens fazem questão de marcar presença, por mais ridícula que a cena pareça. Mas agindo como covardes, usam qualquer desculpa para fugir da responsabilidade: um diz que vai ao banheiro e o outro diz que precisa fazer uma viagem. Realidades diferentes e um mau-caratismo similar.

E o diretor não esconde a fragilidade desses homens que não cuidaram daquelas mulheres que cuidaram dele – lembrem-se que pelo menos em parte, o filme é biográfico -, pessoas que encontram qualquer besteira para criar problemas ou fazer ameaças por se acharem como bichos acuados. O esposo de Sofia acha qualquer desculpa para sair de casa – “o lugar está uma bagunça”, “tem merda de cachorro na garagem” – e o namorado de Cleo ameaça mais de uma vez a jovem com seu poder físico. No entanto, Cuarón mostra como a protagonista é especial numa singela cena onde ela consegue fazer o que uma centena de homens não conseguem. Algo parecido acontece com Sofia, onde ela consegue, depois de muito esforço, se libertar pela verdade ao contar aos filhos o que o pai não quer admitir.

Passeando por lembranças emocionais e históricas – usando a mis-en-scene para nos situar naquele momento mexicano – Roma é uma história triste, mas relembrada com carinho por Cuarón e feito para sua verdadeira Cleo. É como uma justiça devida a uma pessoa que deu parte da vida em detrimento da própria, algo que ainda hoje podemos ver em vários lares, seja no Brasil, México ou EUA. Também fala sobre a verdade e como ela pode doer, adaptações que precisamos fazer na vida, coragem e sacrifícios. Mas além de tudo, é sobre o amor e como esse é o elemento que precisamos nos sustentar para sermos pessoas melhores. Em tempos de falta de empatia como o nosso, essa mensagem vem muito a calhar.

Roma foi o vencedor do Leão de Ouro no Festival de Veneza 2018 e é o indicado do México a uma vaga ao Oscar 2019 de Melhor Filme Estrangeiro.

Nota: 10/10

Previsão de estreia: nov/2018 (Netflix)

  • A Favorita (The Favourite, 2018, Reino Unido, Irlanda, EUA | Direção: Yorgos Lanthimos | Roteiro: Deborah Davis, Tony McNamara| Elenco: Olivia Colman, Rachel Weisz, Emma Stone, Nicholas Hoult | 120 min | Ficção)

A Favorita (The Favourite, 2018 | Direção: Yorgos Lanthimos)

  • Um filme de época com as próprias regras do diretor, comédias verdades e mentiras – tudo isso embalado pela política deixa A Favorita bem apropriado para o nosso cenário de hoje, onde temos que cada vez mais ser atentos para não nos deixarmos levar por somente o que ouvimos. Além da qualidade técnica e da atuação do trio principal, é importante notar que mesmo esse sendo um conto do século XVIII, Lanthimos traz seu trabalho mais acessível, mas não menos importante pela atemporalidade e universalidade dos temas tratados. Ainda que na posição confortáveis da poltrona do cinema, somos colocados como invasores de segredos da corte por meio das câmeras do diretor grego, descobrindo segredos que nenhum chefe de estado gostaria que fossem revelados.

    Numa rápida introdução, um fator importante para um filme que não segue o tradicional esquema e usa da dinâmica durante duas horas, mostra a primeira favorita da Rainha Anne (Colman), Sarah (Weisz), e como ela já está numa posição superior na corte da Grã-Bretanha. Para fazer evidente o ar de superioridade dessas personagens, Lanthimos coloca sua câmera num ângulo bem baixo, o que nos força olhar essas duas personagens numa posição incomodamente inferior, como se não pertencêssemos àquela realidade – o que é verdade. Então, somos tão intrusos naquele mundo quanto Abigail (Stone), apesar de seu passado de maior fortuna. Enlameada e já causando inveja pela sua beleza, a jovem está tão perdida quanto quem assiste.

    Nessa delineação de castas e realidades, também é preciso se deter um pouco na maneira que Lanthimos conta a história e como ele usa as lentes para isso. Notamos que o grego passeia entre grandes angulares, que podemos dizer que são as lentes comum, para aquelas de efeito olho de peixe, uma liberdade artística que nos tira do classicismo para uma modernidade. Considerando que o efeito da lente é muito similar com algumas câmeras de vigilância, a diferença visual nos coloca ainda mais como intrusos daquela corte, e que sabemos seus segredos somente porque não sabem que estamos lá. Algo parecido com a cena que Abigail presencia na escuridão entre Anne e Sarah, e ainda assim de maneira diferente.

    A primeira vez que Lanthimos coloca as câmeras mais perto do rosto dos personagens, e também num nível mais comum por assim dizer, é quando Abigail já caiu nas graças da Rainha e começa a praticar tiro esportivo com Sarah. As discussões das duas acontecerá ali e a cor do figurino diz bastante sobre esse jogo das duas – como peças num tabuleiro de xadrez, uma está de preto e a outra de branco, ambas com armas na mão, usando frases com significados ocultos para afirmar quem tem mais poder. Sarah tem toda uma história com Anne em seu favor, enquanto Abigail tem o poder da juventude de seu lado. Esse conflito se dará no campo do coração da rainha, uma mulher com um passado triste e que se comporta quase como uma criança.

    A dor física da rainha Anne é um reflexo de uma alma atormentada pela perda dos filhos e sua atração tanto por Sarah quanto por Abigail vem desse desespero. E é um jogo perigoso esse que a prima recém-chegada joga, principalmente pela falta de contatos que a jovem tem, algo que aparece na tentadora proposta de Robert Harley (Hoult). Ainda inocente e acreditando que a subida na escada social da corte poderia ser feita de maneira correta, a trama de Lanthimos coloca em xeque os nossos próprios princípios, se faríamos diferente naquela posição. Seja na questão de como se tratamos os outros ou das relações de poder, como Abigail mostra ao querer sair da lama que foi jogada na primeira vez que a vimos.

    Há uma grande diferença entre sofisticação e riqueza e Lanthimos, mais uma vez, usa da técnica para mostrar isso. Por ser um filme dinâmico, o diretor usa a câmera lenta apenas em momentos de frivolidade, onde esses personagens que tem um grande poder nas mãos podem perder tempo com corridas de patos ou atirar tomates num pobre coitado que tem que ficar nu e rindo enquanto recebe as maldosas investidas de seus superiores. Isso não acontece com Abigail ou Sarah, e nem mesmo com Anne, mesmo que a rainha faça algumas brincadeiras com sua velha amiga. Para esse trio, as coisas são mais sérias e pela velocidade do jogo, elas não se podem dar ao luxo de perder tempo – de novo, a questão da velocidade da trama.

    Com tudo isso dito, é importante lembrar outro paradigma quebrado por Lanthimos. Se lembrarmos dos grandes filmes de época, é mais fácil encontrarmos produções que focam mais em reis do que rainhas – e onde é mais fácil encontrar mulheres em posições subalternas, seja na cozinha, serventes ou a donzela em perigo. Apesar da trama ser dirigida e escrita por um homem, as três personagens não necessitam de personagens masculinos para subir, nem mesmo servem como escada para eles. Na trama, eles são meros acessórios para elas: Sarah usa da posição do esposo para controlar Anne e Abigail usa Harley para voltar à posição privilegiada que um dia teve ao se casar com um nobre.

    Ainda no esquema do jogo, é um tanto divertido ver como cada uma das personagens faz suas jogadas. Sarah é mais inteligente, prefere domar a rainha por meio de manipulação e se porta numa posição oculta, como podemos ver num dos discursos que Anne dará ao parlamento. Ela se senta atrás da rainha, num lugar de destaque, com menor incidência de luz, mas não com menos poder, puxando alguns fios para que seus planos prosperem. Abigail, menos experiente, prefere a bajulação, um método menos sofisticado, porém rápido por mexer com a autoestima da rainha. Em momentos de desespero, tanto Abigail quanto Sarah partem para investidas mais diretas uma contra a outra, mostrando que as mulheres podem ser tão terríveis como qualquer outro personagem masculino com atos terríveis em outras histórias.

