Nasce Uma Estrela | Crítica | A Star is Born, 2018
A nova versão de Nasce Uma Estrela melhora pontos negativos da última versão lançada e sem esquecer de como o amor é importante.
Quando você se propõe a modernizar alguma coisa, você vai lá e faz isso ao invés de ficar passando um pano para um clássico só por ele ser um – e foi isso que Bradley Cooper fez em Nasce Uma Estrela. Com base em outras três encarnações – ou quatro, se preferir – a nova versão da história é realmente centrada nos seus protagonistas ao invés das consequências que o mundo que nem estava nascendo na última versão em 1976. Para superar, ou pelo menos igualar as famosas vozes da época, Cooper traz uma Lady Gaga que toma de assalto o palco, o filme e os espaços para podermos mais uma vez nos deixar levar numa história de amor.
Se a primeira vez que somos apresentados à estrela Jackson Maine (Cooper), uma lenda e seu próprio inimigo, visto de costas saindo das sombras, ele é o oposto de Ally (Gaga). Ela tem uma vida bem menos luxuosa, mas centrada, como Cooper mostra na cena em que ela grita as frustações. Enquanto a bagunça de Jack é representada pela câmera balançando, a de Ally é fixa. Esses dois mundos improváveis se encontram por meios mais improváveis ainda, com Jack procurando se afogar em outra bebida ao entrar num bar de drag queens. Com uma marcante apresentação de La Vie en Rose, tanto Jack quanto o restante do cinema não param de olhar para Ally.
Qualquer um que já viu um show ao vivo sabe que existe algo de mágico em ver alguém cantar ou tocar um instrumento. Ali, exposto, o bom artista derrama sua alma, algo que Jack faz para Ally no particular. Diferente do sempre escroto personagem da versão de Frank Pierson, esse Jack é uma pessoa legal, carinhoso e atencioso desde o começo, além de ser o rei do improviso. Mas percebemos que ao tentar consertar Ally, ou pelo menos as suas feridas, é ele quem precisa de conserto. E apesar da sua inexperiência na cadeira de diretor, Cooper se saiu muito bem, sabendo quando usar e não usar a música nesse filme tão musical.
Percebam como ele não deixa uma trilha sonora de fundo quando Ally e Jack estão se conhecendo no estacionamento. Ali, o silêncio é ouro. Um precisa que o outro o ouça e vice-versa, e colocar qualquer música de fundo seria forçar uma emoção desnecessariamente. Ao invés disso, a cena fala por si: naquele universo particular dos dois, é importante que se ouçam e que nós, no conforto das nossas poltronas, os escutemos também. Esses tipos de abordagem doces ainda vão se repetir pelo menos duas ou três vezes, sempre nos piores momentos de Jack. Sendo um personagem que sofre do terrível mal do alcoolismo, o que mais ele pede é que seja ouvido.
Mas Jack está sempre em luta: contra seus demônios, seu passado, uma pressão auto-imposta de se manter relevante onde o próximo artista está a deslizar de dedos. E ele vai se apoiando em quem se dispõe a amá-lo: antes, era Bobby (Elliot), seu irmão mais velho. Agora, Ally. Para quem sofre de falta de empatia, uma característica tão necessária nos nossos tempos, há um desespero. Naquele buraco que se jogo de vez em quando, Jack faz besteiras com si mesmo e os outros, como socar a cara do irmão – representando uma tentativa de se desligar do passado – e quando coloca em dúvida a capacidade e talento de Ally.
Há um incômodo com a capacidade de Ally aguentar tanto a vida de altos e baixos de Jack durante a vida dos dois juntos, e a personagem de tão compreensiva poderia ser pintada de santa. Realmente, não há uma decisão questionável da personagem, nenhuma mancha para tirar sua alva aura. Para equilibrar levemente essa questão, existe Rex (Gavron) que poderia ser representado como a parte má da cantora, mas muito forçadamente. Esses extremos são colocados em cenas como a de Jack tentando se apresentar num evento sobre saúde enquanto ela brilha em sua primeira apresentação solo. Mesmo que sejam momentos que não desabonem o filme, fica uma ponta de questionamento.
