Bohemian Rhapsody | Crítica | Bohemian Rhapsody, 2018
A emoção consegue suplementar alguns problemas de Bohemian Rhapsody, uma homenagem à vida e a música de Freddie Mercury.
Existem algumas lendas musicais que nunca tiveram seu devido espaço no cinema, e Bohemian Rhapsody vem para fazer justiça ao melhor vocalista que o nosso mundo teve até hoje. Talvez pela relativa proximidade da passagem por esse mundo e porque o passado era muito careta para aceitar uma história com tantas extravagâncias, a história do frontman do Queen chega num momento delicado, onde vemos uma onda conservadora atrás da outra. O filme, mesmo com seus problemas, mostra eventos pouco conhecidos, faz algumas bagunças como as coisas aconteceram, mas é uma verdadeira celebração ao espírito de alguém que viveu pela música e nos deu o melhor de si nesse pequeno período que esteve conosco.
Singer mostra seu protagonista como estrela e próprio inimigo ao mostrar Freddie Mercury (Malek) de costas, levantando solitário ao sugestivo som de Somebody to Love naquele 13 de julho de 1985, dia do Live Aid, para então trilhar o caminho que o jovem Farrokh Bulsara faria. O diretor escolhe um ponto específico no começo da vida de Freddie, ainda um estudante de design, ao invés de ir muito mais atrás na linha do tempo. Pois é ao conhecer Brian May (Lee) e Roger Taylor (Hardy) – e John Deacon (Mazzello) eventualmente –, e Mary Austin (Boynton) é que sua vida muda, inclusive com o pulo de deixar o nome de batismo e de família para trás, como se ali o Queen fosse seu novo núcleo familiar.
É curioso notar como a fotografia flui nesses ambientes diferentes, não apenas na passagem dos anos 1970 para os 1980. Por exemplo, a casa de Freddie tem algo de mais denso, a luz entra naquele ambiente com uma paleta de cores mais próximas do pastel, algo um tanto sem graça para a expressão de Freddie, tratado pelo diretor como um gênio ao fazer referência a uma cena de Amadeus (1984, Milos Forman) – assim como no filme de Forman, aqui Freddie toca o piano de cabeça para baixo. Entre easter eggs – uma rápida visão de David Bowie, um “Ready, Freddie?” de Brian – e algumas das melhores músicas da banda, descobrimos Freddie enquanto ele se descobre.
Isso não acontece só musicalmente, felizmente. Uma das polêmicas na pré-produção foi uma declaração de Brian May dizendo que a questão da sexualidade de Freddie e sua doença não seriam abordadas na produção. O que acontece, no entanto, é que o protagonista tem sua persona destrinchada entre buscar inspiração nas suas criações e se descobrir também seus limites. Então, ele é apresentado como um eterno apaixonado por Mary, inclusive trocando juras de amor eterno, mas sem deixar de mostrar sua homossexualidade. É verdade que hoje em dia Freddie poderia ser encaixado melhor como queer, alguém fluido na sexualidade, mas mostrar suas relações com homens depois de Mary tem um significado ligado ao conservadorismo comentando no início.
Nem tudo é perfeito como a voz de Freddie nesse filme. Primeiro, temos uma tresloucada decisão de atrasar ou adiantar eventos, algo que funciona de vez em quando para dar uma dramaticidade além da verdade. Por exemplo, a apresentação no Rock in Rio é trazida uns bons 6 ou 7 anos antes para coincidir com a separação de Freddie e Mary ao som inesquecível de Love of my Life em uníssono pelo público. Se podemos perdoar Singer por essa liberdade poética, não é possível fazer o mesmo com outros momentos-chave da história da banda: por exemplo, We Will Rock é mostrada como uma criação do começo dos anos 1980, quando na verdade ela é do disco News of the World (de 1977). É verdade que só os fãs da banda vão identificar esses desvios, mas nós merecíamos essa atenção especial.