    Assim como qualquer jogo, há vencedores e perdedores – mas apenas uma rainha, algo que a vencedora de A Favorita é lembrada na conclusão da história. Ao esquecer de tratar os pequenos da maneira como ela gostaria de ter sido tratada, Anne mostra que todos aquelas tramas e palavras não queria dizer que Sarah e Abigail eram rainhas disputando o poder no tabuleiro, mas no máximo peças como o cavalo que pode pular algumas casas, mas não tem o poder de ir para qualquer direção. Isso, mais uma vez, remete a nós mesmos e onde nos encaixamos no grande esquema das coisas: os poderosos continuam com seu poder, e os humildes ainda na posição de servidão.

    Nota: 9/10

    Previsão de estreia no Brasil: fev/2019 (Fox)

  • O Homem Que Matou Dom Quixote (The Man Who Killed Don Quixote, 2018, Espanha, França, Bélgica, Portugal | Direção: Terry Gilliam | Roteiro: Terry Gilliam, Tony Grisoni | Elenco: Adam Driver, Jonathan Pryce, Stellan Skarsgård, Olga Kurylenko, Joana Ribeiro, Jordi Mollà | 132 min | Ficção)

• O Homem Que Matou Dom Quixote (The Man Who Killed Don Quixote, 2018, Espanha, França, Bélgica, Portugal | Direção: Terry Gilliam)

O projeto de paixão de Terry Gilliam é uma subversão, um filme dentro de um filme e uma homenagem ao personagem de Miguel de Cervantes. E como toda a paixão, o diretor viu mais qualidades que defeitos em seu O Homem Que Matou Dom Quixote, uma obra sobre coincidências, amores e sonhos – como o do próprio Gilliam nesses 25 anos de problemas para poder lançar o filme. Mas, como todo aquele apaixonado, ele parece ter esquecido os defeitos do seu amor.

Felizmente, a história de Gilliam não é uma nova versão filmada do livro Don Quijote de la Mancha (Miguel de Cervantes, 1547-1616), mas uma visão sobre o que acontece quando alguém está obcecado por uma ideia, seja um filme ou por querer ser alguém mais importante nesse mundo. Ao começar da maneira conhecida, somos ligeiramente enganados por Gilliam para então entrarmos na visão que Toby (Driver) busca para seu novo Quixote. Ou seja, o diretor brinca com a metalinguagem – o cinema falando dele mesmo, e o diretor falando dele mesmo.

Nesse mundo de coincidências mágicas, um universo trazido por antigo projeto de infância, Gilliam filma um sonho de como Toby caiu numa jornada que não tinha intenção de trilha para recuperar seus sonhos. Isso traz alguns momentos um tanto simplistas como chamar o vilarejo de “El Suño”, lugar em que encontra e reencontra Javier (Pryce), o seu Dom Quixote, e uma antiga paixão, Angelica (Ribeiro) – mais uma musa, pois fica sugerido que o interesse do jovem pela moça era puramente artístico, assim como o do cavaleiro por Dulcineia era idealizado.

Em alguns momentos, Gilliam parece ser um diretor menos experiente que verdadeiramente é – afinal, filmes como Em Busca do Cálice Sagrado, O Pescador de Ilusões e Teorema Zero não saíram por acidente – então é estranha a escolha de cortes de cena, algo que não cria conexão entre os personagens, e a insistência do diretor em diversas vezes fazer a brincadeira da ponte entre o real e o imaginário. Esse é um elemento sim importante, mas quando repetido depois da terceira vez cansa porque já entendemos o que ele quer dizer.

Ao acompanhar a produção, notamos que Gilliam tem picos, melhorando tecnicamente e caindo em outros lugares-comum. As boas partes são o uso da metalinguagem, a busca do passado como inspiração, a aura mágica daquele lugarzinho na Espanha, como Javier sofre o impacto da obra de Cervantes, o uso de ângulos holandeses nas interações entre os novos Quixote e Sancho e uma lembrança dos tempos de Monty Phyton quando Toby empurra as legendas em inglês da tela numa brincadeira surreal típica da trupe britânica.

Por isso é difícil entender os clichês como a passagem do preto-e-branco para cor (apesar de isso acontecer apenas uma vez) e o uso sombrio da música quando Toby se sente ameaçado pele Chefe (Skarsgård). Assim como é fraca a inserção de Alexei (Mollà). A introdução desse personagem, ainda que citado mais cedo, deixa a impressão que Gilliam acredita que uma história precisa de um vilão no sentido mais estrito da palavra – e um russo, ainda por cima. Ao não permitir que Toby fosse seu próprio antagonista, algo que ia se desenhando pelo medo, cobiça e falta de responsabilidade do personagem, Gilliam aproxima seu projeto de sonho de algo mais simples.

O Homem Que Matou Dom Quixote é uma elogio a loucura (e há algo de Erasmo de Roterdã nisso), uma que todos nós temos direito em doses pequenas e uma homenagem ao eterno Dom Quixote e sua luta contra moinhos de vento – sem esquecer da paródia que Cervantes fazia ao estilo literário dos romances de cavalaria. A produção brinca com o que é ser um herói – principalmente quando Toby falha no resgate – e com esse universo que sempre puxava Gilliam de volta a ela, como acontece com o próprio Toby. Há também algo de político quando trata dos personagens refugiados e à crítica aos poderosos que aparecem na foram dos produtores do filme. Mas se Gilliam abordasse deu filme de maneira mais concisa, provavelmente seria uma experiência melhor, pois conseguiria ver os defeitos e tirá-los na sala de montagem.

Nota: 7/10

Previsão de estreia no Brasil: não há

  • Um Trem em Jerusalém (A Tramway In Jerusalem, 2018, Israel, França | Direção: Amos Gitai | Roteiro: Amos Gitai, Marie-Jose Sanselme | Elenco: Achinoam Noa Nini, Mathieu Amalric, Elias Amalric | 90 min | Ficção)

• Um Trem em Jerusalém (A Tramway In Jerusalem, 2018, Israel, França | Direção: Amos Gitai)

Existem infinitas histórias para serem contadas, mas não há espaço para todas. Apesar de Amos Gitais querer contar todas as possíveis em Um Trem em Jerusalém, ele seria mais feliz se não tentasse tanto. Apesar das histórias interessantes, o diretor poderia cortar algumas em nome da dinâmica. Ao invés disso, ele coloca até os planos mais improváveis na história.

Isso não significa, no entanto, que a experiência é ruim – ela apenas cansa um tanto. É como fazer um álbum de viagem depois mostrar para seus amigos – um filtro é necessário para que não pegue eles bocejando ou olhando para o relógio. Com suas pequenas histórias, o diretor quebra a clássica estrutura dos três atos, mas também não sabe quando terminar seu filme.

Utilizando de planos longos para criar conexões e colocando a câmera bem perto de seus personagens para fazer a audiência participante daquelas viagens, Gitai conta cerca de vinte mini-histórias entre alguns dias de passeio que vão desde a fé, a beleza urbana, futebol, como as mulheres se encontram em situações perigosas, como a lei pode ser tirânica, preconceito, momentos engraçados, preconceito, socialismo e política.

Alguns momentos de Um Trem em Jerusalém mereciam maior atenção – a história do árabe que é imobilizado ou a garota palestina que pergunta a si mesma o seu lugar naquele país que abraça três grandes religiões – em favor de outras – até mesmo o trem ganha uma filmagem de alguns poucos minutos. Talvez com medo de ser injusto com seus retratos, Gitai quis tirar muito pouco do que viu, mas esqueceu que em certos momentos, menos é mais.

Nota: 6/10

Previsão de estreia no Brasil: não há

  • Peregrinação (Peregrinação, 2018, Portugal | Direção e roteiro: João Botelho| Elenco: Cláudio da Silva, Catarina Wallenstein, Cassiano Carneiro, Jani Zhao, Pedro Inês | 105 min | Ficção)

• Peregrinação (Peregrinação, 2018, Portugal | Direção: João Botelho)

Esse não é um bom ano para o cinema português na Mostra desse ano, e Peregrinação é mais um retrato disso. Mesmo que tenha passagens interessantes, como as interações musicais que aparecem ao longo da projeção, é um filme tão confuso que perde o espectador depois dos primeiros minutos.

Botelho sabia do risco que seria fazer um retrato histórico do navegador Fernão Mendes Pinto, então prefere recortar a narrativa de seu personagem enquanto tenta convencer que ouçam sua história. O que acontece então são pulos temporais que vem e volta na história do português que teve o azar de passar muitos anos no oriente, às vezes cativo, e ter nascido na mesma época de Camões.