Isso não significa que faltem características humanas em Ally. Assim como acontecem em filmes de aventura, a nossa heroína hesita em começar sua jornada por motivos mundanos – o emprego, os julgamentos – para só depois de um irresistível chamado, conseguir passar as barreiras e abrir a porta de um novo mundo ao lado de Jack, que passa de mentor a amante no tempo certo desse filme um tanto longo, mas que tem seus motivos musicais para isso. Assim como o casamento que acontece na metade do filme, é tudo um sonho. Mas intercalado com esses momentos maiores e mais pesados que chamamos de vida.
Teimoso, Jack chega a parecer imaturo com suas atitudes e Bob, bem mais velho, se torna a figura paterna desse personagem. É uma relação que não toma tanto tempo de tela quanto a dupla principal, mas as poucas coisas que são ditas entre os dois são suficientes para entender o passado e o que os dois passaram. Assim como as conversas durante o período de internação de Jack, são momentos do passado que explicam os porquês de Jack ser como é no presente. Sem apelar para flashbacks, o personagem conta para a audiência quando está preparado para isso. E vem de maneira tão natural que não há como não se emocionar.
Se existe outro problema a ser apontado é que o filme deixou a sensação que algo foi cortado mais que deveria na sala de montagem. A relação de Jack com o amigo em Memphis está encaixada ali no meio da história sem algo que ligue as narrativas – mal sabemos quem é o personagem – ou o foco num personagem aleatório que observa Ally com cara de poucos amigos no estúdio durante sua primeira gravação. Com certeza existira mais história para se contar, e a montagem prejudica levemente a compreensão do todo, mas apenas nesses momentos.
No entanto, é impossível negar o bom sentimento que Jack nos deixa na sua atenção para Ally. É verdade que Jack é muito instável, aceita depois não aceita as coisas, se preocupa demais com a mudança no status quo e até chega a julgar as decisões musicais de Ally sem perguntar se aquilo era o que ela queria mesmo. Mas não tem como não gostar da persona atenciosa dele, um cara que mesmo com algumas a mais na cabeça e precisando desabafar não esqueceu de ouvir, o que desagua na música que ele faz para Ally que foi baseado na conversa que tiveram.
Algumas histórias merecem ser recontadas, e Cooper soube como fazer isso na sua versão de Nasce Uma Estrela. Seguindo a mesma toada dos outros filmes que o inspiraram, o diretor tenta manipular os sentimentos da plateia bem no final, o que pode ser visto como desonesto. Mas é difícil não curtir o casal, as atuações, a importância do som na história – o problema auditivo de Jack aparece em momentos cirúrgicos para nos incomodar –, a fotografia, o cenário o figurino que conta uma história – notem como Ally cresce na tela do show e do cinema, e depois como ela e Jack usam o mesmo tom de azul na última cena do filme – mostrando que se esse é o exemplo da qualidade de Cooper no seu primeiro trabalho, podemos esperar melhoras à seguir.
Elenco
Lady Gaga
Bradley Cooper
Andrew Dice Clay
Dave Chappelle
Sam Elliott
Direção
Bradley Cooper
Roteiro
Bradley Cooper
Eric Roth
Will Fetters
Baseado em
Nasce Uma Estrela (William A. Wellman, Robert Carson, Dorothy Parker, Alan Campbell)
Fotografia
Matthew Libatique
Trilha Sonora
Lukas Nelson
Lady Gaga
Bradley Cooper
Montagem
Jay Cassidy
País
Estados Unidos
Distribuição
Warner Bros. Pictures
Data de lançamento
11/iut/2018 (Brasil)
Duração
135 minutos
Nova leitura da vida de Jackson Maine que descobre o talento de Ally acidentalmente. Juntos, eles compartilharão o palco, a estrada, o sucesso – assim como os problemas, o amor e a vida.
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