Oito Mulheres e um Segredo | Crítica | Ocean’s 8, 2018
Oito Mulheres e um Segredo vai tirar risos, tem um elenco fortíssimo e merecia ser dirigido por uma mulher para reforçar a ideia de representatividade.
O elenco de Oito Mulheres e um Segredo é um desfile de divas, multiétnico e racial, uma mistura que leva em conta quebras de status quo e que, provavelmente, vai incomodar aqueles que reclamam que um desenho animado está estragando suas preciosas memórias do passado. Essa mensagem poderia ter sido levada com mais força pelo estúdio, dando a cadeira à uma diretora ao invés de Ross, ainda que o roteiro seja assinado por Olivia Milch e se a relação de duas personagens fosse mais explícita. Entre planos e operações detalhadas, a trama ganha a audiência quando o assunto é diversão, mas tem problemas na solução de dificuldades apresentadas e uma correria não justificada quando nos aproximamos do fim.
Ao mesmo tempo que faz reverência aos três filmes de Soderbergh, Ross e Milch cortam laços desde o começo – como um cordão umbilical que separa mãe e filha, umas das primeiras falas de Debbie Ocean (Bullock) serve para quebrar o medo que essa fosse uma continuação direta das aventuras anteriores. Com a (aparente) morte do irmão, Debbie é livre para viver sua vida – e seus planos –, sem a aprovação de ninguém, mas sem perder o respeito de tudo que foi feito. E é engraçado como o diretor coloca a personagem conversando para a câmera, como se fosse a plateia, tentando nos convencer que ela mudou e vai deixar as vidas de crime.
Porém, Debbie é uma tigresa. E como diz o ditado, essa felina tem listras que não mudam. E sem perder a majestade, logo se coloca nos trilhos – melhor seria dizer que sai deles, afinal é isso que significa uma vida de crimes. É interessante que apesar desse filme não depender dos outros, eles servem quase como um background para o sangue dos Ocean, o que nos leva o o desenrolar do plano da protagonista quase imediatamente, como se estivéssemos acostumados mesmo sem conhecê-la, algo que Lou (Blanchett) entende e tenta fugir. Mas a personalidade de Debbie é como um imã.
E o que podemos falar de representatividade ou empoderamento na trama? Algumas coisas são sutis, como o fato de Debbie e Lou serem (ou pelo menos terem sido) um casal – e é uma grande falha isso ficar no subjetivo, como se o estúdio quisesse que esse fosse um filme palatável para a tradicional família brasileira – e outras mais diretas. Nesse caso, a própria base do filme, como aquele famoso pôster We Can Do It!: se um grupo de homens pôde comentar todas aquelas ousadias anteriormente, as mulheres também podem. Nesse quesito, a produção é uma ode à sororidade. Além disso, o roteiro foge de apresentar personagens por meio de estereótipos, então a personagem oriental não é a nerd do grupo, a negra não é a trombadinha e a jovem bela e rica não é só uma Barbie humana.
O que dá uma beleza diversa e necessária para a história. Entre diferentes idades, cores de pele e etnias, a equipe de Debbie vai além de cumprir cotas, com cada personagem tendo alguma contribuição ao invés de ficar só de enfeite – ou pior, servir de escada para personagens masculinos. Ao invés de ficarem em lugares que tradicionalmente apareciam – sendo secretárias, mães, ou à sombra daquela irmã que tem filhos – elas tomam o controle da situação, cada uma à sua maneira, com Debbie sendo o cérebro. Como acontece de vez em quando com nós mesmos, nossos sinais dão um leve desvio de caminho, o que nos fazem tropeçar ou deixar cair alguma coisa, e é tarefa da outra parte do organismo resolver a situação.
Porém, é nítida a falta de atenção aos detalhes no roteiro. Não tem nada a ver com a tecnologia quase mágica ou as habilidades de Bola 9 (Rihanna) como hacker, mas as pequenas e grandes conveniências. Se algo que Lost (2004-2010) nos ensinou é que um grande golpe precisa de um grande investimento, e não sabemos exatamente de onde vem o do plano – mesmo que Debbie tente nos convencer que não precisam de muito. Também há uma pressa em encaixar tudo num filme de menos de duas horas, o que deixa um espaço muito apertado para desenvolver melhor as personagens e que desemboca numa conclusão mais apressada ainda, como se fosse preciso acabar logo com o filme para que ele se encaixe num padrão.