E mesmo para quem não é um grande apreciador da carreira do Queen estranha a passagem de tempo nesse filme que não é nada curto. Com mais de duas horas de duração, Singer até consegue usar o ritmo para passar a ideia de como a carreira do quarteto foi meteórica, mas estranhamos quando Freddie sai da sua casa no subúrbio para a mansão que cada um de seus gatos tinha um cômodo próprio. Esse pulo no tempo mostra sim a mudança em Freddie, visualmente inclusive. Com seu visual mais conhecido com cabelos curtos e bigodes – ignorando a fase sem bigode – essa parte funciona mais para mostrar a solidão que o vocalista vivia e que tentava suprir com suas lendárias festas.
Isso faz como que a produção seja um tanto rasa na abordagem da vida de Freddie, provavelmente um reflexo das brigas internas de Singer – que apesar de ser creditado como único diretor, teve o trabalho complementado por Dexter Fletcher. Vejam só, apesar da carreira do Queen ter crescido monstruosamente em pouco tempo, o filme mostra poucas rusgas, e elas são resolvidas rapidamente, de novo pensando em uma questão dramática que deu dinamismo ao filme, mas tirou um pouco da falibilidade dos quatros que se tratavam como família. Mas é curioso que um momento questionável como esse traga um dos momentos mais emocionantes do filme com Freddie reencontrando Jim Hutton (McCusker) e se reconectando com suas duas famílias.
O filme, além de ser isso propriamente dito, é uma explosão musical, o que significa que deve ser visto e ouvido no melhor cinema que puder. Essa sensação é aumentada quando Freddie busca inspiração no silêncio e onde o diretor, sabiamente, mostra que é possível fazer um filme como música sem que ela precise estar presente nos nossos ouvidos o tempo todo. Ao mesmo tempo, há um exagero de Singer ao deixar as quatro músicas executadas pelo Queen no Live Aid – Bohemian Rhapsody, Radio Ga Ga, Hammer to Fall e We Are The Champions – inteiras. Claro que é impactante e aquele começo hesitante onde Malek incorpora o que Freddie deve ter passado sabendo que a AIDS já o estava prejudicando é importante, mas cortar um pouco da apresentação não faria mal.
Apesar dos exageros, alguns estéticos como aquelas legendas dos anos 1970 para mostrar as cidades que a banda passou, o filme é emocionante e causa impacto, principalmente para os fãs. Ao contar a história de alguém que brilhou tanto, mas por tão pouco tempo nos relembra da tragédia que foi a AIDS – e ainda é, apesar dos grandes avanços – e de como devemos apreciar esses milagres da vida como Freddie Mercury foi. Um filme de pouco mais de duas horas não foi o suficiente, e talvez nem uma série de cinco capítulos fossem para mostrar tudo o que o vocalista do Queen foi.
O que sobrou foi assistir Bohemian Rhapsody, ouvir Bohemian Rhapsody – e se possível, toda a discografia do Queen e, se der tempo, os trabalhos solos –, celebrar tudo o que essa pessoa nos deixou e passar para frente a emoção que Singer tentou transmitir em seu filme, mesmo com alguns percalços feitos em nome de um drama na maioria das vezes desnecessário. Porque um dia, daqui muitos anos, novas estrelas pop irão surgir e aquela música do momento estará nos ouvidos de metade do mundo. Ainda assim, uma criança que hoje nem é nascida, irá se levantar para dizer que Freddie Mercury ainda é o maior vocalista de todos os tempos.
Elenco
Rami Malek
Lucy Boynton
Gwilym Lee
Ben Hardy
Joseph Mazzello
Aidan Gillen
Tom Hollander
Mike Myers
Direção
Bryan Singer (X-Men: Apocalypse)
Roteiro
Anthony McCarten
Argumento
Anthony McCarten
Peter Morgan
Fotografia
Newton Thomas Sigel
Trilha Sonora
John Ottman
Queen
Montagem
John Ottman
País
Estados Unidos
Reino Unido
Distribuição
20th Century Fox
Duração
134 minutos
Data de estreia
01/nov/2018
O filme foca na vida pessoal, musical e amorosa de Freddie Mercury: a criação do Queen, o descobrimento de sua sexualidade culimando no show do Live Aid em 1985.
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