Ferrugem | Crítica | 2018
Ferrugem é uma produção sobre consequências e como uma vida pode acabar por preconceitos e com um arrastar de dedos.
Às vezes nos deparamos com coisas tão verdadeiras, ainda que ficcionais, no cinema que é difícil não nos encontrarmos em posição delicada depois de sairmos da sessão. Ferrugem é assim, um retrato preocupante que aflige em especial os mais jovens que nasceram num mundo onde desde de sempre vivem num mundo conectado e de hiperinformação. A crítica à sociedade do espetáculo, onde somos constantemente apontados e julgados é um triste atestado da nossa falta de empatia, uma epidemia grave que culmina nos eventos retratados na produção, dentro de um mundo onde os iguais se protegem para manter um status quo, não importando se isso é algo errado.
Divido em duas partes, o filme de Muritiba é como uma passagem da adolescência para a vida adulta, como a própria vida de Tati (Dopke) que é tirada da sua própria vida normal e até calma para uma turbulenta. A metáfora da visita ao aquário com seus colegas de turma é bem isso, um momento de calmaria até que a privacidade da jovem é invadida. O tema do revenge porn é só o primeiro dos assuntos atuais que a produção aborda, e o diretor sabe como usar a linguagem do virtual para contar a história da protagonista de maneira natural. Ao invés de apelar para flashbacks, Muritiba foca nas fotos que Tati vai passando com os dedos, e essa simplicidade faz a narrativa não perder o foco.
E não é exagero nenhum dizer que esse aparelhinho quase mágico que temos no nosso bolso é uma parte da nossa vida, quase um pedaço da nossa alma – pergunte a qualquer jovem que teve seu celular roubado ou que teve que ficar longe dele para confirmar essa afirmação – pelos segredos que ele guarda. Além da nudez física, o que acontece com Tati é uma exposição cretina, sem filtros e vinda de todos os lados por causa de um erro que não fez mal a ninguém. Como vivemos numa sociedade que ainda é muito influenciada por uma visão de castidade, ainda que não sejamos, somos tentados a ficar no lugar da grande cadeira do júri. E seriamos os próprios carrascos se pudéssemos.
Se nos primeiros momentos da história Muritiba filmava sua protagonista em planos bem fechados, como uma selfie, com Tati sempre encarando as lentes de frente, o mesmo não ocorre depois do vazamento do vídeo íntimo. A partir desse momento, as cores vivas e chamativas dão lugar à uma fotografia cinzenta, uma representação da vida sem graça de Tati, uma que até as amigas começam a se afastar dela – e agora, ela não encara mais a câmera de frente, que pode ser interpretada como a vida. Isso só volta a acontecer na conclusão da primeira parte da história, onde ela dá aos que a viram dezena de vezes o que queriam: algo para discutir.
Depois de ficar com uma marca que, assim como a ferrugem faz, vai deixando uma marca difícil de ser apagada, Tati é sacada da história para explorar as consequências desse ato cretino que propagado como a peste. E pelos olhos de Renet (Lorenzi) que vamos sentir o peso da ausência de Tati, um jovem como ela. Sendo isolado daquele mundo que compartilhava com ela por um pai superprotetor, mas que não conversa com o filho, as relações de poder dessa sociedade doente se mantem. Ao levar o filho para uma viagem, junto com o primo, é criada ali uma representação bem verdadeira de um mundo onde homens se protegem, por mais errado que estejam.
É uma realidade impressa na tela, uma sensação aumentada pela ausência de trilha sonora ou os espelhos pixados na escola com ofensas (e apenas um elogio) que Tati sente serem dirigidos a ela. E bem da verdade, é sobre as mulheres que caí esse peso – pode ser um discurso antigo, mas um homem nunca é julgado pela quantidade de mulheres que ele saiu. Outro peso cai na mãe de Renet, Raquel (Kiste) que é acusada de abandonar os filhos por viver uma nova vida e a de chata por incentivar que seu filho faça a coisa certa. Diferentemente do pai que quer deixar o filho dentro de um casulo.
Nessa situação de desespero de Renet, ele tenta se refugiar em ilusões. Primeiro, usando o celular como receptáculo, o que reforça a explanação que fiz antes sobre o celular ser um pedaço da alma de uma pessoa e depois usando símbolos da infância. Quando ele foge de casa para ir à uma antiga que não existe mais ou quando ele foge de casa para ir à uma antiga que não existe mais ou gira no eixo de uma balança, ele deseja uma época mais simples, onde aquele sofrimento e mentiras não faziam parte do cotidiano. Essas fugas são, claro, inócuas e qualquer um que já passou por situações complicadas sabe o inferno que é ao colocar a cabeça no travesseiro, se sobrou algo de bom dentro de si.
O discurso colocado à mesa sobre machismo, bullying e misoginia pode parecer atrasado, mas basta uma rápida pesquisa na internet para descobrir que o assunto abordado em Ferrugem ainda é relevante. Pensado também para os adultos, o filme foca com seu elenco jovem um caminho, até uma esperança de se mostrar relevante num mundo que provavelmente será engolido pelo blockbuster da próxima semana, algo difícil, tanto quanto conversar com esses jovens sobre os problemas que uma abordagem errada numa era automática pode trazer. As consequências estão aí para quem quiser ver e com um filme desses, por menor tempo de exposição que ele tenha, tem o potencial de abrir uma discussão sobre esses assuntos.
Elenco
Clarissa Kiste
Duda Azevedo
Enrique Diaz
Giovanni de Lorenzi
Pedro Inoue
Tifanny Dopke
Direção
Aly Muritiba
Roteiro
Aly Muritiba
Jessica Candal
Fotografia
Rui Poças
Montagem
João Menna Barreto
País
Brasil
Distribuição
Olhar Distribuição
Duração
99 minutos
Vivemos em mundo onde tudo pode ser compartilhado, até mesmo o que não se deve. E Tati descobre isso da pior mandeira quando tem um vídeo seu divulgado via Whatsapp – e agora, como conviver com essa invasão de privacidade?
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