O que nos leva ao cenário que praticamente nos faz desacreditar em tudo que vemos. Ao mesmo tempo que o roteiro apresenta sutis questões socioeconômicas – como usarem Bola 9 para fazer o papel da encarregada de limpeza, apontando a invisibilidade da profissão e da cor de pele –, o peso que a sociedade do padrão exige numa mulher linda como Daphne (Hathaway) ao se desesperar por se sentir enorme, ou o descarte que um ícone como Rose (Carter) se encontra por causa da idade, Ross e Milch tentam enganar o espectador com um elemento crucial na trama. Um tão importante que levam alguns minutos para entender seu funcionamento e como superá-lo. Apenas para depois ninguém se perguntar como a situação que aconteceu, veio a acontecer.
Com subversões de personagens – Tammy (Paulson) parecendo uma mãe de comercial de manteiga, mas manter um estoque de coisas roubadas, a própria ideia de Barbie em Daphne, Constance (Awkwafina) não ser a nerd oriental e Amita (Kaling) não ser a indiana com sotaque forte e pensar numa família grande e tradicional da produção é misto de bons e maus momentos. Alguns vão arrancar sorrisos, outros vão fazer questionamentos sobre o papel da mulher na sociedade e outros vão fazer falar “que conveniente” enquanto assiste. Porém, para quem gosta do gênero, a aventura de roubo continua sendo fascinante, principalmente quando nos vemos torcendo pelas personagens que não estão sendo nem um pouco altruístas.
É verdade que as partes divertidas tendem a ficar na memória mais que as outras e, como bons filmes de roubo fazem, esse não é um sobre redenção ou algo do gênero – o interessante são esses tons de cinza, perceber que as personagens podem ser criminosas e ainda assim simpáticas. E isso não tem nada a ver com gostar ou aprovar o que fazem: essa é uma fábula para mostram que elas podem. O que perturba a mente, deixando aquela sensação de deja-vu é a pouca ousadia de Oito Mulheres e um Segredo. Parece que estamos revisitando outros filmes com cenários similares – até decisões estéticas são parecidas com os filmes anteriores, faltando soltar amarras e ser verdadeiramente livre.
Elenco
Sandra Bullock
Cate Blanchett
Anne Hathaway
Mindy Kaling
Sarah Paulson
Awkwafina
Rihanna
Helena Bonham Carter
Direção
Gary Ross (Jogos Vorazes)
Roteiro
Gary Ross
Olivia Milch
Baseado em
personagens criados por George Clayton Johnson e Jack Golden Russell
Fotografia
Eigil Bryld
Trilha Sonora
Daniel Pemberton
Montagem
Juliette Welfling
País
Estados Unidos
Distribuição
Warner Bros. Pictures
Duração
110 minutos
Depois de cinco anos na cadeia, Debbie Ocean só quer saber de ter sua velha vida de volta: a de crimes ousados. Para isso, ela conta com a ajuda de outras seis mulheres que juntas bolam uma maneira de roubar um valioso colar de diamantes.
[críticas, comentários e voadoras no baço]
• email: [email protected]
• twitter: @tigrenocinema
• fan page facebook: http://www.facebook.com/umtigrenocinema
• grupo no facebook: https://www.facebook.com/groups/umtigrenocinema/
• Google Plus: https://www.google.com/+Umtigrenocinemacom
• Instagram: http://instagram/umtigrenocinema
• Assine a nossa newsletter!
Apoie o nosso trabalho!
Compartilhe!
- Clique para compartilhar no Facebook(abre em nova janela)
- Clique para compartilhar no Twitter(abre em nova janela)
- Clique para imprimir(abre em nova janela)
- Clique para compartilhar no WhatsApp(abre em nova janela)
- Clique para compartilhar no Telegram(abre em nova janela)
- Clique para compartilhar no Tumblr(abre em nova janela)
- Mais