O Doutrinador | Crítica | 2018
Apesar de ser um interessante filme de ação, O Doutrinador peca demais por mostrar uma solução simples para um problema complexo.
Tão comum quanto dizer que os nossos problemas de política não são simples de resolver é a trama de O Doutrinador, um filme de ação onde o protagonista sofre das mazelas do povo brasileiro e responde com os punhos. Baseado num personagem dos quadrinhos, esse protagonista tem ecos nas ações de vigilantes como Batman e uma clara inspiração no Justiceiro, o que permite uma dose extra de violência gráfica que o cinema nacional não está tão acostumado. Como crítica social, funciona de maneira superficial. Como produção, fica dentro dos padrões internacionais de qualidade, apesar de ser um episódio-piloto de duas horas para a já anunciada série.
Os fãs de quadrinhos – tanto para quem está acostumado com Marvel ou DC – identificam no personagem de Miguel (Pissolato) a personificação de alguém que, por azar ou destino, se encontra num caminho maior que a própria existência. Assim como Frank Castle, ele se encontra num jogo onde o tabuleiro da política o trata como peão, ou como uma peça de uma engrenagem, algo que precisa ser apontado por algum motivo perto do fim do filme. É curioso que Bonafé tenha entregado obras tão opostas ideologicamente esse ano – ainda que a cinebiografia de D2 e Skunk tenha sido completada em 2017 -, o que mostra pelo menos uma versatilidade do diretor.
Misturando algumas paixões do brasileiro, como o futebol, e preocupações como saúde pública e violência, a história encontra a população que concorda que nosso sistema de saúde universal é falido por um misto de corrupção com má-gestão ao colocar Miguel como resumo, alguém que perde uma filha por causa de um dos grandes problemas das metrópoles. E nessa tragédia é quando Miguel perde fé no sistema e onde percebe que o lugar que trabalha, uma força policial fictícia, não o protegeu e nem sua família de grandes algozes que se importam mais com dinheiro do que outra coisa.
Deixando de lado esses elementos que são bem óbvios no filme, e que podem fazer parte da realidade da maior parte do público, a trama peca pela abordagem nada profunda e enormes conveniências do roteiro, reflexo de termos nada menos que nove responsáveis nesse campo, além da base do original de Cunha. São partes como o tiro que mata a filha de Miguel ser um fato isolado – uma cena com uma discussão ao fundo resolveria isso – falta de atenção à detalhes – vídeos filmados na horizontal e reproduzidos na vertical – e as já mencionadas facilidades e conveniências que servem só para a história ir à frente.
Isso quer dizer que tudo parece muito fácil para Miguel, como se ocasião fizesse o personagem se transformar e não a tragédia em si. Trazendo mais uma vez o material que o inspirou, tanto o Justiceiro quanto Batman tiveram muito tempo para se preparar (seja em viagens ou fingir a própria morte). Já para Miguel se tornar o Doutrinador, as coisas são jogadas para ele. Literalmente, pois num protesto que ele se encontra por acidente lhe jogam uma máscara de proteção contra gás – e provavelmente luvas, pois não encontram digitais ou DNA dele nessa cena. No campo das conveniências, é muito difícil crer que o interrogatório de Nina (Medina) não tenha sido filmado ou sequer acompanhado, visto que era um homem interrogando uma mulher.
Podemos, porém, falar de como investiram para encarar a produção como um filme e não só um episódio estendido de uma série de TV. Há uma clara preocupação com o som, a montagem e principalmente na fotografia de Rodrigo Carvalho. Nada daquelas cores lavadas, iluminação como se viesse de um único spot de luz e uma paleta de cores que varia para contar a história de Miguel e sua luta contra um sistema que parece imparável – é bem óbvio o recado dado quando o protagonista chega no hospital e há um tom esverdeado que domina o ambiente para refletir a podridão da situação calamitosa da saúde pública.
Mas existem elementos que seguem o oposto, exageros como a música que praticamente não para – e agradecemos quando dá um sossego – e até mesmo a já elogiada montagem. O filme perde tempo repetindo elementos como a caça de Miguel, já personificado como Doutrinador, ao Governador Sandro Correa (Moscovis), e erra ao não deixar o vermelho dos olhos do personagem mascarado como elemento simbólico e não físico. E essa quantidade de roteiristas traz bastante confusão nas ações de personagens que esquecem do conceito de coletes a prova de bala ou rádios – isso é extremamente problemático na conclusão – e do que Miguel é capaz, como quando ele poderia resolver a situação com a Ministra Marta Regina (Gabriela) com suas já apresentadas habilidades de sniper, mas prefere um confronto direto.
E mesmo que identifiquemos os momentos que, por exemplo, a música funciona – na cena mais trágica com a percussão fazendo vezes da batida do coração e a trilha sonora pessoal de Miguel quando ouve a herança deixada por ela – é bem difícil de levar à sério algumas frases e ações dos personagens. Só podemos rir, e não num bom sentido, quando Nina diz que conseguiria fazer tal feito por ser hacker ou das decisões erradas de Edu (Assis), parceiro de Miguel, em não informar seus superiores que havia algo de muito errado com o companheiro. Mais uma vez, esse tipo de lacuna só mostra que quando muita gente se junta para fazer algo, a colcha de retalhos fica cheia de buracos.
Deixando de falar da raiz do problema, e talvez deixando isso para a série de TV, O Doutrinador com certeza achará público para quem acredita que existe solução fácil para grandes problemas – seja eleger um outsider ou explodir a câmara legislativa. Há, porém, um potencial a ser explorado, algo parecido com o que José Padilha passou depois de seu filme mais famoso e a necessidade de fazer Tropa de Elite 2: O Inimigo Agora é Outro (2010). Agora é esperar 2019 e ver se esse potencial é aproveitado ou se a série irá repetir o mesmo discurso sem se aprofundar nesse problema maior e que diz respeito a todos nós.
Elenco
Kiko Pissolato
Samuel de Assis
Tainá Medina
Marília Gabriela
Eduardo Moscovis
Helena Ranaldi
Natália Lage
Natallia Rodrigues
Tuca Andrada
Gustavo Vaz
Carlos Betão
Nicolas Trevijano
Eduardo Chagas
Direção
Gustavo Bonafé (Legalize Já)
Roteiro
Mirna Nogueira
LG Bayão
Rodrigo Lages
Denis Nielsen
Guilherme Siman
Gabriel Wainer
Luciano Cunha
Baseado em
O Doutrinador (Luciano Cunha)
Fotografia
Rodrigo Carvalho
Montagem
Federico Brioni
Sabrina Wilkins
País
Brasil
Distribuição
Downtown Filmes
Data de estreia
01/nov/2018
Depois de perder a única filha para a violência e o descaso da saúde público, o policial Miguel se encontra num jogo onde ele acredita poder mudar a balança de poder. Assim, nasce nosso vigilitante: O Doutrinador.
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