Para os adultos,
Uma Dobra no Tempo pode parecer demasiadamente simples e com poucas novidades. Apesar disso poder se confirmar na tela, é também verdade que a história emula um universo mais simples porque quer atingir um público-alvo específico. As crianças de até uns 10 ou 12 anos encontram aqui momentos de aventura, atos de coragem e um discurso de aceitação naquela que é a fase mais difícil do amadurecimento. Provavelmente, o adulto que não se identificar com a trama deixou há muito tempo essa inocência e esses problemas, focando no seu chato mundo real, sem perceber que essa produção não é feita para eles.
E até injusto não encarar a produção como algo além da proposta de ser um conto de fadas moderno, dado a estranheza que toma conta do filme ainda nos primeiros minutos. Em primeiro lugar, DuVernay diz por meio das lentes, que esse é um filme do ponto de vista infantil ao colocar a câmera na altura dos olhos de Meg (Reid) ou de Charles Wallace (McCabe). E quando a Sra Queé (Witherspoon) aparece na casa dos irmãos, há um ligeiro questionamento da mãe deles, mas que é resolvido com simplicidade, por causa da maneira excêntrica da Elemental, e com um toque de cordialidade. Esse dinamismo vai fazer parte de todo o filme.
Apesar da duração (quase duas horas), o que pode causar distrações nos mais jovens, a história se desenvolve de maneira bem rápida para quem for assistir manter o foco. Apenas para um exercício de comparação, em
O Hobbit: Uma Jornada Inesperada, Bilbo leva quarenta minutos para sair do condado. Aqui, Meg, Charles e Calvin (Miller) já estão embarcando na viagem por meio de tesseracts com aproximadamente vinte minutos de espera. É o cúmulo da empolgação, uma característica mais forte no mais novo da equipe, mas que representa o espírito da aventura cheia de cores e ainda com esperança, principalmente com a descoberta que Alexander (Pine), pai de Meg e Charles, está vivo.
Nesse mundo de seres cósmicos e males antigos, a Sra Queé questiona a Sra Qual (Winfrey) sobre o seu tamanho errado – o que ela responde, falando também para os jovens, “
existe algo como tamanho errado”? Nisso está o sumo dessa aventura. O jovem trio, inexperientes no tocantes dos segredos do universo, embarcam numa jornada em que o tamanho físico não importa – outro eco na obra de Tolkien, e não será o último – mas sim o que são por dentro. Algo que a entidade chamada Aquilo (Oyelewo) deseja. Algo básico que qualquer adulto pode entender – mais que isso, antecipar – mas que para crianças que ainda estão formando seu caráter, pode fazer muita diferença.
Por isso que nós, sendo adultos, identificamos muito facilmente os signos do filme. De uma maneira ou outra, já estivemos lá várias vezes. Tomem como exemplo o planeta Uriel, primeiro destino do sexteto: é um lugar colorido, luminoso e que é a base da esperança renovada de Meg e Charles reverem o pai. É óbvio que aqueles momentos onde a fotografia salta aos olhos é a calma antes da tempestade. Mas esse tipo contraste é importante, e algo que talvez só se consiga por causa dos filmes, para que as crianças comecem a formar seus próprios juízos e a perceber como estruturar histórias, ficcionais ou não.
E falando de estruturas, do roteiro em si, é engraçado notar como a adaptação faz questão de ensinar algumas coisas. Podem ser coisas impossíveis, como a Sra Queé falar “em cor” com plantas cientes, as citações que a Sra Quem (Kaling) usa para se expressar no nosso mundo, ou as lições de física que Meg e seus companheiros tem que usar, como flutuar em queda livre, ou se equilibrar nas pedras da casa de Seu Caminho (Galifianakis). No fim, é uma história sobre se aceitar e ter coragem para ser um agente da mudança e entender a própria beleza, fora de rótulos e padrões.
O porém da história é na concepção d’Aquilo, uma entidade que viaja mais rápido que a luz. E não por causa dessa improbidade física, mas por dizer para as crianças que o mal é algo externo, ao invés de inerente ao ser humano. Dentro de uma história que tenta dar uma lição de moral, a entidade maligna acaba fazendo par com o Diabo da cultura judaico-cristã, um ser que pelo seu poder poderia mudar a natureza das pessoas – algo que é mais comum na crença das vertentes evangélicas. Essa é a única simplificação realmente incômoda da história, pois seria mais poético que a luz dentro de nós fosse a verdadeira arma para lutar com essa escuridão que também está conosco.
Há também algo de amadurecimento na trama, uma coisa que atinge mais Meg que protege seu irmão mais novo. É a parte menos sutil da história, mas é sobre as marcas que nossos pais deixam em nós, seja por meio de cobranças ou numa separação, ainda que forçada. Um dos maiores passos que podemos dar e nos desvencilharmos das asas deles, mesmo que isso mude as relações – não é o fim do amor, apenas tirar aqueles que nos deram muito, tudo até, de um pedestal, pois são seres com virtudes e defeitos. Como qualquer ser humano.
Uma das frases mais marcantes do filme é quando Meg diz que merece ser amada. Pelo que ela é, não pelo que os outros esperam – e que mensagem forte é essa para tantos jovens por aí que lidam com pequenas cobranças e desafios inerentes da idade que nós, já calejados pela vida, podemos chamar de exagero, frescura ou pior, que nos fizeram pessoas mais fortes. A verdade é que nós somos o que somos apesar disso tudo, para o bem ou para o mal.
Além disso,
Uma Dobra no Tempo quebra alguns padrões como as mulheres não servirem de escada para os homens (ainda que eu não tenho certeza se o filme passa no teste de Bechdel) – bem da verdade, Calvin está lá só o espectador ter um par seu e a mãe de Meg e tão genial quanto seu pai. E há um ponto especial para jovens meninas negras por se verem representadas por terem uma protagonista parecida com elas na tela, e isso é lindo por si só. E uma decisão que traz um diferencial para a produção que não deve ser ignorado, o que mostra que a esse pode ser um filme simples, mas longe de ser simplório.
Elenco
Oprah Winfrey
Reese Witherspoon
Mindy Kaling
Gugu Mbatha-Raw
Michael Peña
Storm Reid
Zach Galifianakis
Chris Pine
Direção
Ava DuVernay (Selma: Uma Luta Pela Igualdade)
Roteiro
Jennifer Lee
Jeff Stockwell
Baseado em
Uma Dobra no Tempo (Madeleine L’Engle)
Trilha Sonora
Ramin Djawadi
Fotografia
Tobias A. Schliessler
Montagem
Spencer Averick
Duração
109 minutos
País
Estados Unidos
3D
Relevante
A jovem Meg e seu irmão, Charles Wallace, vivem uma realidade triste por causa do desparecimento do pai, anos atrás. Mas agora os dois têm a oportunidade de mudar tudo isso com a ajuda da Sra Qual, Queé e Quem que os levará aos confins do universo para resgatar o pai das crianças, prisioneiro de uma entidade cósmica e maligna.