Roda Gigante | Crítica | Wonder Wheel, 2017
Roda Gigante é muitas coisas, mas nenhuma delas se junta num todo coeso na vasta filmografia do diretor.
Nem sempre um grande diretor e um grande elenco fazem um grande filme e Roda Gigante é um claro exemplo disso. A impressão deixada é que ao mesmo tempo em que Woody Allen voltou no tempo para contar uma história com traços da tragédia grega, ele também voltou na maneira de contar histórias e retratar pessoas. Isso quer dizer que não apenas o filme parece se passar nos anos 1960; o filme passa uma mentalidade daquela época, porém sem crítico ou ácido em relação a isso, algo que o diretor já mostrou várias outras vezes que sabe fazer. Mas ao fugir daquele retrato que sabe bem da comunidade nova iorquina e suas neuras, o diretor não encontrou um caminho.
Para fazer um filme de época sem querer deixar isso evidente, Allen usa de uma fotografia vermelho alaranjada, quase um tom de sonho retirado de pinturas (pós) impressionistas de Gaugin. Esse tom onírico e intencionalmente artificial é a marca registrada do humor de Ginny (Winslet), que vive uma paixão tórrida com o salva-vidas Mickey (Timberlake), um jovem bem mais novo que ela. É um artifício usado de maneira bem didática e podemos perceber isso num dos (vários) monólogos da personagem, em especial quando ela se abre com Mickey sobre sua vida e de como conheceu o marido Humpty (Belushi) – as luzes passam de quentes para fria enquanto faz sua confissão.
A vida dessa mulher não é fácil, algo exacerbado pelos barulhos típicos de um parque de diversões, um marido que não se importa com o que a esposa precisa e um filho piromaníaco. Adicione essa confusão a filha de Humpty, Carolina (Temple) que por si só já vem de uma vida confusa. Essa personagem vai receber também os tons ligados à Ginny, o que indica uma disputa futura – a discussão na festa de aniversário de Ginny é bem marcante em relação a isso, como o diretor mostrando as flutuações de humor pela raiva que ela começa a sentir pela enteada, algo que não pode ser vocalizado explicitamente.
E assim como Carolina foge de seu passado, representado pela ameaça nunca vista do ex-marido gangster, Ginny tenta se desvencilhar do seu presente lembrando de peças e bijuterias de quando era uma atriz em potencial e também por se envolver com alguém tão novo quanto Mickey. De novo, Allen usa a assinatura-cor de Ginny para essas lembranças, um elemento que é bastante usado para que sintamos falta dele quando desaparece, algo bem mais forte no último frame do filme. Não podemos deixar também de colocar o oposto do uso da cor da vontade de colocar fogo em tudo de Richie (Gore), filho de Ginny, um desespero de atenção em formato de piromania – enquanto algumas crianças molham a cama, outras só querem ver o mundo queimar.
Porém, é estranha a opção da narração off/quebra de quarta parede de Mickey. Como tantos outros personagens em outras produções, ele é aquela pessoa que mostra o caminho para o espectador, até se coloca no lugar dele, para ver a trama de perto. Mas esse é um elemento muito rasteiro, de má vontade do diretor, inclusive. A trama já é simples o suficiente para ser explicada e o que Allen faz é simplificá-la ainda mais, numa intenção parecida com alguns blockbusters, onde diretores só estendem seus filmes com amenidades para que a produção tenha pelo menos a duração comercial de 90 minutos.
Além disso, o filme se perde no quer contar. Primeiro parece ser um conto de redenção entre Humpty e Carolina – entre eles e cada um com seu arco –, depois é um conto de Ginny e de seu amor de verão estragado pela filha do esposo, ou então um filme de crime, ainda um romance mais básico no seu desenvolvimento. A questão é que não sabemos. Essa confusão faz parte do roteiro, algo que não teria saído do papel, senão das mãos do próprio Allen. A impressão que passou depois da projeção é que era uma ideia que ele precisava tirar do sistema, algo que estava atrapalhando ele e que agora ganha o mundo e já não é mais dele.
Para piorar, um filme onde uma mulher que foge de um relacionamento abusivo e não tem a simpatia da outra por causa de um homem é muito problemático no cenário de hoje. Carolina não quer roubar Mickey de Ginny ou ser um empecilho para que, por exemplo, Richie receba um tratamento adequado para sua compulsão: ela só quer paz. E não achar isso numa pessoa que vive num casamento infeliz ela própria é demasiadamente ultrapassado. Ou seja, se você procura um filme com um mínimo de sororidade, não é aqui que vai encontrar – algo que não encontro uma desculpa válida para defender a opção do diretor.
Se Roda Gigante fosse o filme de estreia de Woody Allen, ou de qualquer outro diretor, e fosse lançado a vinte anos ele não seria mais interessante do que é hoje; mas com certeza seria mais compreensível no tocante de como as mulheres da história são representadas e interagem. Além de antiquado na ideia, a produção é antiquada também na estrutura com decisões de fácil digestão, algo que sabemos estar aquém da capacidade do diretor. Se não fosse a atuação de Winslet, Belushi e Temple esse com certeza seria um filme caricato. E se essa foi a intenção do diretor, ela não ficou clara em nenhum momento.
Elenco
Jim Belushi
Juno Temple
Justin Timberlake
Kate Winslet
Direção
Woody Allen (O Homem Irracional)
Roteiro
Woody Allen
Fotografia
Vittorio Storaro
Montagem
Alisa Lepselter
País
Estados Unidos
Distribuição
Amazon Studios
Duração
101 minutos
Em Roda Gigante, numa cidade de veraneio, a jovem Carolina busca refúgio na casa do pai que se distanciou anos antes ao se casar com um gângster. Humpty, agora casado com Ginny fica entre uma nova e velha vida, enquanto a própria Ginny busca uma nova chance de ser feliz com o salva-vidas Mickey. O que se segue é uma tragédia à moda do clássico teatro grego.
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