Calmaria | Crítica | Serenity, 2019
Steven Knight espera que seu plot twist seja o suficiente para consertar a trama de Calmaria – e nessa tentativa, o diretor falha miseravelmente.
É verdade que, muitas vezes, o cinema tem preferido ficar numa zona de conforto a arriscar. Também é verdade que o diretor de Calmaria arrisca num filme onde espera fisgar o espectador com uma virada de suposto impacto. Porém, a miscelânea que Steven Knight traz para as telas beira a preguiça. As metáforas que o diretor/roteirista usa são uma justificativa para de fora para dentro, quando deveria ser o contrário. Ao invés de procurar sustentação, a trama começa com um argumento específico para só depois ser justificado, onde Knight se preocupou primeiro em surpreender a plateia para só depois dar estrutura à sua história. E quando isso finalmente acontece, já é tarde demais.
A primeira cena de Baker Dill (McConaughey) pescando um atum é uma metáfora que serve tanto para mostrar como é difícil completar uma fase quanto um desespero de transformar algo banal em drama. Fora alguns poucos que acreditam que pesca é uma modalidade interessante, Knight transforma a cena além de sua dramaticidade inerente ao colocar uma trilha sonora como se a pesca desse monstro, que é obsessão de Baker, nos moldes do Capitão Ahab, uma falsa emoção dada pela trilha sonora. Mesmo alguém desse nicho da pescaria acharia que aquele é um momento de emoção, mas não de drama.
E é isso o que Knight faz durante todo o filme. Basicamente, ele pega momentos pouco interessantes e banais, faz um polimento – às vezes pela trilha sonora, outras pela movimentação de câmera que quebra aquele universo – e entrega para a plateia acreditando ser o suficiente. Um dos acabamentos é a apresentação de Karen (Hathaway) como uma femme fatale, apelando para os elementos mais básicos do noir, chegando ao cúmulo de colocar uma pinta perto da boca da personagem. Em geral, o que acontece é que Knight insere vários gêneros e elementos sem se aprofundar em nenhum deles, o que faz a trama tão superficial quanto essas abordagens.
As decisões do roteiro, que não podemos dizer que são erros, aparecem de maneira vazia, e quando precisam ser preenchidas, apelam para uma virada que, ainda que anunciada visualmente, é sem substância. Vejamos como a construção entre Baker, que mudou de nome sem uma justificativa, é feita ao lado do novo marido de Karen. Frank (Clarke) é uma pessoa terrível, ligado a carteis internacionais, violento, objetifica a esposa, mas se importa em ir para o meio do nada pescar. Algo que atraia o agora Baker. Mas sim, existe uma justificativa para isso, algo que brinca com a questão do ato da criação – só que é algo tão raso quanto dizer que a resposta seria mágica.
De certa maneira, é mágica que responde às perguntas de Baker para o representante de vendas, Reid Miller (Strong). Da mesma maneira que Duke (Hussou), ele funciona como a consciência de Baker, dizendo o caminho que o protagonista deve seguir. A questão é que a própria justificativa – extremamente didática – cria um problema no próprio universo, e nisso voltamos ao problema da estruturação. Admitimos que o que Reid diz é verdade, que Baker está preso às regras desse universo que se encontra, mas, de novo por conveniência, não há explicação de como o vendedor tem consciência disso. Enquanto entendemos que Baker acredita ter algo errado por uma ligação dele com o filho, o mesmo não se aplica ao personagem engravatado.
E para alguém que se preocupa tanto com o filho, a ponto de ter ou achar que tem um vínculo telepático com ele, é difícil acreditar que Baker não aceitaria a proposta de Karen, mesmo que em termos. Até a aceitação dos dez milhões que a ex oferece para que o protagonista se livre de Frank, o pescador se mostra reticente demais. Se fosse colocado na trama que, por qualquer motivo, ele acreditasse que a Karen estivesse mentindo, essa relutância teria sentido. Mas a personalidade de Baker flutua entre a cretinice e a inércia, e fica difícil entender as motivações dele. Por exemplo, porque dispensar Duke da maneira que o fez ou então a demora de sugerir a Karen outra opção que não fosse o assassinato do esposo. Claro que tudo vai ser resolvido com a questão é que eles foram escritos dessa maneira. De novo, uma máscara de sofisticação.
O que existe de relevante na trama é uma abordagem sobre consciência, livre arbítrio e de como muitos de nós buscam no divino o sentido da existência e de que o criador quer afinal de contas. Nesse filme, Knight expande uma das mais famosas linhas de Shakespeare – “O mundo é um palco; os homens e as mulheres, meros artistas” –, o que mostra a intenção do autor em ser profundo nos temas que apresenta. Isso é sabotado pois as referências de outras obras são tão óbvias que essa perde relevância. Dark City (1998, Alex Proyas), Matrix (The Matrix, Lana e Lilly Wachowski) Vanilla Sky (2001, Cameron Crowe) e Ela (Her, 2013, Spike Johnze) são bases e que funcionam muito melhor porque nesses filmes há foco, coisa que Knight passou longe.
Então, além das viradas jogadas na trama para causar um efeito de espanto na audiência, Calmaria tem problemas por misturar drama, ficção científica, espiritualidade e a discussão do que realmente somos e não se embrenhar propriamente em nenhum desses temas. E isso deixa todas as discussões na superfície. Precisamos de apostas de vez em quando, mas Knight provou mais uma vez que sua parceira com David Cronenberg lá em 2007 foi diluindo ao passar dos anos e que, tanto no roteiro quanto na direção, esqueceu o significado de contar uma boa história.
Elenco
Matthew McConaughey
Anne Hathaway
Diane Lane
Jason Clarke
Djimon Hounsou
Jeremy Strong
Direção
Steven Knight
Roteiro
Steven Knight
Fotografia
Jess Hall
Trilha Sonora
Benjamin Wallfisch
Montagem
Laura Jennings
País
Estados Unidos
Distribuição
Aviron Pictures
Diamond Films (Brasil)
Duração
106 minutos
Data de estreia
28/fev/2019
Baker Dill é um capitão de um barco que leva turistas para passear. Sua vida pacata muda com a volta Karen, que o abandonou anos atrás para se casar com um homem muito perigoso. Ela vem com uma proposta muito tentadora. Enquanto isso, parece que algo errado com aquela ilha, um mistério que Baker precisa desvendar face à oferta de Karen.
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