Três Anúncios Para um Crime | Crítica | Three Billboards Outside Ebbing, Missouri, 2017
Três Anúncios Para um Crime é um filme de mudanças, misturando drama e toque de humor sombrio para minimizar uma questão tão delicada e triste como o retratado.
Existe um velho conselho que diz que devemos mudar devagar porque é difícil fazer grandes mudanças de uma hora para outra. Algo assim acontece na representação da cidade de Ebbing em Três Anúncios Para um Crime. Aquele lugar é um microuniverso de um pensamento enraizado há muito tempo na cultura ocidental – machismo e preconceito, por exemplo –, que só depois de uma tragédia coloca-se em movimento. Ao usar alguns elementos familiares de histórias de crime e investigação, McDonagh consegue enganar a plateia, até sermos puxados para a realidade, numa lembrança do que é a própria vida, um conjunto de momentos que nem sempre são justos ou fazem sentido.
Da mesma maneira que muitos filmes recentemente desenvolvidos sob uma bandeira preocupante do crescimento de um pensamento mais conservador, dentro da realidade dos EUA, a briga de Mildred (McDormand) é uma contra um poder estabelecido. Nesse caso, contra a força policial da cidade de Ebbing (e notem como a música que introduz a personagem parece saído de algo dirigido por Sergio Leone), em especial contra o Chefe Bill Willoughby (Harrelson) – não por ele ser uma figura ruim, mas por ser quem guarda a segurança daquela cidade. Para essa batalha, ela usa as armas que tem: sua esperteza, uma dose de atrevimento e uma agência de publicidade que fica na calçada oposta à da delegacia – outro tipo de poder, esse em oposição física e um tanto ideológica. E para reforçar que essa é uma batalha contra um sistema e não contra pessoas, a atitude de Mildred para Bill muda na cena em que ele cospe sangue nela.
O pesadíssimo tema do estupro e morte da filha de Mildred é suavizado, se isso é possível, pelas interações de comédia na trama, principalmente no preconceituoso Dixon (Rockwell). A maioria das ações dele são caricatas, algo que à primeira vista pode ser encarada como uma decisão superficial do diretor ao policial. Porém, é justo crer que esse personagem só tira risadas porque ele é digno de escárnio. Não por ser uma comédia pastelão, mas porque suas ideias não são – ou pelo menos não deveriam ser – toleradas pela sociedade atual. É difícil encarar a trama com seriedade nesses momentos, mas servem para relaxar um pouco da tensão, como a inesperada solução, pouco crível, é verdade, do impasse quase mexicano entre Mildred, seu ex-marido e o filho dos dois.
A maioria dos personagens têm algo de detestável – até mesmo Mildred, mesmo que a perdoemos por não conseguir mais ser gentil com ninguém além do filho – e por isso nos encontramos tentando gostar de Willoughby, algo forçado pelo diretor também. E é difícil, pois McDonagh quer que nos afeiçoemos por alguém que usa termos pejorativos como “pretos” e “bichas”. Porém, isso tem a ver com a questão da mudança. Fazendo um paralelo com a obra Gabriela, Cravo e Canela (Jorge Amado, 1958), onde o assassinato de honra começa a transformar aquela sociedade, a mudança de pensamento do chefe da policial daquele lugar vem da tragédia que Mildred passou. Ou seja, é uma mudança gradual, que aos poucos afeta os personagens, mas não instantaneamente.
Mas sim, Willoughby é pintado como um herói no começo, alguém que dentro daquele universo de racismo e sexismo tenta fazer a diferença. Até a maneira como ele começa a fazer mais investigações, o jeito de caubói de seu figurino e as broncas dele em Dixon fazem isso. Então a plateia crê, por um momento, que ele ainda será esse herói, mesmo com decisões questionáveis. Isso nos faz torcer por ele – algo que é quebrado por sua partida inesperada, mimetizando a nossa vida nesse mundo, um lugar que muitas vezes vemos ser extirpada da justiça, seja ela divina – aliás, outra instituição que Mildred tem um confronto – ou humana.
Uma das falhas da narrativa de McDonagh é a maneira exagerada de alguns elementos. Longe de ser um filme racista como foi alardeado em alguns lugares, o diretor/roteirista cai na armadilha do lugar comum na retratação dos poucos negros na sua história. Para ele, parece óbvio que o único casal jovem e negro da cidade comece a sair. Claro que não são os únicos, mas é uma velha visão – afinal, não é representatividade você simplesmente colocar um negro para fazer papel de um negro, mas colocá-lo como impulso para a história. Outro exagero é a discussão vista em flashback de Mildred e sua filha, onde as duas evocam um desejo de estupro exatamente no dia em que o crime ocorre. Foi demais, só isso.
As mudanças que os personagens daquela cidadezinha decadente, com outdoors colocados num lugar esquecido, não são transformados por completo, mas espera-se que exista uma fagulha de mudança, principalmente depois de um julgamento que vem pelo fogo. Três Anúncios Para um Crime tem exageros perdoáveis e outros nem tanto, mas devemos perguntar se estamos julgando aqueles personagens por nossos valores. O que acontece é que as decisões da maioria deles são questionáveis, mas, como vemos na viagem que fecha a história, precisamos de tempo para pensar o que estamos fazendo. E nesse mundo de bombardeios extremistas, tempo para refletir é algo necessário.
Três Anúncios Para um Crime concorre ao Oscar 2018 nas categorias Melhor Atriz (Frances McDormand), Melhor Filme (Graham Broadbent, Pete Czernin e Martin McDonagh), Melhor Ator Coadjuvante (Woody Harrelson e Sam Rockwell), Melhor Roteiro Original (Martin McDonagh), Melhor Monategem (Jon Gregory) e Melhor Trilha Sonora Original (Carter Burwell).
Elenco
Frances McDormand
Woody Harrelson
Sam Rockwell
John Hawkes
Peter Dinklage
Direção
Martin McDonagh
Roteiro
Martin McDonagh
Fotografia
Jon Gregory
Trilha Sonora
Carter Burwell
Montagem
Jon Gregory
País
Estados Unidos
Duração
115 minutos
Mildred volta à cidade que viu uma tragédia se abater sobre ela: o estupro e a assassinato da filha. Acreditando que a justiça da cidade é muito lenta, ela começa a agir para atrair a atenção novamente ao caso na esperança que os culpados sejam encontrados.
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