Ghostbusters: Mais Além (Ghostbusters: Afterlife, 2021) • Crítica

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Nota 7 (de 10)

Você pode não ter medo de fantasmas, mas pode ficar com um pé atrás com a quantidade de referências em Ghostbusters: Mais Além. Bem da verdade, esperar menos que isso seria um tanto ingênuo, apesar de que, felizmente, o filme consegue entregar momentos doces e criativos. Até descambar para a caça-referências. Ao invés de ter o filme original como inspiração criativa, a continuação se preocupa demasiadamente em não perder a ligação com sua fonte para não perder os fãs – como muito acusou-se o remake de 2016 – ao tomar atitude pouco ousadas e até mesmo decisões controversas. Como a de não deixar os mortos, mortos.


Depois de uma introdução que tenta esconder sem muito sucesso quem está levando o legado do quarteto original, Reitman olha para os EUA e o que ela é de verdade: não uma cintilante Nova York em tempos de Natal, mas sim um país que está menos para a Terra da Liberdade e mais para a Terra das Hipotecas e do Lucro para poucos. Abandonada por motivos não-explicados, além da babaquice padrão dos homens, Callie (Coon) tem que se virar como pode para simplesmente ter onde morar, nem que seja enfrentando os seus próprios fantasmas depois da morte do pai e cuidar de Phoebe (Grace) e Trevor (Wolfhard).

Longe de comerciais de margarina e do american way of life, a cidade de Summerville é a continuação direta do cenário dos anos 1980 de maneira poética. Essa cidadezinha parece ter parado no tempo, com uma hamburgueria onde os clientes são servidos por pessoas em patins e que o professor Gary (Rudd) passa filmes de terror daquela década em aparelhos VHS. Simbolicamente falando, é a parte que melhor funciona no filme, como se o mal que está escondido nas minas congelasse toda aquela região no passado. Toda essa estranheza faz com que Callie se refugie na sua amada ciência e Trevor em garotas.

Então, enquanto a parte jovem e mais importante do elenco é levada pela curiosidade – por exemplo, Callie não se assustando com a presença fantasmagórica do avó por acreditar que aquilo é um evento científico – é no grupo dos adultos que a trama fica mais rasa. É difícil de acreditar que Gary, também um cientista, seja tão inconsequente ao abrir uma das armadilhas dos Caça-Fantasmas originais sabendo da história deles dos anos 1980, mais improvável ainda que ninguém da geração atual saiba da história do quarteto. Parece improvável também que o avô de Phoebe, genial como sabemos que é, não tenha testado seu grande plano, o que poderia ser corrigido com colocações mínimas.

Por exemplo, a fazenda onde Egon (interpretado nos dois filmes originais por Harold Ramis e falecido em 2014) morou por tantos anos é cercada por passagens da Bíblia, e o personagem fez questão de se afastar dos populares de Summerville com uma fachada de excentricidade. Isso faz sentido de acordo com todo o seu plano, inclusive de afastar-se do convívio dos colegas de trabalho e de Callie: seu trabalho era perigoso demais e essas atitudes foram necessárias. O mesmo não acontece com a solução engenhosa do cientista para a segunda vinda de Goozer (Wilde). Pode ser que ele não tenha tido tempo de testar o ambiente, mesmo estando ali há tanto tempo, mas não há elementos que corroboram essa visão.

Voltando ao que faz bem ao filme, é importante destacar quando o uso da nostalgia funciona. Diferente dos jovens do filme, é um tanto difícil algum de nós não ter sido impactado com os Caça-Fantasmas originais, portanto, é difícil fazer que a lembrança funcione como algo além de um gatilho emocional. Felizmente, Reitman consegue isso depois de uns 50 minutos de projeção, quando Phoebe liga a mochila de prótons e sobe aquele som característicos. Aí, Podcast (Kim) e ela se espantam/surpreendem e, graças à qualidade de atuação de ambos, é como se nós na plateia também ouvíssemos pela primeira vez.

Isso já não funciona tão bem no núcleo adulto, incluindo aí o próprio diretor. Porque ao evocar todos os elementos do primeiro filme, todas a trama se torna óbvia demais, ainda que o confronto entre Phoebe e Goozer seja diferente. E nessa sana de ter a produção de 1984 como âncora e não como guia, o roteiro fica corrido demais na esperança que não notemos suas incongruências, todas relacionadas ao plano de Egon. É verdade que é emocionante rever Peter (Murray), Ray (Aykroyd) e Winston (Hudson) de novo nos trajes clássicos, mas não é isso que faz o filme, com o perdão do trocadilho, ir mais além.

E aqui é preciso abrir um parêntese que cai mais para o campo ético e filosófico. Harold Ramis infelizmente faleceu em 2014 e em Mais Além, seu personagem é ressuscitado digitalmente nos mesmos moldes de Grand Moff Tarkin (Peter Cushing) em Rogue One: Uma História Star Wars. Podemos dizer que é emocionante, mas é extremamente problemático trazer alguém assim, sem a sua vontade. Afinal, de quem são os direitos de um morto, ainda que ele tenha dado consentimento para ser usado, ou mesmo sua família. Vejam bem, não é outro ator interpretando Egon, é alguém capturado usando todas as feições do falecido ator. Parece um meme, mas o capitalismo mostra mesmo que nem mortos podemos descansar. Essa discussão é bem colocada em outro filme, O Congresso Futurista (The Congress, 2013, Dir Ari Folman), disponível no Prime Video.

Logan Kim (Podcast) e Mckenna Grace (Phoebe) em Ghostbusters: Mais Além ® Sony Pictures.
Logan Kim (Podcast) e Mckenna Grace (Phoebe) em Ghostbusters: Mais Além ® Sony Pictures.

É difícil ignorar os furos de Ghostbusters: Mais Além e as incongruências do filme, como a de termos um enorme Walmart funcionando numa cidadezinha que metaforicamente está parada no tempo, tudo em nome da propaganda. Ao mesmo tempo, não podemos ignorar que os bons momentos trazem alegria ao coração de quem cresceu acompanhando filmes e os desenhos animados. E com uma conclusão abre espaço tanto para uma nova geração como para uma revisão dos clássicos, não é impossível que os Caça-Fantasmas se tornem uma franquia como Velozes e Furiosos ou Transformers. A ver se as próximas histórias não caíram na armadilha da nostalgia pura e ir, de verdade, mais além.


FIcha Técnica

Direção: Jason Reitman • Roteiro: Gil Kenan, Jason Reitman• Elenco: Carrie Coon, Finn Wolfhard, Mckenna Grace, Paul Rudd, Logan Kim, Bill Murray, Dan Aykroyd, Ernie Hudson, Sigourney Weaver, J. K. Simmons Montagem: Dana E. Glauberman, Nathan Orloff; Fotografia: Eric Steelberg; Trilha Sonora: Rob Simonsen

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About TIAGO

TIAGO LIRA | Criador do site, UX Designer por profissão, cinéfilo por paixão. Seus filmes preferidos são "2001: Uma Odisseia no Espaço", "Era uma Vez no Oeste", "Blade Runner", "O Império Contra-Ataca" e "Solaris".