O Caso Richard Jewell | Crítica | Richard Jewell, 2019
Apesar de ser uma história interessante e com bons momentos técnicos, O Caso Richard Jewell peca por causa da abordagem sexista do diretor.
Clint Eastwood já é diretor há bastante tempo, praticamente por dois terços de sua carreira – e há pouco mais de dez anos, ele resolveu filmar histórias de verdade entre temas variados: II Guerra Mundial, esportes, personagens políticos, musicistas, atiradores de elite, pilotos, marines e mulas. Agora é a vez de O Caso Richard Jewell, um evento com mais de vinte anos nas costas e que deve ter caído no esquecimento de muita gente. O diretor de novo elege um herói, digamos assim, para ser seu biografado, um personagem que foi malhado pela mídia e pela política. Numa época em que somos embalados por notícias falsas a um toque de dedos, mas com desenvolvimento preocupante.
Conhecemos Richard Jewell (Hauser) sem pompa e circunstância. Ele é apenas uma pessoa querendo fazer seu trabalho, como irá afirmar durante todo o filme – e se você não conhecer a história previamente, é um tanto melhor. Isso porque Richard é dúbio, e ficamos pensando se ele era um cara bom desde começo ou se ele poderia ter algo podre por dentro. Sabendo que o poder muda as pessoas, Watson Bryant (Rockwell) pede, por um “toma lá da cá”, que Richard não vá para o lado sombrio da Força. Naquele momento, o estranho e observador Richard continua numa toada que o leva à caminhos questionáveis.
Por exemplo, apesar de até aqui o protagonista não poder ser chamado exatamente de autoritário, ele sofre do que chamamos de síndrome de pequeno poder. Quando o atentado das Olímpiadas de Verão em 1996 acontece, alguns poderes marcam o personagem como principal e único suspeito: tanto FBI quanto a mídia, aqui representados pelo agente Shaw (Hamm) e a repórter Kathy Scruggs (Wilde), ignoram fatos e apenas seguem sensacionalismos infundados para perseguir Richard. Assim como o próprio governo dos Estados Unidos quando vemos, por alguns segundos, a figura do então Presidente Bill Clinton na televisão. Para Eastwood, aquele governo era o culpado também – agora é saber se ele se sente assim sobre o atual.
Voltando para o quesito direção, é importante destacar como Eastwood prefere muitas vezes o silêncio musical para seu filme. Notem que é muito difícil ouvirmos músicas que não sejam diegéticas, aquelas que fazem parte do cenário ou do ambiente. E é exatamente quando elas aparecem, reforçado por sua ausência anterior, que o diretor erra. Ao não incluir uma trilha sonora na maior parte do filme, o diretor emprega uma aura documental à sua produção, mas, quando a música aparece, a emoção se torna forçada. O momento em que isso é mais perceptível é quando Richard perde a cabeça e Bobi (Bathes), sua mãe, se isola no quarto.
Ali sabemos o que ela está passando, que sofre pela passividade do filho e seu respeito quase submisso às autoridades que o acusam, e que ela poderia perder Richard, já que esse crime no estado da Georgia é passível de pena de morte. Então, não havia necessidade de um pedaço musical para reforçar o que a mãe está passando. Se a trilha de Arturo Sandoval fosse mais presente, faria sentido. Em oposição, vejam como Yves Bélanger trabalha a fotografia na cena em que Scrugss convence Shaw a dizer quem é o suspeito dos atentados.
A repórter está no espectro azul da luz de um bar, enquanto o agente é banhado por vermelho. Enquanto o idiota do FBI se deixa seduzir, o que reforça a ideia de Eastwood que todos no caso são uns completos cretinos, ele sai da cor que estava para cair na de Scruggs, indo para a armadilha dela. Isso é apenas um exemplo de como elementos sutis já contam uma história. Nem todo o diretor tem esse olho, e não teria nada de errado se Eastwood usasse mais música para contar os percalços de Richard Jewell, mas são momentos assim que entram em conflito e deixam uma sensação estranha no espectador.
O problema do filme, no entanto, não cai em escolhas técnicas ou estéticas, e sim na representação de Kathy Scruggs. A repórter representa a parte podre da imprensa, aquela que apenas se importa em aparecer na primeira página, algo explorado marcantemente em O Abutre (Nightcrawler, 2014, Dan Gilroy). A questão é como isso é feito e não se é verdade, pois a personagem é retratada como alguém que faria de tudo, até mesmo vender o corpo, por um furo. Além disso ter sido refutado, só podemos chamar de sexista quando toda a carga de Watson se volta contra ela e nada para Shaw, o agente que traiu seu status entregando de bandeja o nome de Richard e não é alvo do mesmo escrutínio.
Pior, o arco da personagem não é concluído. Enquanto Shaw tem que engolir as palavras, ainda que seja confrontado por um Richard mais consciente de sua existência como pessoa, Scruggs simplesmente desaparece da narrativa, emocionada pelo discurso de Bobi, mas sem sabermos como e se ela tem um arco de redenção, relegando uma personagem que pode ter aprendido ou não com seus erros à sombra, deixando apenas para ser odiada por uma plateia que pode ser manipulada se não tiver um pouco de senso crítico. É importante lembrar que mais do que apresentar um fato, o cinema conta uma narrativa, uma visão de mundo – e nessa parte que Eastwood falha e mostra sua faceta chauvinista.
Afinal, Watson têm na sua parede um pôster com a legenda “tema mais o governo”, mas um tipo de governo em especial, a crítica à mídia, mas não toda ela e sim a uma parte – nenhum dos colegas homens de Scruggs, nem mesmo o coautor da matéria recebem as mesmas pedradas – o que transforma O Caso Richard Jewell numa produção menor que poderia ser. Essa falta de equilíbrio entre personagens, como se houvesse apenas um grande culpado por trás de tudo, é algo um tanto pedestre para um tema que sabemos ser bem mais complexo, onde existem superiores e que, pelo menos nessa produção, eles são esquecidos. Convenientemente, aliás. Aprovar uma produção assim seria ser conivente com uma visão que já deveria ter sido esquecida.
Elenco
Paul Walter Hauser
Sam Rockwell
Kathy Bates
Jon Hamm
Olivia Wilde
Direção
Clint Eastwood (A Mula)
Roteiro
Billy Ray
Baseado em
“American Nightmare: The Ballad of Richard Jewell” (Marie Brenner) e “The Suspect: An Olympic Bombing, the FBI, the Media, and Richard Jewell, the Man Caught in the Middle” (Kent Alexander, Kevin Salwen)
Fotografia
Yves Bélanger
Trilha Sonora
Arturo Sandoval
Montagem
Joel Cox
País
Estados Unidos
Distribuição
Warner Bros. Pictures
Duração
129 minutos
Data de estreia
2/jan/2020
A vida de Richard Jewell mudou quando ele foi considerado um herói ao descobrir um artefato explosivo durante seu trabalho como segurança nos jogos olímpicos da Georgia. E mudou novamente quando ele se tornou o principal alvo da investigação.
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