O problema é que essas narrações picadas nem sempre encontram lugar dentro do filme, então é bem comum nos perdermos entre histórias e mais comum ainda Botelho não conseguir fechar histórias, tanto de Fernão quanto de personagens secundários, o que mostra a falta que faz um bom montador. É como acompanhar um caminho e cair num meme no melhor estilo “e então morreu”.

É difícil entender quem é o inimigo e o overacting do protagonista enquanto passeamos pelo histórico de parte da navegação portuguesa. Algumas coisas funcionam, ainda bem. Principalmente a narração off que são os escritos de Fernão – que procura quem o ouça, desde os mais importantes aos mais simples – e a opção da cantoria. No país do fado, é uma bela opção não só pela estética do som, mas por ouvir a música pelos marujos, os mais simples que ganham uma voz. São detalhes que salvam Peregrinação do desastre, mas não do esquecimento. Falta força para a história se sustentar.

Peregrinação é o candidato de Portugal ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 2019.

Nota: 5/10

Previsão de estreia no Brasil: não há

  • As Canções (2011, Brasil | Direção: Eduardo Coutinho | 90 min | Documentário)

• As Canções (2011, Brasil | Direção: Eduardo Coutinho)

Em O Mercador de Veneza, William Shakespeare diz “The man that hath no music in himself, Nor is not moved with concord of sweet sounds, Is fit for treasons, stratagems, and spoils” (“Aquele que não tem música em si, nem se emociona na concórdia de sons doces, é alguém capaz de traições, artimanhas e roubos”, numa tradução livre). Esse é o espírito de As Canções, último longa metragem de Coutinho lançado quando o diretor ainda era vivo.

Cantar é como mostrar a alma, então o que o diretor faz em seu filme é capturar a essência de pessoas desconhecidas e como suas histórias de vida se conectam com músicas que elas amam. Ou não, algumas canções são simplesmente cantadas sem um plano de fundo e a não-explicação deixa um ar de mistério nesse documentário, histórias que talvez podem ser conhecidas apenas por seus interpretes.

Coutinho tem muito desse estilo talking head no seus filmes, o que pode ser considerado tradicional demais e até ultrapassado, mas ele tinha uma competência em deixar suas produções muito pessoais e autênticas ao permitir que pudéssemos às vezes ouvir sua voz ou deixar que outras interferências chegassem ao corte final, como um dos documentados ter que desligar seu telefone.

Entre amores, fé, dores e o que realmente importa para essas pessoas é o caminho escolhido por Coutinho para entender a relação que temos com a música. E há também um retrato abrangente que lembra que mesmo memórias boas trazem choros e que histórias engraçadas podem terminar em tragédias, o que mostram as contradições que nós seres humanos somos.

 Falando de choque de culturas, de como as coisas mudaram ao longo do tempo, As Canções é uma costura de lindas histórias e outras que não terminam bem – aliás, a maioria das entrevistas não tem finais felizes – pois o documentário não quer romantizar nada, apenas mostrar uma faceta desse novo povo tão diversificado na cultura, cor da pele, credo e outras coisas que nos fazem únicos.

Nota: 8/10

  • A Casa que Jack Construiu (The House That Jack Built, 2018, Dinamarca, Alemanha, França, Suécia | Direção e roteiro: Lars von Trier | Elenco: Matt Dillon, Bruno Ganz, Uma Thurman, Siobhan Fallon Hogan, Sofie Gråbøl, Riley Keough, Jeremy Davies | 155 min | Ficção)

A Casa Que Jack Construiu | Imagens (5)Gostando ou não de Lars von Trier, é impossível não sair de qualquer sessão de seus filmes sem querer discutir o que ele queria nos dizer. A Casa Que Jack Construiu é uma discussão sobre arte e a desgraça que a humanidade representa, pelo menos na visão do diretor. Os atos de sadismo do protagonista são cruéis ao extremo, atos de um personagem que se considera intocável por coincidências que passam desde o clima até o acidente genético de ter nascido homem. É um tanto difícil desassociar imagens da narrativa, e perguntamos a nos mesmos se tanta violência de maneira gráfica era necessária. Esse discurso nos acompanha durante toda a descida de Jack, e teremos mais de duas horas para pensar nisso.

Crítica completa em https://umtigrenocinema.com/a-casa-que-jack-construiu-critica/

  • O Anjo (El Ángel, 2018, Argentina, Espanha | Direção: Luis Ortega | Roteiro: Luis Ortega, Rodolfo Palacios, Sergio Olguín | Elenco: Lorenzo Ferro, Chino Darin, Mercedes Morán, Daniel Fanego | 114 min | Cinebiografia)

• O Anjo (El Ángel, 2018, Argentina, Espanha)

Podemos dizer que O Anjo é um filme correto como uma receita de bolo. Está tudo lá: atuações, fotografia, montagem, tudo pelo livro. Porém, essa abordagem acadêmica não faz exatamente um filme bom. Ele é como aqueles outros que estão na prateleira da locadora – ou melhor, do seu serviço de streaming preferido: longe de ser uma escolha interessante e, da mesma maneira, nem de perto em ser a sua primeira opção para degustar.

Baseado na história real de Carlos Eduardo Robledo, esse Carlos tem uma cara de anjo que poderia ter vindo de qualquer pintura renascentista, e é prepotente o bastante para acreditar nisso. A melhor parte da narrativa é como o protagonista é apresentado para mostrar que a relação com os pais e a namorada é normal, e que não foi por causa deles que se criou um monstro. A cinebiografia tenta entender como alguém vindo de uma criação boa, mesmo que sem luxos, poderia cometer os crimes que cometeu.

É na escola, que pode ser visto como sua primeira prisão por causa de tantas regras, que ele se impõe ao brigar com o tipo mais cool do lugar. Você já deve ter ouvido falar de algo que é quase uma lenda urbana que os meninos puxam os cabelos das meninas que gostam, e o que Carlos faz com Ramon é mais ou menos isso, mas com traços que já mostram a sociopatia daquele que é um dos maiores criminosos da Argentina.

Quando roubar essa só uma aventura, o personagem parecia andar com a maré. Mas no primeiro momento que poderia escolhe entre fazer ou não o mal, ele envereda pelo caminho cruel. É como se a sociedade lhe desse certas amarras, mas quando ele aponta uma arma para a mãe, mesmo sem a intenção de usar, é que descobrimos a índole desse personagem que apesar de todas suas atrocidades, consegue dormir tranquilamente até a manhã seguinte, sem ter seu sono perturbado por remorso.

O Anjo foca também como a imprensa se jogou na questão da sexualidade do personagem, o que provavelmente chancelou muitos preconceitos com os homossexuais na época. Com sangue e gasolina espirrando nas lentes da câmera e, por consequência, na nossa cara, o diretor que nos fazer participantes daquela história. Mas é só nesse momento que ele ousa um pouco nessa produção tão burocrática.

O Anjo é o candidato da Argentina ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 2019.

Nota: 6/10

Previsão de estreia no Brasil: não há

  • Caminhos Magnéticos (Caminhos Magnétykos, 2018, Portugal | Direção: Edgar Pêra | Elenco: Dominique Pinon, Albano Jerónimo, Alba Baptista, Ney Matogrosso | 89 min | Ficção)

• Caminhos Magnéticos (Caminhos Magnétykos, 2018, Portugal)

Até mesmo o experimentalismo precisa de um motivo e Caminhos Magnéticos falha como filme e como expressão. É uma produção que mistura instalação, teatro e vídeo clipe em nos seus intermináveis 90 minutos de um personagem perdido que só sabe gritar o nome da filha que entregou para casar com um cretino. Mesmo que os temas de fundo sejam importantes, tanto referenciando Salazar como Trump, não funciona como filme propriamente dito.

Com informações vindas de todos os lados, às vezes com imagens sobrepostas, Pêra busca uma assinatura visual para seu filme como se entrássemos numa instalação, onde os pesadelos e desejos do protagonista se sobrepõe na tela. O diretor, no entanto, esquece que a principal função de uma instalação é podermos interagir com ela. E sentados ali na sala de cinema, a história só serve para ouvirmos Raymond gritar e gritar.

