Ford vs Ferrari | Crítica | Ford v Ferrari, 2019
O que poderia ser só um filme de homens e sua fixação por máquinas, Ford vs Ferrari se torna algo a mais ao falar de relações de trabalho.
Alguns filmes conseguem ser completos em várias frentes, mesmo que à princípio não pareçam, e Ford vs Ferrari é um exemplo. Poderia ser apenas a história do confronto de duas escuderias ou uma história de amizade e redenção. Porém, Mangold consegue fazer tudo isso ainda colocando uma dose de relações de poder na produção, sem deixar que os variados temas dessem um resultado disforme. A produção tem momentos variados para não tornar apenas a monotonia de quem acompanha corridas do lado de fora dos carros, nem fala apenas da relação dos protagonistas, e nem foca somente na competição entre Ford e Ferrari – ao contrário, o filme é muito feliz em falar de relações humanas antes da explosão dos motores.
Outros filmes já tiveram empresas como foco, mas não passavam de grandes propagandas, como Os Estagiários (The Internship, 2013, Shawn Levy), que mostra como é fantástico trabalhar no Google. Já Mangold começa com seu working class hero, Ken Milles (Bale), sendo escorraçado por um cliente de sua oficina. Corte para Henry Ford II (Lets), presidente da companhia que herdou de seu pai, ameaçando demitir os funcionários chão de fábrica que não lhe dessem uma boa ideia. Entra Carroll Shelby (Damon), mais uma peça dessa engrenagem que acredita que pode ser diferente, mas só recebe os golpes da realidade que lhe lembram seu lugar.
No meio dessa máquina de poder, Shelby e Milles se unem para fazer o que sabem melhor. É verdade que o filme pende a essa fixação dos americanos com carros, sempre querendo ser maiores e melhores, mas isso é visto também como uma piada. Isso é reforçado nem tão sutilmente, convenhamos, quando Mollie (Balfe), esposa de Milles, observa calmamente os dois amigos, muito machões, se espancarem num momento que facilmente poderia ser resolvido com uma conversa. São alguns detalhes que podem passar despercebido em meio ao desafio que os protagonistas aceitam, mas é tarefa da crítica ir além dessas camadas e ajudar a interpretar esses signos.
Sim, de vez em quando só falta alguém gritar “this is america” quando Ford e seus puxa-sacos procuram um meio de acabar com a Ferrari nas 24 Horas de Le Mans por algum motivo. Na verdade, sabemos o motivo: é a velha insegurança masculina, que aqui ganha tem tons de comédia, mas que poderia ser mais bem explorada com o dono da empresa americana e a da italiana. Há também uma crítica ao sonho americano de liberdade e querer é poder, da terra das oportunidades, uma estrutura também destruída quando Milles tem a oficina fechada por esse poder implacável por uma questão de impostos. Ou seja, você pode ser livre na terra da liberdade, desde que tenha dinheiro para isso.
Isso torna o filme dramático, apesar das partes mais leves e engraçadas, algo que acaba sendo uma lembrança constante. Seja pelas ameaças de um dos executivos da Ford sempre diminuir Milles por ele ser o que é, um trabalhador, ou o acidente que o piloto sofre nos testes. Há sempre uma sombra à espreita, mas existe também um ar de esperança deixada por Mangold, algo que o cinema bem feito é capaz, como se, de alguma maneira, fosse possível escapar das garras dos grandes manipuladores e dessa coisa que chamamos de História, que provou inúmeras vezes ser injusta e cruel.
Também podemos apontar como o filme trabalha as partes visuais, construindo esse universo real/romantizado, pois não importa muito se as coisas aconteceram exatamente daquele jeito. A relação entre Shelby e Milles é sempre inconstante, isso é contatado tanto pelo figurino – o vendedor sempre mais elegante, e o piloto mais simples, ou então se contrapondo em cores – no discurso em si ou em situações. Uma das partes mais marcantes e que dá o tom do filme até perto de sua conclusão é o discurso de Shelby aceitando publicamente ser o designer do carro de Ford. Ali, ele olha para o amigo, mas se esconde atrás dos óculos escuros, como se não conseguisse encará-lo.
Um filme desses seria mais fraco se não apelasse para o visual, mas, felizmente, são momentos como os mencionados no parágrafo acima que completam o externo com o simbólico. Apelando poucas vezes para flashbacks e narrações, o filme deixa se contar por si só, algo que é possível também pela atuação da dupla principal. Elementos como a música, a mixagem e o design de som vêm para enriquecer: ouvimos uma trilha jazzística para mostrar os ricos com mais estilo, músicas que parecem fazer parte dos roncos do motor – mas sem ofuscar esse importante som – e momento de silêncio quando a contemplação é necessária para o drama do filme.
Existe espaço para outros elogios na produção, que não se perde em detalhes técnicos da corrida constantemente. Há espaço para uma doçura com Milles e a família – inclusive com Molly mostrando que não é passiva nas decisões do esposo –, para técnicas como a montagem – a cena que mais mostra a urgência da tarefa de Shellby no ínterim entre a negação e aceitação ao chamado de Milles é na cena onde os dois estão comendo e a seguinte já o novo hangar do vendedor de carros – sem deixar de lado as relações dos chefes com seus funcionários, onde podemos notar que Ford não interage com Milles, apesar da importância dele para a trama.
Voltando à comédia, é engraçado vermos num filme com tantos Ford à vista falar tão mal da Ford. Pode ser de maneira não tão direta ou outras que, sem sombra de dúvida, estão lá para colocar os executivos no seu devido lugar, por exemplo, quando Shellby leva o chefe para um passeio que o faz se desmanchar em lágrimas de tanto medo que o engravatado passou. Então há um elemento surpresa em Ford vs Ferrari, principalmente se entrarmos na sala de cinema com um preconceito e esperando antes mesmo de dar uma chance que esse seria apenas um filme de corridas. Apesar de os fãs do automobilismo não saírem decepcionados, quem estiver procurando um pouco mais de profundidade também será recompensado.
Elenco
Matt Damon
Christian Bale
Caitriona Balfe
Jon Bernthal
Tracy Letts
Josh Lucas
Noah Jupe
Remo Girone
Ray McKinnon
Direção
James Mangold (Logan)
Roteiro
Jez Butterworth
John-Henry Butterworth
Jason Keller
Fotografia
Phedon Papamichael
Trilha Sonora
Marco Beltrami
Montagem
Michael McCusker
Andrew Buckland
País
Estados Unidos
Distribuição
20th Century Fox
Duração
152 minutos
Data de estreia
14/nov/2019
Na década de 1960, a Ferrari dominava o circuito de corridas enquanto a Ford se preocupava em vender seus carros para o consumidor comum. Uma briga de egos faz então o dono da comapnhia dos EUA querer bruga com seu concorrente em outras pistas. Para isso, ele contrata duas lendas das pistas americanas.
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