Sniper Americano | Crítica | American Sniper, 2014, EUA

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Em Sniper Americano, Clint Eastwood traz a discussão de um homem perturbado pela guerra.

American Sniper, 2014

Com Bradley Cooper, Sienna Miller, Sammy Sheik e Mido Hamada. Roteirizado por Jason Hall, baseado no livro de Chris Kyle, Scott McEwen e Jim DeFelice. Dirigido por Clint Eastwood (Jersey Boys).

7,5 - "tem um Tigre no cinema"Ao invés de engrandecer a instituição das forças armadas dos Estados Unidos, Clint Eastwood prefere pagar tributo a um personagem em especial. E Sniper Americano é uma biografia direcionada para qualquer um que esteja disposto a ouvir o seu relato. É uma história sobre a guerra, família e do preço que se paga pelas escolhas pessoais. O diretor não tenta justificar as ações de seu protagonista, ainda que seja fácil se perder nesse caminho. Ele apenas as apresenta, abrindo um leque de questões para que, no fim das contas, o julgamento seja do espectador.

Sinopse oficial

“Membro das Forças de Operações Especiais da Marinha dos Estados Unidos, Chris Kyle (Bradley Cooper) é enviado para o Iraque com uma única missão: proteger seus irmãos de armas. Sua precisão salva inúmeras vidas no campo de batalha e as histórias de suas corajosas façanhas se espalham até que ele receba o apelido de “Lenda”. No entanto, sua reputação também está crescendo por trás das linhas inimigas, colocando sua cabeça a prêmio e tornando-o alvo principal de insurgentes. Ele também está enfrentando um tipo de batalha diferente à frente de seu lar: se esforçando para ser um bom marido e bom pai mesmo estando do outro lado do mundo.”


Eastwood dá um justo enfoque na criação de Chris, pois ela é importante. Quando jovem, ele aprendeu a se defender e aos outros em necessidade, ainda que fosse na base da coação do pai que vivia pela alegoria das ovelhas, lobos e cães-pastores. Concorde ou não com essa visão, Chris cresceu para ser uma boa pessoa. E ainda que o diretor puxe muito para esse lado perfeito de Chris – ele não erra um tiro fora do treinamento – há pelo menos uma cena que o torna um homem com falhas, que é quando ele quebra o nariz do homem que estava dormindo com a sua então namorada.

Porém, Chris se esconde. Constantemente na narrativa, o protagonista cobre seus os olhos com os óculos escuros, como uma máscara para que não tenhamos acesso à janela para a sua alma. E representado pelo uniforme, pelo rifle e pela Bíblia que carrega quando está em missão, ele também se esconde no patriotismo, o que não é a mesma coisa de justifica-lo. Mesmo que Chris acredite nessa história em que ele foi quase condicionado a seguir – principalmente pelo pai e pelo peso de ser texano -, o personagem acredita que faz o que faz para um bem maior. Pelo país, pelos companheiros, pela esposa Taya (Miller) e pelos filhos.

Podemos discutir também se Chris é uma boa pessoa que foi corrompida pela situação em que estava inserida. Eastwood demonstrou que havia nele sinais de violência desde criança, passando pelo começo da vida adulta. Porém, para muitos, ele foi um herói. E isso é algo que incomodava o personagem, pelo menos na visão que o diretor nos deu. É emblemática a cena quando Chris está esperando com um dos filhos numa oficina e aparece outro soldado que serviu no Iraque, e esse lhe agradece por ter lhe salvado a vida. O irmão de armas o chama de herói e o protagonista fica claramente incomodado com isso, desconversando o título. O diretor, mais uma vez, nos mostra o ser humano que ele é, em oposição à máquina de matar que também faz parte de sua personalidade.

Outra pergunta que podemos fazer é se há uma glorificação da guerra. O painel político do conflito é deixado de lado na narrativa, mas existem pequenos pedaços na história para tentarmos uma resposta. Em primeiro lugar, Chris não é retratado como um atirador de elite limpo. Ele mata uma criança. E depois, sua mãe. É importante o fato de que ambas carregavam uma granada que poderia matar seus companheiros, mas tanto Chris quanto mãe e filho passaram por uma propagando que os deixou em cantos opostos. Ainda assim, o protagonista mata uma criança e sofre com isso. Seria esse ato menos cruel do que quando o chamado Açougueiro (Hamada) fura a cabeça de outra criança com uma furadeira elétrica? Graficamente é mais chocante, mas ambas são uma crítica aos tempos de guerra.