Há algo de 1984 e Black Mirror na trama que não usa bem o material que o influenciou. Na verdade, esses temas ao fundo de futilidade, ganância e totalitarismo é muito raso. O diretor se importa tanto com a estética que se esquece do resto, e o que fica é são só piadas tão óbvias – por exemplo, o noivo que recebe a ligação de um tal Donald – que depois de tantas câmeras aéreas e imagens postas um sobre a outra, nos perguntamos o motivo de tanto.

Caminhos Magnéticos é uma má evolução do já mal-usado teatro filmado, que na sua crítica ao cenário atual com problemas causados pelo nacionalismo exacerbado se perde em tantos elementos jogados na nossa cara. Poderia funcionar se pudéssemos fazer parte da narrativa, sem uma narrativa didática e partindo para a não-linearidade. Do jeito que é apresentada, é só estética com um conteúdo bem vazio.

Nota: 2/10

Previsão de estreia no Brasil: não há

  • Gutland (Gutland, 2017, Luxemburgo | Direção: Govinda Van Maele | Roteiro: Razvan Radulescu, Govinda Van Maele | Elenco: Vicky Krieps, Frederick Lau, Pit Bukowski | 107 min | Ficção)

• Gutland (Gutland, 2017, Luxemburgo)

Em Gutland as coisas não são como parecem, e o diretor faz questão de nos colocar nessa posição incômoda enquanto assistimos o filme. Ao acompanhar Jens, essa figura tristonha numa cidadezinha que parece bem mais festiva do que ele, nos perguntamos como ele poderia se encaixar ali. Atrasado para trabalhar na colheita, cabeludo num lugar que parece bem tradicional, o desencaixe dele se reflete para a plateia que também não conhece o lugar.

Existem conflitos naquele lugar, entre Jens e Lucy – na cama os dois brigam para ver quem domina quem – entre o senhor que parece que quer o estranho por perto, entre pais e filhos e uma aura de mistério que vem do segredo que Jens guarda na bolsa e do desaparecimento repentino de um dos moradores mais ilustres daquele lugar. Assim como a descoberta de fotos sensuais que aparecem nas coisas de Jens, começamos a nos perguntar o que diabos está acontecendo.

E a história desse intruso que se intromete onde não é chamado ganha uma virada de tons kafkanianos, uma abordagem surreal que é muito bem-vinda na narrativa e que nos tira do conforto que poderíamos nos encontrar quando Jens começa a se acertar com Lucy e naquela cidade. Então, Gutland não acaba como esperávamos, mas sim em fanfarra, harmonia e aceitação. Fica um gosto estranho e uma sensação de que nem sempre controlamos o nosso destino.

Nota: 7/10

Previsão de estreia no Brasil: não há

  • Asas do Desejo (Der Himmel über Berlin, 1987, Alemanha | Direção: Win Wenders | Roteiro: Wim Wenders, Peter Handke | Elenco: Bruno Ganz, Solveig Dommartin, Otto Sander, Peter Falk | 128 min | Ficção)

• Asas do Desejo (Der Himmel über Berlin, 1987, Alemanha)

Existem coisas que só festivais podem fazer por nós, como ver uma cópia restaurada de Asas do Desejo, aquele que é, provavelmente, o filme alemão mais importante dos anos 1980. Seja por sua poesia, pela influência em outras obras, como usa a linguagem da fotografia na trama ou por, simplesmente, ser uma bela história de amor.

Com anjos poéticos, Wenders encara a inocência das crianças que conseguem ver os anjos como aquilo que perdermos quando crescemos. Elas são mais curiosas, perguntam, olham para cima. E se o diretor pudesse prever que hoje olhamos muito mais vezes para baixo por causa de nossos smartphones, podemos dizer que pouco mudou nessas últimas décadas.

Comentei e sempre comento que narrações off costumam ser uma muleta narrativa que serve de muito pouco para um filme, que é algo que só iniciantes usam, ou então como muita parcimônia. Porém, nesse que é o seu mais famoso filme, Wenders faz com que as declarações sejam as leituras que os anjos fazem de nós humanos, como se colecionassem cartas, ou melhor, nossas experiências nessa missão divina que é nos ajudar.

Esse sentido acontece também na transição do preto e branco para o colorido. Na visão de Damiel e dos outros, existe uma percepção de fora da realidade, como se ver os humanos e suas histórias sem cores eles pudessem apenas observar como um tipo de sonho sem participar ativamente. Eles estão lá apenas como influenciadores invisíveis, mas nunca ferindo a questão do livre-arbítrio que é característico da nossa raça.

As cores vêm pela primeira quando Damiel observa Marion. Antes a câmera fluida, calma e tranquila dá lugar à fixação, que vem aos poucos. Percebemos então que esse ser divino, que existe para Wenders, não poderia tirar até mesmo da sua outra criação, os anjos, daquilo que ele nos deu. Esses desejos mundanos de Damiel são tão sinceros quanto os de Cassiel ao tentar evitar um suicídio, ainda que a opção do anjo apaixonado seja cair na Terra e sair da graça que é característica desses observadores e ajudadores.

É interessante notar também como Wenders mostra a preocupação de Damiel com sua amada. Se antes os planos longos eram a maioria na composição, percebam como há muitos mais cortes na cena do trapézio e como ele alerta o chefe do picadeiro que algo poderia dar errado naquela situação. Há espaços também para surpresas, coincidências alguns poderiam dizer, que dão um empurrão para Damiel e sua escolha. Na nova vida, ele cai, é coberto de sangue como um recém-nascido e os sons de Berlim, que antes não havia no filme pois eles se concentravam nos humanos, agora fazem parte daquela realidade.

Ao passear pela cidade alemã, Wenders também faz um passeio por seu passado. Então, Asas do Desejo não é só um filme de amor de um anjo – que se torna homem – por uma mulher, mas sobre a História e da importância da arte. Por isso que Wenders toma tanto tempo entre memórias do Holocausto e de anjos visitando bibliotecas e sets de cinema. Em tempos preocupantes que vivemos, assistir novamente um filme que traz paz se mostra bem importante.

Nota: 10/10

  • Malila: A Flor do Adeus (Malila, 2017, Tailândia | Direção: Anucha Boonyawatana | Roteiro: Anucha Boonyawatana, Waasuthep Ketpetch | Elenco: Sukollawat Kanarot, Anuchyd Sapanphong, Sumret Muengput | 96 min | Ficção)

• Malila: A Flor do Adeus (Malila, 2017, Tailândia)

Provavelmente, Malila: A Flor do Adeus faz muito mais sentido para quem é tailandês. Mas isso não impede que nós e toda uma variada população ocidental aprecie o filme por sua beleza. É um conto de amor universal, protagonizado por um casal homossexual, e que fala sobre a beleza desse mundo e o que podemos deixar para trás ao deixa-lo.

A história vem de um desejo simples do protagonista: fazer um presente para o seu querido. Pich, o artesão das basini, está a um ponto de deixar esse mundo e antes disso quer deixa-lo mais belo no fazer dessas obras de arte, ainda que sejam efêmeras – e, se formos analisar bem, é como a nossa passagem nesse mundo, pouco mais que um respiro no plano universal das coisas.

Além da vida, o filme também trata da morte. E da mesma maneira que Pitch e Shane entregam uma dessas oferendas que demora horas para ser feita ao rio, a história mostra que é importante nos apegar tanto, e que isso de se deixar levar também faz parte da vida. E quando Shane embarca na sua nova vida monástica, um de seus desafios é encarar a morte com a mesma naturalidade que encaramos a vida.

Entre vida e renascimento, dor e alegrias, Malila: A Flor do Adeus é uma história sobre a vida, cheia de amores e decepções e, simplesmente, vida. Há pelos olhos da diretora uma visão budista da nossa relação com esse mundo, e com certeza entender mais desse zen seria importante para apreciar melhor a produção. Mas isso não impede de nos deixarmos levar pela contemplação e beleza, como podemos fazer em muitos momentos da nossa vida.

Malila é o candidato da Tailândia ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 2019.

Nota: 7/10

Previsão de estreia no Brasil: não há.

