Um Pequeno Favor | Crítica | A Simple Favor, 2018
Podemos encontrar ecos de outras produções em Um Pequeno Favor. Ainda assim, a mistura de filme de investigação e comédia acha um espaço entre os clássicos.
Encontramos no mundo de Um Pequeno Favor muitas semelhanças com aquele que nos rodeia. Apesar de acreditar que a direção deveria ter caído nas mãos de uma mulher, Feig consegue criar uma trama que é tensa em diversos momentos e com o ar de comédia já característico do diretor. Claro que ter Sharzer no roteiro mantem a perspectiva criada por Bell na obra original, um texto que fala sobre como mulheres são julgadas por não terem um trabalho de verdade, como se ser mãe não fosse trabalhoso, e por terem que se parecer com homens para conseguir mais destaque no mundo corporativo. Nesse filme investigativo com vários elementos próprios do gênero, abre-se espaço também para a questão da sororidade e do perigo que ela pode ser quando é apenas uma palavra.
Assim como no recém-lançado Buscando… (Searching, 2018, Aneesh Chaganty), o filme de Feig usa a internet como parte da linguagem, apesar de maneira menos eficaz. Mas a história de Bell não ignora o poder das redes sociais e usa essa base para apresentar Stephanie (Kendrick) como alguém antenada ao mundo de hoje e uma fantástica mãe para Miles (Satine). E ao se dirigir à sua audiência, ela se dirige também a nós da plateia para falar do desaparecimento de sua nova melhor amiga, Emily (Lively). Naquela introdução, um relacionamento é formado e estamos no mesmo patamar da protagonista, pois não sabemos de nada. Tanto da vida de Emily quanto do seu desaparecimento.
Basicamente, sabemos o que Stephanie sabe, e como a presença da sofisticada Relações Públicas muda a vida da vlogueira: a diferença entre os estilos de vida, a cor e o modelo de carro delas, até o slow motion usado na primeira vez que vemos Emily são pedaços de informação para entendermos como esta afeta a vida da outra. Enquanto Stephanie precisa se soltar, Emily é mais esperta, sabe inclusive como manipular a amiga. Feige e Sharzer, porém, não ficam nos estereótipos nessas duas personagens. Stephanie pode parecer uma santa, uma alcunha que vários lhe dão, mas ela também tem seu lado sombrio. E Emily é apresentada como uma mulher que precisa se impor no mundo que está para não ser apenas o fantasma de Sean (Golding) que escreveu um grande sucesso na vida e nada mais.
Essa é uma característica decretada em especial pelo figurino de Stephanie, algo que podemos classificar como mais masculino, mesmo que nos perguntemos o que isso quer dizer exatamente. Ela está constantemente usando ternos, bengalas, roupas que escondem uma dita feminilidade ou o visual de esposa comercial de margarina – com exceção de um momento-chave da trama – para se impor num mundo dominado por homens. Claro que é um contraste ao figurino de Stephanie, cheia de vestidos mais soltos, práticos e menos elegantes, para reforçar a diferença de mundos citada mais acima – como também são os cenários que cada uma delas vive.
Pode parecer, a princípio, que a investigação de Stephanie para encontrar a amiga um exagero. Mas, assim como Nancy Drew, Veronica Mars ou Miss Marple – além do princípio que todos têm algo de secreto em si – há uma alma inquisidora na personagem desde o começo. Ela faz várias perguntas, gosta de tirar fotos, é uma leitora ávida e gosta de aprender coisas novas para apresentar no seu vlog para outras mães. Então, Feig consegue criar uma característica sem que pareça forçado na narrativa, o que poderia desmanchar a trama ao deixa-la menos crível. Ao mesmo tempo, Stephanie é uma personagem muito humana, pois são delas algumas das piores decisões do filme.
Podemos pensar em outras obras recentes como Garota Exemplar (Gone Girl, 2014, David Fincher) no desenvolvimento dessa história, mas isso acontece porque há algo básico nos filmes de investigação, se o desenvolvimento da trama permitir isso. São regras de ouro como deixar uma pessoa mentirosa continuar falando para que ela se contradiga, não acreditar em tudo o que se ouve ou no que os olhos veem e se perguntar na perfeição que certas coisas se encaixam. E a melhor característica que a história dá a Emily é que ela nunca perde a humanidade. Mesmo no caminho certa, ela se ofusca como qualquer um de nós faríamos, seja por um rostinho bonito, um “eu te amo” ou a possibilidade de melhorar de vida.
Tudo isso, porém, serve para o amadurecimento de Stephanie. Com o desaparecimento de Emily e com tudo indicando que não vai voltar, ela ainda é uma presença, deixando traços de sua existência numa agora mais esperta Emily que consegue mentir para escapar de algumas perseguições da força policial e do chefe da amiga. A presença da desaparecida é tão grande e tão prepotente quanto o gigantesco nu pintado que a personagem deixa na própria sala, uma característica própria de quem acredita ser mais esperta que todo mundo – o que, em geral, costuma ser a ruína deles mesmos, pois esse tipo de pessoa não consegue se segurar e dizer ao mundo como elas são incríveis.
Nisso, pensamos se a relação dos duas não seria tóxica. Em determinada parte do filme, um personagem comenta que Stephanie não sabe que estava trabalhando de graça ao cuidar do filho de Emily como um pequeno favor. E um pequeno favor um em cima do outro, sem um retorno prático, podem não ser horríveis como Sean dizer que Stephanie está ficando paranoica, mas é ruim também. É aqui que Sharzer, apoiada no original de Bell, mostra que o conceito de sororidade é necessário e incrível, mas como quando é manipulável, se torna apenas uma palavra no dicionário, pois não é só uma vez que Emily tenta usar dela para se beneficiar.
Apesar de algumas conveniências que facilitam a vida de Stephanie, como ela saber a senha do computador de Sean, Um Pequeno Favor tem seus méritos por criar uma atmosfera de investigação digna dos melhores exemplos que podemos citar e por quebrar o clima de seriedade com piadas colocadas de forma natural na narrativa. Além de subverter ligeiramente com essa abordagem a trama de suspense/policial, a história faz o mesmo com papel de mãe que estamos tão acostumados. Essas subversões, aliadas à atuação da dupla principal, nos deixa intrigados e curiosos até o fim da projeção, ainda que a solução seja apresentada lá de longe.
Elenco
Anna Kendrick
Blake Lively
Andrew Rannells
Henry Golding
Jean Smart
Linda Cardellini
Rupert Friend
Direção
Paul Feig (Caça-Fantasmas)
Roteiro
Jessica Sharzer
Baseado em
Um Pequeno Favor (Darcey Bell)
Fotografia
John Schwartzman
Trilha Sonora
Theodore Shapiro
Montagem
Brent White
País
Estados Unidos
Distribuição
Lionsgate
Duração
117 minutos
Stephanie tem uma nova melhor amiga: Emily. As duas começam a se encontrar para falar da vida pacata, dos filhos e, principalmente, para beber. Quando Emily desaparece sem motivo aparente, Stephanie faz de tudo ao seu alcance para encontrar a amiga – e conhecê-la de verdade.
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