Submersão | Crítica | Submergence, 2018
Longe do seu auge, Win Wenders transforma poesia em imagens com Submersão, ainda que não seja totalmente feliz nisso.
O ponto entre a luz e a escuridão é onde Win Wenders trabalha na sua Submersão: um lugar equidistante, onde podemos ver tanto o bom que deixamos, quanto o mal que nos espera. O diretor sofre de um mal próprio, a do cineasta que viveu muito, produziu tanto quanto, e agora sofre por não se atualizar e não encontrar um lugar de destaque nos anos 2000 à frente. Seu trabalho, porém, continua poético e dotado de uma beleza estética difícil de ser ignorada. Pensar nos trabalhos de seu auge pode ser frustrante e até um desafio para paciência ao vermos os recentes, mas ele é um daqueles seres que podemos dar mais uma chance.
Wenders, apesar da veia mais lírica, começa a narrativa de maneira bem didática com Danielle (Vikander) e James (McVoy) separados fisicamente, um oceano de distância, e pela situação de suas vidas, embora dividindo pensamentos. Enquanto Danielle pensa o que pode ter sido dele no mar aberto, James se apega na memória do primeiro e único encontro dos dois enquanto prisioneiro do Estado Islâmico. Até a maneira do diretor entrar no flashback dessa época é bem comum, com o fechar dos olhos de James e um flash de luz branca expandindo para a tela. Estruturalmente falando, essa decisão de apresenta-los no pior momento nos dá vontade de querer saber como ambos foram parar naquelas situações.
E o que Wenders mais gosta de fazer é brincar com essas oposições, colocando momentos justapostos para enfatizar a diferença de gostos e jeitos – ele prefere uísque enquanto ela vinho; o escocês aparenta ser culto enquanto ela é de verdade; James tem um sono agitado e o de Danielle é tranquilo – para marcar a proximidade que esses opostos irão se atrair. De novo, básico, didático. Porém há, aqui e ali, pontos que quebram a normalidade e trazem a poesia de volta, como o elo dos dois. Ainda que sejam oposições, pois a relação de Danielle com a água é verdadeira e a de James é uma fachada. Mas é nos olhos azuis de James que ela mergulha e encontramos a poesia dentro do comum.
De novo, somos levados a pensar no classicismo dessa narrativa, quase shakespeariano. Podemos entender que o amor entre Danny e James tem algo de Romeu e Julieta, o casal que mal se conhecia e não saiam do pensamento um do outro. Mas precisamos levar em conta o fato que isso acontece antes da escuridão que ambos terão que provar – e por isso eles se seguram no último momento belo que tiveram. Claro que no caso de Danny a imensidão do profundo do mar é belo por si só, mas há um risco de tudo dar errado na missão. Então, uma última palavra de carinho, além da confirmação de que alguém está esperando por ela na superfície, é um acalanto. Para James, não existe nada além da esperança dentro de um buraco.
Também não podemos deixar de olhar pelo prisma que esse tradicionalismo se coloca na escolha da apresentação de Danny. Apesar de não ser uma escada para James, a co-protagonista sofre do mal da Smurfette, sendo uma personagem sim com destaque, inteligente, mas que não tem uma colega mulher para dividir o tempo em tela – até os companheiros que submergem com ela são todos homens. Mas, se é de alguma valia, Wenders faz uma crítica ao feminicídio e o preconceito contra a mulher numa cena que é comum em lugares dominados pelo EI: o apedrejamento de uma africana, talvez acusada de adultério. E ao invés de ser cru, o diretor prefere apresentar o fato sem focar na violência graficamente, usando sons para mostrar que ela existe, sem precisar mostra-la.
É interessante notarmos que Wenders quis fazer também um filme de espionagem, algo pouco familiar e que se embola com outros temas. Até o nome do personagem é misto de homenagens – James (Bond) e More (que lembra Moore, um dos interpretes de 007) – o que pode enganar o espectador que esse será um filme comum do gênero, onde esse James encontrará uma solução quase mágica para sair daquele buraco. Mas é verdade que há um exagero na mistura dos temas. Além de ser um filme de romance e espionagem, a história embarca em terrorismo e mudanças climáticas. Mesmo apontando para uma mensagem um tanto melodramática que é o amor que importa, essa mistura tem suas travas que impedem o dinamismo.
A diferença entre as escuridões, a da natureza versus a humana, também é tema dessa história. Coisas que tentamos entender, cada um do seu jeito. Não há muito espaço para nos aprofundarmos no que faz alguém se tornar um jihadista radical, apenas um breve discurso do Dr Shadid (Siddig) sobre as intervenções chamadas de cruzadas por ele, uma situação que cai num desespero melancólico quando admite que ele será morto logo, assim como acredita que acontecerá com James. E sabendo o terreno espinhoso que se encontra, Wenders filma os radicais religiosos sempre mascarados, com exceção de seus líderes (e um combatente quse se compadece de James), para reforçar que a crítica é contra um sistema, e não com as pessoas que são cooptadas pelo discurso.
Dentro desse mundo proposto, entre belezas e tristezas, Wenders consegue nos arrastar para o fundo da escuridão – mas o que mais queremos em Submersão é ver esses personagens bem. Ainda que um dos destinos seja óbvio, é impossível não torcer para que tudo acabe em luz. O que acontece, de certa maneira, no último frame do filme. Se somos seres divididos entre dois mundos – que podem ser vários: sociedade e família; diversão e trabalho; escolha um -, é aceitável acreditar que nós no seguremos nos bons para atravessar adversidades. É com certeza uma história já contada de outras maneiras, mas pelo prisma de alguém mais preocupado com meio do que a mensagem.
Elenco
Alicia Vikander
James McAvoy
Hakeemshady Mohamed
Alexander Siddig
Alex Hafner
Celyn Jones
Darian Martin
Charlotte Rampling
Direção
Wim Wenders
Roteiro
Erin Dignam
Baseado em
Submersão (J. M. Ledgard)
Fotografia
Benoit Debie
Trilha Sonora
Fernando Velazquez
Montagem
Benoit Debie
País
Estados Unidos
França
Espanha
Distribuição
Mars Distribution
Antena 3
Samuel Goldwyn Films
Duração
112 minutos
Depois de conhecer Danny, James é enviado pelo governo britânico numa missão de espionagem na África. Lá, ele é capturado pelo Estado Islâmico. Danny está se preparando para uma missão submarina. Um não sabe o destino do outro e os dois se seguram nas boas lembranças que tiveram enquanto encaram suas próprias escuridões
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