  • Tragam a Maconha (Mision no Oficial, 2017, Uruguai | Direção e roteiro: Denny Brechner, Alfonso Guerreroe Marcos Hecht | Elenco: Denny Brechner, Talma Friedler, Tato Olmos | 75 min | Ficção)

• Tragam a Maconha (Mision no Oficial, 2017, Uruguai)

À primeira vista, podemos chamar Tragam a Maconha de mockumentary, tratando um assunto sério com doses de humor para que a o assunto da legalização da maconha para uso recreativo seja abordado. Com a presença do próprio Pepe Mujica, que entrou na brincadeira, a produção uruguaia é para seus cidadãos como Borat foi para os estadunidenses.

Porém, são alguns detalhes que incomodam o projeto, deixando transparecer a insegurança do diretor iniciante e evidenciando ainda mais o amadorismo do filme. Elementos como a trilha sonora que não some, chega a irritar em certos momentos, a narração off constante dos personagens e os cartazes longos com personagens para mostrar um caráter real são exemplo disso.

Mas é verdade também que há na produção uma vontade verdadeira de fazer cinema, naquela que é a máxima de Glauber Rocha. Tirando sarro da própria situação – a figura do policial do Uruguai, a ideia de que o exército cuidaria da plantação da cannabis – Tragam a Maconha é uma obra que precisa explicar que é uma fantasia no final, o que tira esse caráter de sarro da obra que foi explorada por sua inspiração do repórter cazaque mais famoso do mundo.

Nota: 5/10

Previsão de estreia no Brasil: não há

  • Guerra Fria (Zimna Wojna, 2018, Polônia | Direção: Pawel Pawlikowski | Roteiro: Pawel Pawlikowski, Janusz Glowacki | Elenco: Joanna Kulig, Tomasz Kote, Borys Szyc | 84 min | Ficção)

• Guerra Fria (Zimna Wojna, 2018, Polônia)

Apesar do nome, Guerra Fria não é sobre o delicado conflito entre as duas maiores potências do mundo nos anos 1950 e 1960, mas uma história de amor e drama entre dois personagens de temperamentos diferentes, e que entre encontros e desencontros nos países que compunham o bloco europeu comunista também se encontram entre amores e desamores. A maneira de Pawlikowski filmar, já uma assinatura do diretor, torna a experiência tanto intimista quanto histórica, numa aproximação entre estética e linguagem que poucos conseguem atingir. Entre discussões sobre artes variadas, a história de amor dos protagonistas não tem a ver com a guerra, mas mostra como nem o amor passa incólume em tempos assim.

O encontro de dois mundos é o plano de fundo da história de Zula (Kulig) e Wiktor (Kot), divididos pela diferença de idade e pelo conhecido e até comum fator estudante-professor. Aquela realidade fria da Polônia, tanto no clima quanto no cenário político, é a oportunidade perfeita para se refugiar na arte. Ao perceber que existe talento por trás da beleza, Wiktor começa a tutorar Zula pois acredita no potencial da jovem, mesmo que essa escolha, pelo menos no começo, mostre segundas intenções do diretor da escola de artes. Para ele, a jovem cantora é um mistério a ser desvendado, tanto que mais a frente ela é chamada de femme fatale.

Além da escolha da fotografia em preto e branco e da razão de aspecto 4:3 – lembrando um cinema mais antigo – há um detalhe curioso como Pawlikowski enquadra seus personagens. Um olhar mais atento percebe que em vários momentos eles ocupam apenas a metade para baixo do frame. O que poderia ser um incômodo serve para duas coisas: primeiro para mostrar também o cenário e como ele reflete aquelas pessoas. A segunda, e mais importante, se justifica quando a política é forçadamente introduzida na arte. Com Kaczmarek (Szyc) se abrindo para o Partido Socialista, vemos esse espaço que antes era vazio ser ocupado por uma grande imagem do ditador Stalin, e em tempos de novos totalitarismos, essa é uma imagem muito forte.

Conciso ao contar sua história, Pawlikowski passeia conosco e com seus protagonistas entre a Polônia, Alemanha, a extinta Iugoslávia e França, lugares que representam diferentes sentimentos. A já comentada Polônia tem um cenário gélido e tradicional, o antigo país dos Bálcãs está manchado pela sombra de Stalin – assim como a Berlim oriental – e a França é mais moderna, onde o jazz e o rock n roll dá o tom musical, um lugar onde Zula e Wiktor podem viver seus sonhos e onde o diretor se permite soltar da câmera fixa e dançar com o casal que, mesmo presos a seus próprios compromissos, se tornam amantes. Mas existe sempre um fantasma entre eles.

Apesar de ser sutil com isso, há um elemento político na trama. Por exemplo, quando Wiktor sugere para Zula que os dois fujam do jugo daquilo que a companhia se tornou sob a influência do Partido Socialista Polonês, ele consegue ir até a fronteira. Já ela não: presa sob os olhares do partido – na figura de Kaczmarek – e do machismo, com outros homens que a tiram para dançar numa festa após uma apresentação, Zula sofre duplamente por um destino que lhe é imposto ao ser julgada por seu gênero.

E falando novamente de estética, é justo apontar como Pawlikowski usa a montagem para definir a passagem de tempo. Primeiro, notamos que o diretor usa poucos cortes, criando assim uma conexão entre os personagens, algo que é quebrado pelos fades para o preto que duram alguns poucos segundos, o que mostra que mesmo uma produção que podemos chamar de época pode também ser dinâmica. Até elementos que parecem à princípio normais para as cena tem um sentido oculto. Um bem marcante é quando a companhia apresenta para o Partido uma música do coral louvando Stalin e todos os políticos estão num mezanino, atrás de holofotes, como se julgando os artistas numa grande sala de interrogatório.

E por não ser um filme de amor comum, não existe um cenário fácil para os dois. Nem em Paris, a cidade luz, que para os dois acaba se tornando um pequeno alento. Mas mesmo ali há conflitos, uma mentira que Wiktor vende sobre Zula que nos remete ao que acontece em O Desprezo (Le Mépris, 1963, Jean-Luc Godard). E entre mais erros que acertos, Pawlikowski mostra que o amor não deve ser romantizado, que apesar do que outros filmes dizem, o amor não vence tudo. Entre uma prisão e outra, o diretor mostra que apenas a morte que tem esse poder.

Num ato final contra tudo e contra todos – Deus, o estado, as tradições – Pawlikowski acredita encontrar uma solução para a paz em Guerra Fria. Tal solução é tão trágica quanto o tempo que os personagens viveram e, talvez, o mesmo que vivemos hoje. E num cenário tão sem perspectiva, olhar do outro lado parece uma saída – o que não quer dizer que seja a única. O que acontece aqui é como um alerta, onde o diretor usa da ficção para nos fazer refletir se realmente não existe outra saída além da triste apresentada.

Guerra Fria foi o filme vencedor do Prêmio de Melhor Direção no Festival de Cannes e é o candidato pela Polônia ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 2019.

Nota: 9/10

Previsão de estreia no Brasil: fev/2019 (California Filmes)

  • O Termômetro de Galileu (O Termómetro de Galileu, 2018, Portugal | Direção e roteiro: Teresa Villaverde | 105 min | Documentário)

• O Termômetro de Galileu (O Termómetro de Galileu, 2018, Portugal)

Experimental, O Termômetro de Galileu foca na relação de Tonino De Bernardi com sua obra, família e amigos que se misturam, já que o cineasta italiano usou tanto o cenário que vive como aqueles mais próximos deles em seus filmes. Por focar mais na mensagem do que em imagens, a diretora Villaverde parece esquecer muitas vezes que a câmera está ligada.

Numa narrativa lenta, que acompanha tanto o ritmo de Bernardi quanto a dos seus já idosos amigos e familiares, temos várias imagens de cabeça para baixo, sem se preocupar com enquadramento, iluminação ou captaçãogar de som. Chega ao extremo da diretora usar imagens de uma viagem ao Egito enquanto o italiano divaga sobre sua vida. É como se Villaverde tomasse nota dos primeiros teóricos soviéticos que diziam que o cinema falado deveria entrar em conflito com a imagem para funcionar.

São lembranças do cinema, do período fascista vivido na Itália, e a relação com a nova geração. Com exceção da entrevista com os netos de Tonino, que tem mais cortes, Villaverde liga a câmera e deixa seus representados falarem, sem qualquer tipo de filtro, apesar de um dos momentos mais sóbrios do filme, o italiano reclame que com a câmera ligada ele não pode ser sincero.

