Papillon | Crítica | Papillon, 2018
Revisitar Papillon é uma tarefa ingrata que se salva pela atuação da dupla principal e pelos quesitos técnicos – mas a existência dessa nova versão já nasceu questionando sua relevância.
A pergunta mais importante ao revisitar Papillon é se Michael Noer poderia fazer algo relevante depois do clássico de 1971. A resposta é: depende. O peso da conhecida história de fuga baseado na obra de Henri Charrière e dirigida por Franklin J. Schaffner é tão gigantesca que é muito difícil conseguir se desvencilhar dela. Se, por algum motivo, essa é a primeira visita do espectador à Ilha do Diabo, ele provavelmente sairá da sala de projeção satisfeito – principalmente pela atuação de Malek e Hunnam. Porém, para quem está voltando, será difícil conseguir se soltar dos grilhões que a primeira experiência apresentou, pondo em xeque a relevância desta obra.
Uma coisa pode ser dita dessa nova experiência de Noer: ele se esforçou em atualizar a obra, mas não ao ponto de fazer um apelo a quem não está acostumado com um ritmo mais lento. Enquanto o filme de 1971 tem mais de 150 minutos, o de 2018 tem 130 aproximadamente. Ainda é longo, mas o diretor não cedeu à tentação de fazer um filme de ação como o trailer passa a impressão. Ao usar a montagem com mais cortes no primeiro ato do filme na vida prévia de Henri “Papillon” Charrière (Hunnam) em Paris em oposição os mais longos na prisão, ou closes abertos para os fechados, o diretor consegue contar sua história tanto no campo das palavras quanto das imagens.
É curioso que os poucos cortes aparecem também quando Papillon está com sua namorada, mas ali serve para que o diretor mostre a atenção que o protagonista tem com ela – é como se o tempo na prisão se estendesse na tela. Já na prisão, isso serve para esticar a sensação do tempo que passa devagar. E para não ser repetitivo nessa maneira de contar a história, Noer deixa de lado isso na parte em que Papillon é enviado para a solitária. Ele prefere tirar a trilha sonora da história, reforçando o isolamento do personagem enquanto sozinho. O que não impede que uma trilha apareça nos momentos que há um relance de esperança.
Como personagem-título, esse é o ponto de vista do personagem. Por isso só conhecemos a prisão com ele e seu companheiro nessa jornada somente quando ele é apresentado para o ladrão de cofres. Louis Dega (Malek) é, de certa maneira, como nós somos. Ainda num certo conforto que será libertado pela esposa, se agarra na esperança que tudo vai dar certo. A maior vantagem da história é que ela cria empatia, mesmo sabendo que os personagens não são santos, apenas que não precisavam passar pelo que passaram. E essa força vem tanto do livro de Charrière quanto do roteiro original de Trumbo, e por isso é difícil apreciar tanto a nova viagem: sabemos que tudo isso já foi usado.
Pois a crítica ao sistema prisional, um sistema de corrupção que se auto-alimenta e a questão de como seres humanos podem tratar alguém de maneira tão inumana já estavam na produção dos anos 1970. Quarenta anos passados fazem um bom vão, mas a verdade é que sobra bem pouco para poder avaliar essa obra por si só. Se encararmos como homenagem, o que Noer fez é ser respeitoso. Se a tentativa foi ignorar a primeira versão, isso só funciona com quem nunca teve contato com a versão de Trumbo e Schaffner. E se a versão de 2018 for uma porta de entrada para a outra, a nova versão perde o brilho.
A verdade é que fica passando um filme na nossa cabeça enquanto assistimos a esse. Já comentei muitas vezes que um dos grandes males de Hollywood e a necessidade de remakes, adaptações e continuações num sistema autofágico que faz mais mal que bem. O que salva a produção de 2018 é, sem dúvida, as atuações da dupla principal. Seja no olhar, na projeção das falas e com o auxílio do efeito da câmera na mão do diretor para aproximar mais a história do espectador, nos acreditamos que aquelas pessoas são seres humanos e que estão aos poucos se adaptando a uma realidade monstruosa. E isso não é defender bandido, como o lugar-comum tem dito hoje. É apenas uma questão de empatia.
É justo dizer também que a nova versão desse clássico é correta quando falamos dos quesitos técnicos. As nuances da fotografia entre cenários não acompanham apenas os lugares que os personagens estão, mas também seu estado de espírito. Entre tantos filmes que fazem remakes de obras pop – ou reboots após fracassos – apostar numa obra que tem décadas de lançamento é como apresentar uma série de livros do chamado universo “jovem adulto” para quem está começando a ler: esse filme é uma porta de entrada para outras aventuras, sem esquecer daquela que a original.
Em tempos polarizados, revistar a história de Papillon é dar uma chance a nos entender como humanos, como um sistema desumano desumaniza ainda mais pregando a vingança, e como mentiras podem ser propagadas por meio de palavras como perdão e justiça são só palavras quando não praticadas. Entre personagens com tons de cinza, nenhum bom ou mal ao extremo, a história de vida de um dos prisioneiros franceses mais conhecidos da História não quer convencer ninguém da sua inocência, nem mesmo pedir o seu perdão. Mas pede que olhemos para nós mesmos e sermos nossos próprios juízes. Mas é impossível ignorar a grande sombra que ofusca essa nova visita.
Elenco
Charlie Hunnam
Rami Malek
Eve Hewson
Yorick van Wageningen
Direção
Michael Noer
Roteiro
Aaron Guzikowski
Baseado em
Papillon e Banco (Henri Charrière)
Fotografia
Hagen Bogdanski
Trilha Sonora
David Buckley
Montagem
John Axelrad
Lee Haugen
País
Malta
Montenegro
Servia
Estados Unidos
Distribuição
Bleecker Street
Duração
133 minutos
Acusado injustamente de assassinato, Henri ”Papillon” Charrière é condenado à prisão perpétua na Ilha do Diabo, na Guiana Francesa. Lá ele conhece Louis Dega e o convence a financiar sua fuga em troca de proteção da vida do falsificador.
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