O Primeiro Homem | Crítica | First Man, 2018
Ao invés de ser ufanista, O Primeiro Homem é um retrato intimista de alguém que por força da sorte ou do destino entrou para sempre nos livros de história.
Uma vez, houve uma corrida espacial financiada por interesses políticos. Eram os comunistas ou o dito mundo livre que venceria, mas Damien Chazelle não se importa com isso, e sim com o homem que por uma sucessão de eventos – que alguém pode caracterizar como destino – saiu do módulo da Apollo 11 em julho de 1969 para a História deste planeta. O Primeiro Homem não é um retrato político dessa época, apesar dele aparecer como plano de fundo, e sim a história de alguém adorado por multidões, mas que podem não conhecer a sua história. Antes de chegar à Lua houve sacrifícios, força e tragédia para formar aquele que era um engenheiro, mas, que pela força dos eventos, se tornou o símbolo de uma nação e de uma era.
Saindo pela primeira do mundo ficcional e rodeado por música, Chazelle se desconecta totalmente do que fez antes. Para essa cinebiografia, o diretor aposta em três elementos que já são destaque desde a introdução: os closes, a câmera na mão e a fotografia granulada, decisões estéticas transformam como iremos conhecer esse Neil Armstrong (Gosling). A primeira escolha estética serve para dizer que esse será um retrato pessoal do personagem. A segunda reforça o estilo documental da trama. Já a terceira emula um grão na fotografia mais enrugado, parecendo que veio direto de uma lata de rolo dos anos 1960, e com câmeras praticamente grudadas na cara de Neil e de Janet (Foy) para mostrar tanto o desespero quanto a humanidade desses personagens.
Apesar de seu passado musical, Chazelle se contem na hora de usar músicas na história, apesar de dar umas pequenas escapadas quando usa o som. Podemos notar que alguns dos sons próprios dos módulos seguem um compasso, uma batida que dá um ritmo àquela cena. Não acontece sempre, mas é muito prazeroso perceber que o diretor não apela para caminhos mais fáceis. A trilha sonora original existe sim, mas ela vai aparecendo aos poucos, tendo sua importância já no fim, quando somos apresentados à Apollo 11 – e mesmo nesses últimos momentos, Chazelle sabe aproveitar o silêncio, como a cena que a porta do módulo Eagle se abre e o vácuo toma conta do ambiente.
Outro ponto positivo é que o filme não se apoia demais nos efeitos especais. Como poderia ser numa produção mais comum, Chazelle não coloca a câmera tantas vezes fora dos módulos e das naves, preferindo nos deixar na pele de Neil e com detalhes nos quais podemos nos concentrar por causa do já mencionado silêncio. Se caísse nas mãos de alguém que apelasse para clichês, veríamos cenas externas com panorâmicas ou travellings. Seguindo o caminho contrário, o diretor prefere zooms documentais, dando à produção quase algo de cinema verité. Basicamente, nos sabemos o que os personagens sabem: quando uma das cápsulas de testes roda freneticamente, sabemos isso por vermos os instrumentos junto com Neil. Se perdermos uma informação porque o astronauta desmaiou, nós também perdemos esse pedaço.
Apesar de ser um filme um tanto longo, seus 140 minutos são bem distribuídos entre os atos, o que permite que, mesmo nos momentos mais mundanos, não sentirmos essa esticada do tempo. E até mesmo a passagem de tempo é utilizada como parte da narrativa. Por exemplo, para mostrar quanto Neil fica fora de casa por causa do seu trabalho, Chazelle coloca pulos que percebemos pela idade dos filhos. A mais marcante é quando eles se mudam para perto da base da NASA em Langley e Janet conhece a nova vizinha enquanto está grávida. A cena seguinte parece acontecer algumas horas depois, mas, quando Neil vê o berço, seu filho mais novo já está lá.