Sem dúvida, são histórias que gostaríamos de ouvir numa mesa familiar, numa reunião regada à bons vinhos e boa comida e, entre um papo e outro, levantar, se espreguiçar para depois continuar a ouvir. Entendo que a diretora quis compartilhar conosco essa sensação, quase como se tivesse tido a ideia de ligar a câmera no meio de uma conversa informal e percebeu que aquilo precisava de um registro.

Mas isso não significa que precisávamos de um filme tão longo para tal. Algumas partes nos dão vontade de levantar e sair do cinema, como o insistente cantar de um galo, ou cenas que nos perguntamos porque estar ali como a cena da aula de latim. Faltou foco na narrativa da diretora que acredito que toda captação precisava ser contada, até mesmo os grandes pequenos pânicos que acontecem na pequena vila. Apesar da declaração final do diretor ser importante para qualquer amante do cinema, 100 minutos para chegar até lá são um desperdício de tempo.

Nota: 5/10

Previsão de estreia no Brasil: Não há.

  • Garotas em Fuga (Cavale | 2018, Bélgica, Suíça | Direção: Virginie Gourmel | Roteiro: Micha Wald | Elenco: Lisa Viance, Yamina Zaghouanie, Noa Pellizari | 95 min | Ficção)

• Garotas em Fuga (Cavale | 2018, Bélgica, Suíça)

Garotas em Fuga é um daqueles filmes impactantes, que tocam em assuntos importantes, mas que deveriam vir precedidos de um grande aviso de gatilho de trauma (trigger warning): depressão, suicídio, abuso de drogas são alguns dos temas abordados pela diretora. É uma experiência fantástica, mas é também é aquela produção que você não vai querer revisitar muitas vezes na sua vida.

A melhor coisa do filme é como a diretora dita o ritmo – por focar e ser um filme para jovens, a montagem dinâmica serve tanto para acompanhar esse público como o espírito revolta de Kathy, que leva junto numa missão quase kamikaze duas outras personagens, completando a tríade que vemos pelo menos desde a obra mais famosa de Alexandre Dumas. Notem como os cortes se dão na trama, e como quando eles aumentam só um pouco, como Kathy espera as fugitivas no carro, a percepção de tempo muda.

Poderíamos mascarar a situação das três como uma aventura, onde, depois de um tempo internadas, tudo parece novo, cheio de cores, sabores e gostos. A diretora até nos coloca junto das três um caminho por uma floresta e um encontro com bardos, tão típico de Tolkien e dos RPG. Mas o que ela filma é a realidade, uma que estava mascarada por remédios. Mas depois da floresta não há um santuário, nada de Valfenda. Apenas uma casa vazia.

Para reforçar a sensação de sonho que se chocam com a vida real, Gourmel usa da música incidental e da trilha sonora original. Ou seja, quando ouvimos trilhas que não estão saindo de um rádio ou de algum instrumento ao vivo, isso aponta um devaneio ou esperança da protagonista, uma tentativa de sair de cada decisão errada que ela toma.

Apenas para o jovem Noah é tudo uma aventura. O inocente, quase o tolo se não fosse por sua idade, cria uma conexão com Kathy – que poderia até ser tratada como Síndrome de Estocolmo – e cria os momentos mais tocantes dessa triste história e da necessidade de ouvirmos aqueles que gritam por ajuda.

Nota: 9/10

Previsão de estreia no Brasil: Não há.

  • Rosas Selvagens (Dzikie Róze | 2017, Polônia | Direção e roteiro: Anna Jadowska | Elenco: Marta Nieradkiewicz, Michał Żurawskie, Halina Rasiakówna | 89 min | Ficção)

Rosas Selvagens (Dzikie Róze | 2017, Polônia)

Sabe quando um final praticamente destrói os bons momentos? O Polonês Rosas Selvagens é assim. Num cenário calmo e idílico, Ewa (Nieradkiewicz) sofre por dentro, sem sabermos direito o motivo. Vivendo numa casa que não se parece com um lar – a falta de paredes dá uma insegurança – a jovem mãe e coletora de rosas selvagens está num mundo belo, mas que não lhe dá alegria. Percebemos isso principalmente porque não vemos um sorriso sequer da protagonista.

Até a filha dela parece sofrer por esse lugar com pouco amor ao dizer que não ama os pais numa confissão. Para Ewa, parece que o único papel que ela deve cumprir é o de mãe naquele lugar onde a vida passa lentamente como a própria narrativa do filme.

A história levanta questões de como guardar um segredo numa comunidade tão pequena, duvidas quanto à fé e afinal o que é preciso para ser feliz. Ewa busca por uma paz, busca sua felicidade num cenário tão tradicional que tudo é feito em sociedade.

Mas é por causa desses questionamentos que é muito estranho a decisão de Ewa ser punida, mesmo que temporariamente, por escolher ser mãe ao invés de mulher. Para uma obra tão questionadora, esse caminho conservador destoa totalmente de todo o início.

Nota: 5/10

Previsão de estreia no Brasil: Não há.

  • Um Noir nos Balcãs (Balkan Noir | 2017, Suécia, Montenegro | Direção e roteiro: Dražen Kuljanin | Elenco: Disa Östrand, Johannes Bah Kuhnkee, Sergej Trifunovic | 74 min | Ficção)

Um Noir nos Balcãs (Balkan Noir | 2017, Suécia, Montenegro)

Outro exemplo de uma história interessante que se perde dentro da estética. Um Noir nos Balcãs começa com uma tragédia sem nome, como diz a protagonista. Perder um filho é uma dor enorme e não existe um substantivo para isso. Como o nome diz, a trama busca inspiração em filmes noir e nos de detetives hard boiled. Mas os momentos dinâmicos do começo da trama se perdem numa confusão visual onde o diretor quis se diferenciar do tradicional.

Se por um lado o Kuljanin usa elementos visuais interessantes como colocar Nina (Ostrand) e seu marido em frente à uma parede que lembra o padrão de grades, representando a prisão particular que estão, é difícil entender porque o diretor usa inserções de propagandas de cigarro entre uma passagem e outra. Isso deixa transparecer a inexperiência dele e caindo num terreno bem espinhoso e que acontece em outros filmes analisados aqui: a necessidade de transformar uma história que seria um curta em longa-metragem.

A estética que Kuljanin usa não comunica, e às vezes chega a irritar: como cortar para um frame preto a cada vez que um dos personagens tenta acender um cigarro com um isqueiro ou um palito de fósforo – a única vez que isso funciona é quando a protagonista é atingida por um taser de 10 mil volts. Fora isso, é a estética pela estética, sem se preocupar com o conteúdo.

Pode ser que as inserções das propagandas sirvam para mostrar que a caçada de Nina é uma mentira e que, assim como essas veiculações antigas fizeram com um público, ela está sendo manipulada. Mas a repetição desse elemento acaba se tornando uma muleta narrativa que é tão usada que cansa o espectador. É compreensível que o diretor queira fugir de alguns cânones, mas isso não funciona quando a obra não comunica nada.

Além disso, a história não se sustenta, seja por suas conveniências – com Nina encontrando o falso culpado só porque isso precisava acontecer – como a vingança da protagonista não condizer com aquilo que ela acreditava ser verdade. E parece que algo tão forte não seria apagado apenas com um ato de vingança.

Nota: 4/10

Previsão de estreia no Brasil: Não há.

  • O Criador de Universos (El Creador de Universos | 2017, Uruguai | Direção e roteiro: Mercedes Dominioni | 79 min | Documentário)

O Criador de Universos (El Creador de Universos | 2017, Uruguai)

Falta um pouco de contextualização em O Criador de Universo dentro da própria filmagem para entendermos melhor o jovem Juan. Precisamos ler a sinopse para descobrir que o jovem não é apenas irritante por ser um adolescente, mas por ser portador da Síndrome de Asperger, um dos muitos níveis de autismo. Sem essa informação, ficamos relegados apenas a detestar o personagem enquanto amamos sua avó.

Nesse documentário, a diretora quer mostrar como Juan se comunica com o mundo e os filmes caseiros são essa conexão. Por meio das lentes, Dominioni capta os medos e receios de Juan, como o medo de ficar adulto e a preocupação com a qualidade de vida da avó, uma senhora que já passou dos 85 anos.

