Legalize Já: Amizade Nunca Morre | Crítica | 2018
- TIAGO
- 20 de outubro de 2018
- 7/10, Cinebiografia, cinema brasileiro, Críticas, Drama, Filmes
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Legalize Já: Amizade Nunca Morre é mais importante pelo subtítulo do que as palavras de ordem do título principal e uma bela homenagem.
Poderia ser um grito de revolta ou de ordem, mas Legalize Já: Amizade Nunca Morre é, como diz o subtítulo, um filme sobre amigos. Mais que a liberação de certas drogas para uso recreativo ou sobre a criação do Planet Hemp, é um recorte da periferia, de quem vive no corre e de um sistema que faz de tudo para massacrar nossos sonhos e nos adaptar aos conformes de uma sociedade com um nível baixo de cultura. Mas também é sobre rap, punk, aborto, AIDS e, claro, drogas. Os temas entram em confronto com a parte conservadora do nosso país, mas não é intenção dos diretores fugir dessas polêmicas – ao contrário, são bem conscientes disso.
É também uma história de dualidade, como Skunk (Silva) frisa na parceria artística com Marcelo D2 (Góes): amor e ódio, ying e yang ou “fluxo de cima e fluxo de baixo”. Tudo isso serve como massa para os dois diretores tirarem desses dois personagens os motivos que fizeram os dois funcionar tão bem juntos. Para quem acredita em tal coisa, o trombo dos dois nas suas respectivas fugas poderia ser chamada de destino, num encontro explosivo entre o punk e rap. O que aconteceria quando esses dois mundos colidem é o que Araújo e Bonafé colocam debaixo de um microscópio, entendendo como essa sorte ou acaso criou uma das bandas nacionais mais populares daquela década.
Felizmente, os diretores não tratam seus retratados como heróis. Aliás, desde o começo, Marcelo aparece com um cretino, uma pessoa que nem deu suporte a namorada Sônia (Provenzzano) num delicado momento da vida dela. Ele também solta frases racistas, chamando várias vezes Skunk de “viado”, mostrando que não é intenção do filme suavizar o personagem para uma plateia que pode ser fã do artista, mas para lembrar que ele era também alguém de sua época – mas sem justificar suas ações questionáveis, ainda que ele mostre um bom coração ao ajudar uma senhora que trabalhava com ele nas ruas do Rio de Janeiro.
Em suma, a história do filme é uma homenagem a Skunk, falecido em 1994 em decorrência das complicações da AIDS, um ano antes do Planet Hemp lançar o primeiro disco. Claro que podemos duvidar de que os encontros tenham ocorrido como ocorreram e apesar de ter dito que Marcelo não é pintado de dourado para melhorar sua imagem, a estrutura do filme lembra a jornada do herói: há um chamado para a aventura (fazer música), a negação desse chamado antes de aceita-la, uma dúvida no meio da jornada (com Marcelo aceitando um trabalho formal) e a presença de um mentor, Skunk no caso, que faz o aprendiz crescer.
E é na busca pela realidade para deixar essa parte que pode parecer um tanto fantástica por meio de tantas consequências que entra a escolha da fotografia lavada, quase um encontro entre o preto e branco e o sépia, de Pedro Cardillo que a produção encontra um entrave. Fica a sensação que está sempre frio – ou que o diretor de fotografia é um fã de Zack Snyder – sem um motivo sólido. A produção não dá um descanso desse clima que força o real, que só encontra um sentido quando Marcelo vê no seu trabalho um clipe passando na TV com cores fortes, como se fosse retirado da nossa realidade.
Isso é uma escolha estética que não invalida o restante da mensagem, mas incomoda um pouco depois de alguns minutos de filme. Acontece algo parecido com a escolha das músicas da trilha sonora. A música funciona quando está saindo dos fones de ouvido de Skunk, das gravações que a dupla faz ou dos shows. E no começo, os diretores apelam para intenção de deixar as coisas reais e mantém a trilha no campo da diegese. Por isso que não é compreensível alguns momentos com trilha sonora original, como se a cena precisasse de um sentimento a mais para existir, deixando no ar que certos pedaços são dirigidos mais por um do que por outro, ao invés de fazerem um trabalho coeso.
Por outro lado, tudo parece muito verdadeiro. A dupla tem que se virar com o que dá, aceitando shows sem remuneração, Marcelo tendo que se vender ao sistema, as questões da paternidade muito cedo, pagar o aluguel. Coisas que a maioria de nós passa ou passou um momento da nossa vida, diferente de ver os problemas de gente branca nas redes sociais. É como diz Skunk para Marcelo “te tratam como você fosse preto”, mas isso tem a ver com a situação social: não é só porque ele ter a pele mais clara que é olhado torto pelos policiais que encontra, e enfrentar essa realidade é difícil para Marcelo.
Claro que há espaços para simbolismo, e eles são bem-vindo – ainda que não sejam verdadeiros – como Marcel e Skunk andando na linha do bonde, nessa metáfora para arriscar a vida, em contraste como momentos tristes como o pai de Marcelo que o manda embora de casa, um momento que o cantor vira as costas e a partir daí Dark (Nercessian) não aparece mais na narrativa, ou a tragédia de Skunk, que se despede da audiência entre choros e risos, numa cena muito marcante que desagua no fim da produção. Essa é uma escolha para reforçar que o filme é mais sobre a amizade dos dois do que as outras coisas que fazem parte daquele universo.
Para quem quer conhecer um pouco mais da história do rap nacional, Legalize Já: Amizade Nunca Morre será um tanto fantasioso e talvez com menos detalhes que gostariam. Porém, o filme não é um documentário, e sim uma homenagem à uma amizade criada nas ruas, entre as pancadas da vida e de um mundo que pouco se importa com você. Lá estão as músicas de protesto de D2 e Skunk que fizeram o rap nacional ganhar projeção, os apoios e passadas de pernas que os personagens levaram, mostrando que nem sempre é a família de sangue que está ali por você, e um sentimento de não-conformidade em oposição à nossa realidade que tem se aproximado mais e mais do conservadorismo.
Elenco
Ernesto Alterio
Renato Góes
Ícaro Silva
Marina Provenzzano
Stepan Nercessian
Rafaela Mandelli
Shirley Cruz
Direção
Johnny Araujo
Gustavo Bonafe
Roteiro
Felipe Braga
Fotografia
Pedro Cardillo
Trilha Sonora
Marcelo D2
Montagem
Marcelo Junqueira
País
Brasil
Distribuição
Imagem Filmes
Duração
95 minutos
Data de lançamento
18/out/2018
O filme conta a história de como Skunk e Marcelo D2 se conheceram e como a forte amizade dos dois levou à criação do Planet Hemp.
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