O mesmo acontece com o próprio Chris e seus companheiros. Ele perde amigos, perde o crescimento dos seus filhos, e quase perde a si mesmo. Vários sons começam a leva-lo ao Iraque e nos seus traumas – um estresse pós-traumático não admitido – Chris chega a levantar a mão contra o cachorro da família que estava brincando com um dos seus filhos. O que é forte na cena não é só o fato dele perder as estribeiras com um animal dócil, mas o fato dele levantar a mão com um cinto contra um tipo de cão pastor. Como estamos mais acostumados a lembrar de pastores alemães ou belgas como representantes do tipo, esse detalhe pode passar batido. Portanto, não é possível justificar a guerra quando por causa dela um homem trai seus princípios, bem representados nessa cena.

O drama, como costuma ser nos filmes de guerra, é pior no lado de quem fica. Taya engravida entre cada uma das incursões de Chris, o que lhe dá um poço de angústia próprio. Duas cenas são de uma tensão imensa, principalmente para quem não conhece o destino do personagem. Esses momentos envolvem ligações, e Taya fica apenas ouvindo os tiros que passam pela cabeça do marido. São cenas terrivelmente longas, tanto no sentido figurado quando no real, e que Eastwood nos prende com habilidade. É interessante notar que, nesse sentido, a audiência está representada em Taya, onde sentimos sua angústia, mas não podemos fazer nada além de esperar que dê tudo certo. Podemos não concordar com a posição dos EUA na guerra, mas é difícil não criar empatia por Chris nesses momentos.

Um bom adjetivo para dar ao filme é cru. A tensão é aumentada pelos elementos técnicos como fotografia e montagem e, principalmente, pela quase nulidade da trilha sonora. Com exceção dos encontros com Taya – que trazem a única música do filme – os sons que vem por meio diegese – barulhos de respiração, explosões, batidas do coração e da hélice do helicóptero – tomam corpo de algo como trilha sonora, ainda que não o seja. O que valeu, com louvores, as indicações aos dois prêmios de som na Academia. Tecnicamente, não é um filme isento de problemas. Já se falou tanto do bebê de plástico que seria redundante falar, e faltou mais cuidado na pós-produção quando vemos o sangue em CGI, principalmente nas cenas em que Chris vê seus alvos mortos pela lente do rifle.

Sniper Americano | Pôster brasileiro

Da mesma maneira que vemos pouco do que acontece na tempestade de areia no fim do filme, a guerra é encoberta de detalhes sujos que não saberemos tão cedo. Sniper Americano joga um pouco de luz no assunto, mesmo que isso já tenha sido feito antes e de um jeito melhor (exemplos são Guerra ao Terror e A Hora Mais Escura). Assim como os outros, vale sobre várias discussões. Chris era um herói? Aos olhos de muito, sim – como mostra as cenas documentais dos créditos – ainda que ele dispensasse o título, sendo então uma questão de ponto de vista. Entre ótimas atuações de Cooper e uma boa direção de Eastwood – com exceção do plano final, forçando demais a percepção no rosto de Taya – , há uma outra questão a ser levada em conta. Se o filme é uma propaganda, encontre argumentos para assim dizer, e não se use apenas o símbolo da farda, como Chris em alguns momentos fez.

Veja o trailer de Sniper Americano

Sniper Americano concorre ao Oscar 2015 nas categorias Filme (Clint Eastwood, Robert Lorenz, Andrew Lazar, Bradley Cooper e Peter Morgan), Ator (Bradley Cooper), Roteiro Adaptado (Jason Hall), Montagem (Joel Cox e Gary D. Roach), Edição de Som (Alan Robert Murray e Bub Asman) e Mixagem de Som (John T. Reitz, Gregg Rudloff e Walt Martin).

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About TIAGO

TIAGO LIRA | Criador do site, UX Designer por profissão, cinéfilo por paixão. Seus filmes preferidos são "2001: Uma Odisseia no Espaço", "Era uma Vez no Oeste", "Blade Runner", "O Império Contra-Ataca" e "Solaris".