Também serve para ela conhecer melhor a própria avó, uma pessoa que diz frases que parecem soltas, mas que significam muito: “qual é o ponto de viver”, ela pergunta quase ocasionalmente. Apesar disso, a direção se mostra, pode ser que até sem intenção, um retrato de memórias para uma coleção particular de família.

Os temas que a diretora quer abordar não são ampliados, não há discussão sobre a situação de Juan ou os desejos de sua avó. Por ser um documentário, deveria causar alguma reflexão ou discussão em cima desses temas. Mas o que sobra é só o dia-a-dia de um personagem que não se encaixa bem no nosso mundo, saber como comunicar isso ao mundo.

Nota: 3/10

Previsão de estreia no Brasil: Não há.

  • A Odisseia de Peter (Odyssey Petra | 2018, Rússia | Direção e roteiro: Alexey Kuzmin-Tarasov e Anna Kolchina | Elenco: Dmitriy Gabrielyan, Svetlana Nemolyaeva, Maria Shashlova | 75 min | Ficção)

A Odisseia de Peter (Odyssey Petra | 2018, Rússia)

Assim como vários jovens, o protagonista de A Odisseia de Peter é alguém cheio de imaginação. Ainda assim, Petra (Gabrielyan) quer uma coisa bem simples: voltar pra casa. E para compensar a frieza da sua nova casa, ele lembra de um tempo mais quente ao mesmo tempo que sonha com o inverno e a neve que deve estar caindo na sua cidade natal – o que mostra que o frio e saudade não são coisas necessariamente excludentes.

Na sua aventura particular, Petra tem que enfrentar desafios – a distância de casa, aprender uma nova língua – e ser um estranho numa terra estranha – nem mesmo seu nome ele pode manter -, onde ele não pode ser considerado um refugiado, mas não quer dizer que não se sinta excluído da sociedade que agora faz parte forçadamente.

As viagens e fugas de Peter fazem parte de seu amadurecimento, e como costuma ser em filmes desse tipo, a sempre lutas contra figura de autoridade, como seus pais ou o diretor da escola que estuda. Para dar um ar mais poético à sua história, os diretores brincam com sonhos, que se misturam com premonições e usa da montagem para confundir a cabeça do espectador.

Nota: 6/10

Previsão de estreia no Brasil: Não há.

  • Pedro e Inês: O Amor Não Descansa (Pedro e Inês | 2018, Portugal, Brasil, França | Direção e roteiro: António Ferreira | Elenco: Diogo Amaral, Joana de Verona, Vera Kolodzig | 120 min | Ficção)

Pedro e Inês: O Amor Não Descansa (Pedro e Inês | 2018, Portugal, Brasil, França)

Passeando entre passado, presente e futuro, Pedro e Inês: O Amor Não Descansa se espelha em tramas como Fonte da Vida (The Fountain, 2006, Darren Aronofsky) e A Viagem (Cloud Atlas, 2012, Tom Tykwer, Lana Wachowski, Lilly Wachowski). Contando histórias em tempos diferentes, a intenção de Ferreira é falar da imortalidade do amor e que nem a loucura mudaria isso. O resultado, porém, peca por não integrar essas narrativas.

Além da terceira parte que acontece no futuro distópico ser dispensável, a trama tem inúmeros monólogos de Pedro (Amaral), o que aponta que houve praticamente uma transliteração do livro de Rosa Lobato para a tela, sem perceber que precisavam de cortes. É compreensível que o diretor não queria fazer uma aproximação histórica da história de Dom Pedro e Inês (Verona), mas cada explicação que o protagonista precisa dar cansa e nos confunde.

Um dos piores elementos é que as histórias não influenciam uma na outra e mesmo que a visão no futuro de Pedro seja fruto dos medicamentos que toma na instituição psiquiátrica, a falta de aprendizado do personagem é o que não justifica a existência da narrativa futura. O que acontece é que as três narrativas são praticamente as mesmas, transformando a experiência em praticamente interminável nas suas duas horas.

Nota: 3/10

Previsão de estreia no Brasil: 14/mar/2019 (Pandora)

  • Família Submersa (Familia Sumergida | 2018, Argentina, Brasil, Alemanha | Direção e roteiro: María Alché | Elenco: Mercedes Morán, Marcelo Subiotto, Esteban Bigliardi | 91 min | Ficção)

Família Submersa (Familia Sumergida | 2018, Argentina, Brasil, Alemanha)

Quando sobem os créditos de Família Submersa sobem na tela, podemos perceber a colcha de retalhos. São várias boas ideias – o peso de ser mãe, a questão de ser mulher, romances e solidões – mas nenhuma delas é aprofundada pela diretora.

O começo é interessante, com Marcela (Morán) em luto por causa da morte da irmã, buscando paz na casa da falecida que, apesar do tom pesado da ausência, sente uma paz que não consegue em casa por causa dos problemas dos três filhos e do marido que trabalha fora por dias a fio.

O estranho é que Alché introduz na sua história um mistério que é interpretado por Marcela por meio de sonhos ou alucinações e não é possível entender bem o que ela quer dizer com isso. A verdade é que esse elemento é jogado de maneira tão gratuita na narrativa que serve apenas para transformar um filme num longa-metragem – sem ele, seria apenas um curta e isso poderia ser interessante.

Seria poesia, um caminho à loucura, uma parcela de culpa por ela começar a se sentir atraído por um homem mais jovem? Entendemos que a produção é sobre uma mulher se redescobrindo além do papel que a sociedade lhe impõe, mas é a parede que Alché ultrapassou quebrou a narrativa de maneira que deixou sua trama incompreensiva.

Nota: 2/10

Previsão de estreia no Brasil: não há

  • Infiltrado na Klan (BlacKkKlansman | 2018, EUA | Direção: Spike Lee | Roteiro: Charlie Wachtel, David Rabinowitz, Kevin Willmott, Spike Lee | Elenco: John David Washington, Adam Driver, Laura Harrier, Topher Grace, Jasper Pääkkönen, Ryan Eggold, Harry Belafonte | 135 min | Ficção)

Infiltrado na Klan (BlacKkKlansman | 2018, EUA)

É uma pena que filmes como Infiltrado na Klan existam: ou melhor que eles ainda precisem existir. A história do filme, que rendeu antes um livro, é baseada – com alguma dramaticidade para fins dramáticos – em eventos dos anos 1970, mas ainda parecerem assustadoramente atuais. E se você pergunta por que esse tema precisa ser revistado, Spike Lee responde com um filme dramático, mas satírico, azeitado com uma dose de humor para que a mensagem seja digerida de modo mais fácil, ainda que seja como aquele documentário que vai encontrar um terreno mais fértil em quem já comunga com os ideais do diretor, que tem seu melhor trabalho em anos.

Leia a crítica completa em https://umtigrenocinema.com/infiltrado-na-klan-blackkklansman-critica/

  • Trem da Vida ou a Viagem de Angélique (Train de Vies ou Les Voyages d’Angélique | 2018, França | Direção e roteiro: Paul Vecchiali | Elenco: Astrid Adverbe, Brigitte Rouane, Marianne Basler | 76 min | Ficção)

Trem da Vida ou a Viagem de Angélique (Train de Vies ou Les Voyages d'Angélique | 2018, França)

Pessoalmente, não entendo a admiração que os brasileiros têm pelo atual Vecchiali. Podemos ignorar o fato de o diretor com seus 80 anos querer falar sobre liberação feminina em seus filmes, mas não o fato de que Trem da Vida ou a Viagem de Angélique tem a mesma proposta de teatro filmado tão irritante e com pouca mobilidade, algo que o cinema aprendeu a fazer depois de muito esforça.

Apesar disso, é verdade que isso implica em tirar muito das atrizes e atores, o que transforma o filme em puro estudo de atuação. Há uma simplicidade nos cenários que, por serem estáticos, nos fazem concentrar no passar de anos de Angélique (Adverbe) e no que ela quer dizer. E em cada segmento/vagão, conhecemos um tanto mais dela. Para quebrar essa sensação de monotonia, Vecchiali mostra a visão das janelas do trem que a protagonista tanto gosta.

