Ela | Crítica | Her, 2014, EUA

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Ela é um filme desafiador que trata do amor e suas fronteiras; ou melhor, da inexistência delas.

Her, 2014

Com Joaquin Phoenix, Amy Adams, Rooney Mara, Olivia Wilde, Chris Pratt e Scarlett Johansson. Escrito e dirigido por Spike Jonze (Onde Vivem os Monstros)

10/10 - "tem um Tigre no cinema"Spike Jonze lança um desafio em “Ela”. O amor poderia evoluir junto com a racionalidade humana, a ponto de se relacionar com uma máquina ser socialmente aceitável? A simplicidade do nome do filme e a modernização do ato de amar são elementos importantes nessa deliciosa produção. Porém, o diretor entrega algo bem mais profundo. Existem paralelos a serem definidos e destrinchados. É um tanto difícil, mas assim é o amor, que deve ser mais aceito do que entendido.

Theodore (Phoenix) é um escritor de uma empresa que terceiriza cartas de pessoas que tem dificuldade de se expressar. Introvertido, deprimido e passando pelas dificuldades de estar se divorciando, ele adquire um sistema pessoal de Inteligência Artificial. Ao ser ativada, ela se dá o nome de Samantha (voz de Johansson), e passa a aprender e evoluir com as experiências que o mundo lhe dá. Aos poucos, o improvável acontece: Theodore e Samantha se apaixonam.

O núcleo do filme apresenta poucos personagens, assim como a própria vida de Theodore. A ex-esposa Catherine (Mara) é vista inicialmente só em flashbacks rápidos, sem som, mas com uma fotografia cálida, mostrando que ele sente falta dela. Além dessa lembrança, só a amiga Amy (Adams) faz parte do universo de Theodore. Ele tão sensível e observador está nesse redemoinho de tristeza, e Samantha lhe faz bem. Interessante notar que essa fase depressiva não o fez parar de escrever bem. Ele apenas não se identifica como um bom autor, mas Samantha o lembra que a sua arte não se perdeu.

Além dos personagens bem construídos – todos, até os secundários colegas de trabalho – a mise-en-scène também é. O universo particular que Jonze criou no apartamento de Theodore reflete sua personalidade. Notem que ele tem um conjunto de cadeiras, mas sem uma mesa para ficar no centro. Ao se ver solitário, não existe a necessidade de uma mesa. O pensamento que se passa na cabeça dele é “quem iria jantar comigo”? Introvertido, Theodore é constantemente apresentado em planos fechados, não mais distante do que mostrar seus ombros. Isso não muda com a presença da IA, mas o vazio é preenchido por ela. A voz projetada por Samantha não vem de caixas de som, abafadas, mas é real, em terceira dimensão. Apesar da tecnologia desse futuro próximo poder dar essa sensação, a intenção do diretor foi outra, como se ela estivesse do lado dele mesmo sem um corpo. Aos poucos, vamos nos afeiçoando dessa personagem que não vemos. Ela é nova, pura nesse mundo e pode parecer estranho torcermos por ela e, eventualmente, pelo relacionamento dos dois.

É uma situação maluca, mas, como diz Amy “apaixonar-se é uma coisa maluca”. A relação de Theodore e Samantha não é fácil, muito menos mesmo usual. Mas é fácil acreditar na primeira vez deles, que começa de um jeito natural e romântico – diferente do sexo virtual do começo do filme, essa sim bizarra. E nessa entrega, a tela escurece e aquele momento existi só para os dois. Jonze cria esses momentos únicos entre os dois outras vezes. Quando Theodore pluga o microfone para ouvir Samantha tudo em volta fica silencioso, e a voz dela domina todo seu ser, embalado apenas pela suave trilha sonora do Arcade Fire.

É uma relação diferente que Theodore teve anteriormente com a esposa e rapidamente com um encontro arranjado com Amelia (Wilde). Jonze transmite essa sensação confusa ao tremer a câmera, um gesto que vai além da embriaguez do personagem.

Samantha tem a consciência de ter sido vendida para Theodore – a propaganda do novo sistema operacional faz parecer que até mesmo amigos estão à venda – e também que os seus sentimentos podem ser falsos. Apesar disso, as outros AI citadas tem personalidades tão diferentes, e é citado pelo menos um deles que rejeitou as investidas do seu usuário. Se a programação fosse satisfazer o cliente, isso nunca teria acontecido.

Jonze investe em vários planos longos no filme, cada um abrilhantado pela fotografia de Hoyte van Hoytema, que dá um ar natural – principalmente na fotografia noturna. Cada vez que vemos os dois se relacionando, existe tanta doçura e tanta tranquilidade que é muito fácil se identificar, por mais problemático que isso pareça.

Você pode taxar de maluca a relação de Theodore com uma máquina, mas a história vai além de se apaixonar por alguém que não existe. Com muita competência, Jonze explica do que se trata a história de Samantha e Theodore na festa de aniversário da afilhada dele. É a primeira vez que ele chama a AI de namorada – apesar de antes ter confessado antes para Amy que estava nesse relacionamento não-ortodoxo, mas sem usar a palavra namoro. Ela estranha o fato de Samantha não estar lá, mas morar num computador. Isso atraí a atenção da garotinha sim. Só que o mais importante é a mensagem por trás disso: ela não julga. Para a ex, é um relacionamento fora da realidade, mas a criança aceita a relação sem preconceitos. É um modo poético de dizer que relacionamentos só são taxadas como errados – em paralelo com outros tipos de amor que já julgados assim, como o inter-racial e o de pessoas do mesmo sexo – porque a sociedade assim determinou em alguma época da história, mas que não nascemos assim. Apenas somos ensinados. Diferente de Samantha, parece que alguns não evoluem.

Eis um filme belo e tão cheio de propósito que dá vontade de escrever e falar muito mais sobre ele. Esse singelo conto que mistura drama, comédia e um pouco de ficção científica ainda nos brinda com a fantástica atuação de Phoenix, que em momento algum soa falso ao lidar apenas com a câmera em seu rosto durante grande parte da projeção. O modo que ele anuncia que está numa relação com Samantha sem gaguejar, ainda que isso seja mérito também da direção ao ator, cria um personagem tão tátil e crível como pouco se vê no cinema atual.

Ela

“Ela” é um filme com muitos pontos. O amor incondicional, um que não se julga, a definição de que amor é uma coisa louca, mas que vale a pena dividir, seja com quem for é uma lição de vida. Vida que, para nós, terá um fim. A beleza está em aproveitar o tempo que nos é dado. E também não nos esquecermos da esperança, num discurso de Samantha que leva Theodore às lagrimas, e que é encerrado numa cena fantástica, num mundo amplo e sem paredes, infinito como a evolução. Às vezes, uma nota 10 não faz jus totalmente. E esse é um dos casos.

There’s things I wish I knew
There’s no thing I’d keep from you
It’s a dark and shiny place
But with you my dear
I’m safe and we’re a million miles away

Ela concorre ao Oscar 2014 nas categorias Melhor Filme, Melhor Roteiro Original, Melhor Trilha Sonora (William Butler e Owen Pallett), Melhor Canção Original (The Moon Song, de  Karen Orzolek e Spike Jonze) e Melhor Design de Produção (K. K. Barrett e Gene Serdena).

Veja abaixo o trailer de Ela

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About TIAGO

TIAGO LIRA | Criador do site, UX Designer por profissão, cinéfilo por paixão. Seus filmes preferidos são "2001: Uma Odisseia no Espaço", "Era uma Vez no Oeste", "Blade Runner", "O Império Contra-Ataca" e "Solaris".