PéPequeno | Crítica | Smallfoot, 2018
Diferente de outras animações que servem apenas de portfólio, PéPequeno é tanto engraçado quanto delicado ao tocar em assuntos relevantes e atuais.
É muito satisfatório quando uma animação se propõe ir além de ser uma produção simples e engraçada ao tocar em assuntos mais delicados. Em PéPequeno as crianças encontram motivos para sorrir e os adultos que levarem seus filhos tem a oportunidade de discutir com eles temas que elas ainda estão se familiarizando. Dentro de um universo de fantasia onde os iétis (ou abomináveis homens das neves) existem, a produção discute temas como aceitação, julgamento, integridade, o peso da tradição e aquilo que deveria ser o mais importante para a nossa sociedade, que é a verdade. À princípio, podem ser temas muito densos para os menores assimilarem, então é missão dos responsáveis mostrar o caminho, mas sem julgamentos.
Mesmo num ambiente gelado como as montanhas do Nepal, Migo (Tatum) e seus semelhantes vivem bem, num sistema que há apenas uma ordem imutável: a que as leis, escritas em pedra, como o código de Hamurabi, são o compasso moral e quem sem ele a sociedade ruiria. Parece ridículo, mas, no cerne, toda religião se baseia nesse princípio que não tem nada a ver com evidências, mas uma crença no invisível. E é preciso ser alguém cabeça dura como o próprio protagonista, literalmente devido ao trabalho que ele terá naquela comunidade, para começar a questionar a história oficial do lugar. E como todas as mudanças, não é algo fácil.
Migo precisou ser catapultado da sua bolha, literal e fisicamente, para começar a discutir com o Guardião das Pedras (Common) que pelo menos uma das verdades das pedras que ele veste como manto, a de que não existe algo como o PéPequeno, pode ser que todas as outras também sejam mentiras. Ao contrário da primeira música do filme que afirma que nada precisa mudar, não incentiva a fazer perguntas e que está tudo bem é que começa o questionamento de Migo que, por meio da razão, acredita no que nos seus olhos viram ao invés da história que é passada por gerações, mesmo que esse evento seja desestabilizador para o mundo iéti.
Sendo um filme para crianças, a primeira parte é bem ligeira em apresentar os humanos, que Migo não duvida de si mesmo – a primeira grande lição do filme – e o desafio que é ele provar para seu povo que está falando a verdade, ainda que seja apenas para voltar para vida que tinha antes, e que ainda relute de embarcar nessa aventura, como acontece com a maioria dos heróis. Agora isolado por pensar diferente – outro aprendizado – Migo tem que contar com párias daquela sociedade, iétis com pelugem e tamanho diferente dos outros e que pelas suas opiniões subversivas são feitos de chacota, com a exceção por parte de Meechee (Zendaya). Filha do Guardião, ela represente o choque de gerações que parece assustar tanto pais e mães.
A brecada na narrativa acontece na introdução do humano Percy (Corden), que a partir daí será o elo entre o mundo dos humanos e dos iétis. E gostamos menos dele, um trunfo do roteiro que mostra que nós não somos exatamente confiáveis – afinal, é só ver o que fizemos com ecossistemas e espécies inteiras de animais. Mas ele representa também a boa parte que existe em nós, ainda que ele esteja sob pressão – com uma música que pega as batidas de Under Preassure do Queen para mostrar isso – e é arrastado por Migo para um novo mundo. E ao invés de tomar o caminho mais fácil fazendo que os dois personagens se entendessem logo de cara, a história mostra que existe ainda uma barreira da língua.
Enquanto Migo ouve a voz de Percy como um chiado, o vlogger ouve apenas rugidos saídos da criatura de 5 metros de altura. Isso não facilita a vida de nenhum deles, o que rende algumas piadas físicas fantásticas, mas que abre o caminho para outra discussão, a de que precisamos encontrar um meio de nos entender, ainda que nossos mundos sejam separados por qualquer tipo de barreira. Assim como a raça humana precisa entrar em harmonia com a natureza, Percy precisa embarcar na própria aventura, ainda que arrisque a vida, para poder entender melhor esse novo mundo que se apresenta, mesmo que a aceitação desse perigo tenha pouca hesitação do personagem.
De novo, a ideia de fazer um filme para que as crianças não se dispersem tem seu mérito. Sem percalços, Percy é apresentado a comunidade dos iétis que começam a questionar todas as coisas que acreditam. E, como costumam ser os religiosos mais ortodoxos ou defensores políticos de plantão, por maior que seja a evidência na frente deles, ainda existem aqueles que duvidam. Pode ser na ciência, na nutrição ou na política, sempre há alguém para manter o tal do status quo, deixando tudo como está, mesmo que um dogma seja fundado em mentiras, mesmo que venha com o discurso por um mundo melhor.
Claro que uma mudança nessas tão brutal no modo de vida trás um medo e um receio de se impor. São muitas vozes, algumas poderosas, que na falácia da autoridade amassaram tanto uma sociedade que indivíduos se encontram questionando a própria vida. Digamos que acontecesse com você: como encararia que o trabalho feito por uma vida inteira é sem sentido e que você é apenas uma peça de um mecanismo invisível? Enxergar as cordas nem sempre é fácil, mas elas fazem parte de nós há tanto tempo que cortá-las não vem sem algum tipo de sacrifício. E o medo faz parte dessa engenharia.
É o medo que faz Migo duvidar de suas convicções e é o mesmo sentimento que o Guardião tem, e por isso tenta se justificar nas suas escolhas, ainda que isso signifique tirar a de centenas. Ao jogar uma sombra vermelha sobre a verdade, é preciso de um pequeno empurrão, algo que aparece na figura de Dorgle (DeVito), pai de Migo, além de muita força de vontade e resiliência para mudar algo que foi aceito como uma verdade imutável como pedra. Mas outra grande lição que o filme deixa é que sempre bom que questionemos a todos, mesmo as figuras de autoridade, se tivermos com o que rebater.
Se outras animações do ano figuraram apenas como portfólio dos estúdios, PéPequeno conseguir ir além, deixando depois dos créditos mensagens importantes para as crianças, público-alvo da produção, e sem ser uma experiência penosa para os pais que as acompanharem. Entre as pancadas que Migo e Percy sofrem e as risadas que vem por causa de gritos das novidades que o jovem iéti experimenta, essa é uma obra interessante em tempos que muitos pregam o isolacionismo ao invés da união, acreditando em pessoas ou em coisas só por elas serem balizadas por uma tradição. É verdade que isso já foi abordado de maneira melhor em outras obras, mas não é nada ruim reforçar a mensagem para os herdeiros desse mundo.
Elenco
Channing Tatum
Zendaya
Common
LeBron James
Danny DeVito
James Corden
Gina Rodriguez
Yara Shahidi
Ely Henry
Jimmy Tatro
Direção
Karey Kirkpatrick
Roteiro
Karey Kirkpatrick
Clare Sera
Argumento
John Requa
Glenn Ficarra
Karey Kirkpatrick
Baseado em
Yeti Tracks (Sergio Pablos)
Trilha Sonora
Heitor Pereira
Montagem
Peter Ettinger
País
Estados Unidos
Distribuição
Warner Animation Group
Duração
96 minutos
Cena Extra
O jovem Migo vive feliz e sabe o quer do seu futuro. Mas tudo que ele e de todos seus amigos e família acreditam será posto em cheque quando ele descobre que uma raça lendária pode existir de verdade: o PéPequeno, também chamado de humano.
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