Projeto Flórida | Crítica | The Florida Project, 2017
Poucos cineastas conseguem adentrar o mundo infantil sem serem infantilizados – e Projeto Flórida é uma grata exceção.
De vez em quando, aparece algum cineasta inspirado e consegue fazer do universo infantil a sua tela, apesar de já ser adulto. E Projeto Flórida veio para preencher um espaço vazio desse tipo de abordagem. Mesmo não sendo para crianças, representa tanto a inocência como a doçura dessa fase da vida, e nos tornamos espectadores da maneira que eles enxergam e captam o que acontece ao redor. Os momentos de drama entre as brincadeiras e peripécias do jovem elenco montam um quebra-cabeça de pessoas frágeis, outras mais fortes e de um amadurecimento precoce que só pode ser salvo pela magia da imaginação.
Quando se é uma criança sem nada para fazer, precisamos inventar coisas para nos distrairmos – e num lugar que pouco muda como o condomínio onde vivem Moonie (Prince), Scooty (Rivera) e Dicky (Malik), qualquer acontecimento é razão para sair correndo de empolgação. Um motivo que pode parecer fútil, como a chegada de uma nova vizinha. Ou fazer bagunça com a recém-chegada. Oras, até mesmo arrumar a bagunça aprontada é motivo de risos para essas crianças e motivo para integrar mais uma à gangue: a também pequena Jancey (Cotto). Nesse verão, longe da escola e sem dinheiro, a ferramenta das crianças pode ser qualquer coisa.
Aquele lugar onde vivem temporariamente, pelo menos é assim que deveria ser, está parado no tempo. Apesar da chamativa cor lilás que pintaram o condomínio, a brega entrada com foguetes com a chamada “se hospede no futuro hoje” é a antítese de quem busca Orlando por causa de seus passeios. Localizados nos arredores da Disney, o que traz uma piada justa sobre a relação dos brasileiros com o lugar, os personagens dali claramente não podem arcar com a entrada daquele mundo de fantasia, assim como o final do arco-íris que Moonie e Jancey presenciam.
E se há um grande motivo estético para que a narrativa mimetize bem o que é ser criança, ela fica nas mãos da montagem, responsabilidade do próprio Baker. Isso quer dizer que o tempo também é um personagem. Ainda nos primeiros minutos, Moonie e Scooty estão esperando a mãe do rapaz no trabalho dela, Baker filma uma cena com os dois sem sair do lugar, fazendo nada, por intermináveis – em termos de cinema – doze segundos. E essa economia de cortes vai seguir as crianças, com algumas exceções. Em oposição, os cortes de Halley (Vinaite) e Ashley (Murder), quando saem para se divertir, são mais rápidos para mostrar a diferença de ritmo e dinâmica como essas adultas encaram a vida.
Também é curioso notar os nomes de mãe e filha: Halley, como o cometa, e Moonie, remetendo a moon (lua). A escolha não é à toa, indo além de dizer que as duas vivem com a cabeça no espaço. Apesar de ser verdade, a filha tem esse direito, digamos assim, porque criança serve para dar trabalho – algo inerente à essa fase. Já a escolha do nome da mãe serve para, narrativamente, aproximá-la de sua filha, mas não de maneira afetuosa. Em poucos momentos Haley aparenta amar a filha verdadeiramente, a usando mais como ferramenta para arranjar algum dinheiro – o que acarreta péssimos exemplos.
Brigas, berros, uma insolência para testar os limites de Bobby (Dafoe) – o gerente do lugar e, consequentemente, a figura de autoridade – e outras reações quando contrariada transformam Halley numa criança crescida e entre trabalhos e trambiques, a mãe e filha encontram momentos de diversão. Mas, por causa da inocência da garota que muitas vezes reproduz as ações e linguajar da mãe, Moonie não percebe o mal causado por Halley. Num dos poucos momentos de carinho, Halley brinca com a filha na banheira do apartamento, uma cena que serve para reforçar outras três onde a menina toma banho sozinha – apesar de explicar o porquê depois, Baker deixa que as imagens contem a história por si.
Apesar das várias qualidades, o problema do filme recai nos ombros de Bobby, um personagem que é pouco desenvolvido quando Baker tenta destaca-lo. A primeira parte de sua personalidade, a de protetor daquele pequeno universo com suas causas tanto pequenas quanto mais sérias, é a que funciona na história. Porém, quando ele começa a interagir com outros personagens fora do núcleo principal, Baker e Bergoch esquecem de preencher com detalhes relevantes. Principalmente na relação dele com um personagem que não sabemos se é um amigo, irmão ou filho – a reclamação que envolve um telefonema é simplesmente indecifrável. Mesmo sendo um filme dinâmico, não seria nada demais se as cenas aleatórias de Bobby conversando com outros moradores fossem cortadas.
A ausência de uma trilha sonora original por 99% do filme, a própria fotografia e as interpretações de todo o núcleo principal dão a Projeto Flórida quase um ar de cinema vérité, reproduzindo uma realidade nada impossível de se encontrar. Algo que é quebrado apenas quando o filme sai do chão e entra no mundo da fantasia – no caso do Magic Castle para o Magic Kingdom, passando dos 35mm para o iPhone – a única fuga possível de Moonie e Jancey de um momento dramático que as obriga a amadurecer antes do tempo. Crianças não estão preocupadas em fazer sentido, entenderem de economia ou de outras grandes questões do nosso mundo adulto. Para elas, laços de amizade são mais importantes – e mais ainda aqueles que podem te pegar pela mão e levar até onde está o pote de ouro, no fim do arco-íris.
Projeto Flórida concorre ao Oscar 2018 na categoria Melhor Ator Coadjuvante (Willem Dafoe).
Elenco
Willem Dafoe
Brooklynn Prince
Bria Vinaite
Valeria Cotto
Christopher Rivera
Caleb Landry Jones
Mela Murder
Aiden Malik
Direção
Sean Baker (Tangerines)
Roteiro
Sean Baker
Chris Bergoch
Trilha Sonora
Lorne Balfe
Fotografia
Alexis Zabe
Montagem
Sean Baker
Distribuição
A24
País
Estados Unidos
Duração
111 minutos
Nos arredores da Disney, Halley vive com a mãe e brinca com seus amigos da mesma idade. Na sua inocência, ela vive uma aventura após a outra enquanto o mundo dos adultos em volta é lotado de problemas.
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