Entre confissões, tragédias e encantamentos, a viagem de trem de Angélique é uma metáfora da vida. Existem amores, coincidências, momentos em que somos egoístas e outros que precisamos apenas que nos ouçam. Como uma canção entoada por uma personagem, “a felicidade é só um sonho”, e o que o diretor é da opinião que devemos aproveitar esses momentos pois eles são fugazes e curtos como essa produção.

Nota: 7/10

Previsão de estreia no Brasil: não há

  • Mochila de Chumbo (Mochila de Plomo | 2017, Argentina | Direção: Darío Mascambroni | Roteiro: Darío Mascambroni, Florencia Wehbe, Pipi Papalini | Elenco: Facundo Underwood, Gerardo Pascuale, Agustín Rittano | 70 min | Ficção)

Mochila de Chumbo (Mochila de Plomo | 2017, Argentina)

O ponto de vista das crianças é a base de Mochila de Chumbo, onde o nome do filme representa tanto o peso físico da arma que Tomás (Underwood) carrega quanto a responsabilidade da missão que está para encarar, ainda incerto disso no começo da história.

Sentimentalmente isolado, com uma mãe que não tem cuidado dele e órfão por parte do pai, o jovem tem uma pequena gangue, o que reflete em casa com pequenos furtos às economias da mãe. Tudo é um grito de desespero de atenção, principalmente porque parece ao jovem que ela não é sincera sobre a verdadeira circunstância sobre a morte do pai.

Essa alienação o faz querer ser mais adulto, como uma necessidade que ele adquire com assuntos que podemos definir como de gente grande – fumar, usar uma arma – numa toada que o colocará de frente a um antagonista que não quer o mal do protagonista. É no fim das contas, um filme sobre julgamentos. Como a cena mais tensa da produção, os holofotes estão direcionados para o culpado, enquanto o juiz e possível carrasco ouve o que o acusado tem a dizer.

Nota: 6/10

Previsão de estreia no Brasil: não há

  • Assunto de Família (Manbiki Kazoku | 2018, Japão | Direção e roteiro: Hirokazu Kore-eda | Elenco: Kirin Kiki, Lily Franky, Sakura Ando, Mayu Matsuoka, Jyo Kairi | 120 min | Ficção)

Assunto de Família (Manbiki Kazoku | 2018, Japão)

É difícil escapar da aura de Era Uma Vez em Tóquio (Tōkyō Monogatari, 1953, Yasujiro Ozu) quando vemos um filme japonês de uma família em Tóquio. Se diferenciar num cenário tão parecido é a missão de Kore-eda em Assunto de Família. Focando em problemas mais atuais, aquela família grande e amontada se diferencia por não serem uma família, pelo menos no sentido mais estrito da palavra. Digo, todos eles se abrigam no mesmo teto de uma matriarca, mas não tem laços de sangue e se uniram pela necessidade mais básica: a de sobreviver.

Vemos a história do ponto de vista de Shota (Kairi) que acompanha seu pai adotivo em pequenos furtos. Entre temas como pobreza e violência doméstica, nos vemos acompanhando decisões morais – como se seria certo fazer um bem mesmo dentro de uma situação errada, como o sequestro – e nos afeiçoando por essa família que se comporta mais como uma gangue do que um núcleo familiar.

Há cenas icônicas, curtas e marcantes, que fazem o tom do filme: o trabalho do pai construndo apartamentos como um sonho que ele nunca alcançaria, a solidão que o japonês médio sofre, o trabalho de exibicionismo de uma das jovens ou a pobreza que exige o aproveitamento de tudo como a senhora que come a casca de uma mexerica. Tudo é uma questão de adaptação e como estamos acostumados a pensar no Japão como um país próspero, essa é uma visão nova para muitos de nós.

E para evitar comparações, Kore-eda, que até então tem sido apontado como um oitimista, subverte o tema da família. Enquanto assistimos, nos pegamos pensando que a cena da praia seria um ótimo final, fechando com uma mensagem esperançosa. Porém, parece que esse mundo sombrio alcançou o coração do diretor, pois só isso explica a virada que quebra nossas pernas e acaba com a nossa pretensa alegria. Sendo um filme sobre amadurecimento, Kore-eda nos lembra que crescer tem seu preço e o que nos resta é só olhar para trás com saudades dos velhos tempos.

O filme venceu a Palma de Ouro no Festival de Cannes e é o indicado pelo Japão para a uma vaga no Oscar de melhor filme estrangeiro.

Nota: 8/10

Previsão de estreia no Brasil: jan/2019 (Imovision)

  • Verão (Leto | 2018, Rússia | Direção: Kirill Serebrennikov | Elenco: Teo Yoo, Irina Starshenbaum, Roman Bilyk | Roteiro: Mikhail Idov, Lili Idova, Ivan Kapitonov, Natalya Naumenko, Kirill Serebrennikov | 120 min | Cinebiografia)

Verão (Leto | 2018, Rússia)

Assim como eu, você provavelmente não conhece o cenário do rock n roll da Extinta união Soviética. O que o diretor Kirill Serebrennikov mostra em seu Verão é que aquele foi um cenário ativo, que tinha que improvisar para existir, da mesma maneira que Mayk Naumenko (Bilyk) e Viktor Tsoy (Yoo) faziam como as artes piratas que produzem para complementar a renda. É também um retrato pessoal, do ponto de vista de Natasha (Starshenbaum) sobre esses dois homens por quem ela se apaixonou.

Filmado em PB (a não ser algumas interações que são quase devaneios), o que dá um ar documental ao filme, essa uma história do rock n roll fora do eixo do ocidente, onde o diretor aposta em planos longos para criar conexões e aproveita a larga razão de aspecto da tela para mostrar como as possibilidades ali, mesmo num cenário de repressão – onde a plateia não poderia se manifestar além das palmas.

Outro destaque é as interações no filme que transformam as músicas conhecidas por nós – Bowie, T-Rex, Talking Heads – em clipes bootlegs, gravações piratas que nunca chegaria a nós se não fosse a paixão de fãs para os fãs. Apesar disso, o diretor não sabe bem quando acabar seu filme, o que o deixa com vários “finais” e cada interação do poeta cínico que se segue depois de explicar que aquela parte do sonho não aconteceu, cansa a partir da segunda vez.

Em geral, é um filme sobre liberdade – era um mundo ainda coberto pela cortina de ferro –, achar seu lugar, sem precisar se preocupar com rótulos e apenas fazer música porque existe a necessidade que nossas vidas sejam embaladas por canções, sejam elas de revolta ou de amor. Mas sem esquecer do respeito, principalmente quando notamos que Natasha não é julgada por seus desejos.

Nota: 8/10

Previsão de estreia no Brasil: jan/2019 (Imovision)

  • Sofia (Sofia | 2018, França, Catar | Roteiro e direção: Meryem Benm’Barek)

Sofia (Sofia | 2018, França, Catar)

Sobre o peso de ser mulher num país onde você é julgada a todo momento. Também falar sobre mentiras e o que precisa ser feito em nome de uma dita honra. Presas às leis que tentam domá-las só por serem mulheres, a vida da protagonista vira de cabeça para baixo pela chegada inesperada do seu filho. Diferente de filmes de casamento onde tudo acaba bem e que o amor supera tudo, Sofia joga uma luz na tradição de lugares que estão distantes de nós, e nos perguntamos se as coisas estão realmente mudando.

Nota: 6/10

Previsão de estreia no Brasil: não há

[críticas, comentários e voadoras no baço]
• email: [email protected]
• twitter: @tigrenocinema
• fan page facebook: http://www.facebook.com/umtigrenocinema
• grupo no facebook: https://www.facebook.com/groups/umtigrenocinema/
• Google Plus: https://www.google.com/+Umtigrenocinemacom
• Instagram: http://instagram/umtigrenocinema
Assine a nossa newsletter!

Apoie o nosso trabalho!

http://www.patreon.com/tigrenocinema

OU

Agora, você não precisa mais de cartão internacional!

Volte para a HOME

Share this Post

About TIAGO

TIAGO LIRA | Criador do site, UX Designer por profissão, cinéfilo por paixão. Seus filmes preferidos são "2001: Uma Odisseia no Espaço", "Era uma Vez no Oeste", "Blade Runner", "O Império Contra-Ataca" e "Solaris".