Depois de uma tragédia se abater sobre a vida dos dois, a morte da filha mais nova, Janet diz que uma mudança de poderia ser encarada como uma aventura. A história de Neil não foi tirada de nenhum livro, mas o seu chamado, apesar de não ter algo típico da ficção como a negação, as mortes de amigos são encaradas na narrativa como sacrifícios e uma constante lembrança do perigo que pode acontecer naqueles módulos confinados. E nem é a intenção de Chazelle impor para nós a persona de um herói em Neil: ele é visto com passos vacilantes ante de entrar no módulo da Gemini 8, tenta evitar os filhos na noite anterior daquela que poderia ser sua última viagem e começa a ver a lua como uma obsessão.
Pode acontecer que de tanto centrar na vida de Neil – até as conversas de Janet com a esposa de outro astronauta são sobre ele – e de tantas vezes que temos a câmera no nariz dele a estética canse. Posso concordar com esse sentimento, mas entendo o posicionamento de Chazelle. É como se ele dissesse que o que circula fora da vida dos dois pouco importa. Para quebrar essa sensação, o diretor mostra um pouco dos protestos contra guerra do Vietnã – aliás, essa é a única cena que aparece alguém negro na narrativa ao som de batidas de matizes africanas – e imagens reais das diversas reações da época, ao invés de joga-las no final do filme para justificar sua autenticidade.
Mas Chazelle dá um descanso dessa abordagem eventualmente. Da mesma maneira que preferiu usar a música de maneira grandiosa para seu finale, que é a Missão Apollo 11, é na conclusão que tudo muda. Ao invés de closes, câmeras abertas. Os efeitos especiais foram deixados para esse momento, assim com a câmera que se mantem fixa no chão. Depois de duas horas grudados com Neil, Janet e os outros, Chazelle nos joga num novo e inexplorado mundo, um que precisa de toda a dimensão da tela para ser apreciado. Ali, no Mar da Tranquilidade, as coisas ficam mais calmas para podermos apreciar o momento.
O maior receio é que essa pudesse ser uma produção que exaltasse em demasia a figura dos Estados Unidos. Apesar de ter uma dose ufanista aqui e ali – um dos filhos de Neil iça a bandeira do país na primeira missão fora da atmosfera do pai e podemos ler o nome da nação enquanto o astronauta está para embarcar na Apollo 11 – está longe de ser um exagero. O filme existe mesmo para contar o ponto de vista de Neil, com defeitos e qualidades, e não servir de propaganda. É possível que alguém encare isso com outros olhos, mas não se encontram motivos sólidos para pensar diferente. A não ser quando percebemos que Buzz Aldrin (Stoll) é representado de maneira tão escrota para deixar a de Neil melhor.
Dando espaço para homenagens – a cena do encaixe com a Agera ao som de valsa parece ter vindo direto de 2001: Uma Odisseia no Espaço (2001: A Space Odyssey, 1968, Stanley Kubrick) – e assim como Whiplash (2014) tinha jazz, mas não era sobre jazz, e La La Land: Cantando Estações (La La Land, 2016) tinha danças, mas não era sobre dançar, O Primeiro Homem tem explorações espaciais, mas não é sobre isso. A história é sobre um ser humano que agora está imortalizado nos livros de história, como esse homem testemunhou tantos eventos que poderiam ser encarados como grandes demais, e também um retrato intimista que explora bem o fardo que caiu nos ombros de Neil Armstrong. Além disso, serve de lembrança que entre glórias houve perdas e sacrifícios.
Elenco
Ryan Gosling
Claire Foy
Jason Clarke
Kyle Chandler
Corey Stoll
Direção
Damien Chazelle (Whiplash)
Roteiro
Josh Singer
Baseado em
O Primeiro Homem (James R. Hansen)
Fotografia
Linus Sandgren
Trilha Sonora
Justin Hurwitz
Montagem
Tom Cross
País
Estados Unidos
Data de Lançamento
18/out/2018
Distribuição
Universal Pictures
Duração
141 minutos
O filme retrata o caminho do astronauta Neil Armstrong desde seus passos na Terra até o mais famoso deles: os dados depois depois de sair da Apollo 11.
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