Elis | Crítica | 2016, Brasil
Elis é uma cinebiografia que homenageia uma das maiores vozes da MPB sem esconder seus defeitos.
Elenco: Andréia Horta, Gustavo Machado, Caco Ciocler, Lucio Mauro Filho, Julio Andrade, Zécarlos Machado, Rodrigo Pandolfo, Icaro Silva, César Troncoso, Isabel Wilker, Bruce Gomlevsky | Roteiro: Luiz Bolognesi, Vera Egito, Hugo Prata | Direção: Hugo Prata
Quantos menos adjetivos para descrever uma obra, melhor. Então é mais que justo dizer que Elis é um grito. Hugo Prata grita Elis em todos os cantos do seu filme, tão forte quanto a voz característica da musa da Música Popular Brasileira. O filme é uma ode de paixão à uma cantora que foi querida por tantos, mas sem deixar de lado as imperfeições de seus rastros na sua curta passagem de trinta e seis anos nesse planeta. É uma daquelas obras pensadas tanto para apresentar detalhes da vida para aqueles que não a conheciam bem e para quem já é fã da artista.
A vida de uma das cantoras mais conhecidas do Brasil foi envolta em música, e Prata faz seu filme ser embalado nela também. No começo, Elis (Horta) canta “Como Nosso Pais”, e a música se torna um flashback, nos levando de Porto Alegre ao Rio de Janeiro. “Eu vou ficar nesta cidade, não vou voltar pro sertão” diz a letra da famosa música, reflexo da sua decisão. Apesar da realidade bater como um banho de água fria, numa brincadeira apontada na narrativa pela fala do porteiro de um hotel, Prata mostra uma personagem forte e decidida o suficiente para peitar o pai. E a fotografia avermelhada que cobre a jovem quando conhece Miele (Mauro Filho) remete à essa vontade e ao apelido Pimentinha, que seria dado anos mais tarde por Vinícius de Morais.
Esse espírito inquieto de Elis é transformado em linguagem visual de maneiras eficientes na narrativa do filme – como o incômodo de perceber que quem fazia sucesso musical estava preso no esquema banquinho e violão – e também na montagem com cortes rápidos – as cenas das apresentações dela no bar de Miele são um bom exemplo disso – que funcionam tanto para acelerar a passagem do tempo quanto para mostrar a diferença de postura entre um momento e o seguinte na carreira da jovem. Podemos notar também como o uso de luzes e brilhos fazem parte da vida de Elis, e o diretor a coloca muitas vezes em planos iluminados por luzes spot, dando mais destaque à personagem, um elemento que funciona tanto de modo subjetivo como realista.
Realidade aliás que não deixa de estar presente em todos os momentos da vida de Elis no filme. Logo no começo, podemos ouvir ao fundo o ruído de um rádio com a notícia anunciando a tomada do poder pelo exército, um tema que acompanha outros momentos da história. Há uma ligação interessante com isso que chamei de ruído, pois esse é um filme bem musicado. Mas numa das cenas mais tensas, quando a protagonista é chamada para prestar um depoimento num quartel, Prata corta a música de fundo, numa cena sem cortes – diferente na área da montagem até então – onde ouvimos só o tique do relógio.
Por essa tensão toda tomada pelo silêncio que é incômodo, mas não de modo reflexivo, a cena em que Elis volta correndo para casa para se certificar que o filho pequeno está bem. Prata usa um dramalhão desnecessário para aumentar a sensação de desespero de Elis, num momento que já era tenso por si só. Não é o único erro do filme – a atuação de Horta de vez em quando beira o exagero, como na cena de abertura onde a atriz não consegue olhar normalmente para a câmera –, como podemos perceber em especial no terceiro ato que tem problemas de ritmo e é espremido para contar mais histórias. Faltou equilíbrio, apesar do filme ter quase duas horas. Felizmente, não é um problema grande o bastante para tirar o brilho do filme.
A vida de Elis é mostrada na produção como um rompante que vai crescendo rapidamente. No confronto com o pai, a discussão sobre drogas e álcool que fazem paralelo com seu futuro problema e seus amantes. Prata usa de perspicácia para essa representação da cantora, representando uma ascensão digna de uma estrela que brilhou tanto e por um período tão curto. Nessa busca por mostrar uma reinvenção, o desafio constante de Elis, é onde o diretor mais emociona quem assiste, algo que acalenta do triste fim que sabemos que está logo a frente.
Além de ser um filme forte e apaixonante, a produção também conquista por outros motivos. É preciso dar atenção aos figurinos – vejam como Cristina Camargo veste a sua protagonista no começo de maneira simples, vai dando mais requinte ao visual da cantora durante sua subida e principalmente a do quartel, que lembra um uniforme militar – a já mais uma vez citada montagem de Tiago Feliciano e a fotografia e a iluminação que parece colocar a protagonista num palco mesmo quando está fora dele. É um trabalho primoroso e pouco comum no cinema comercial nacional, aquele que é filmado e finalizado em quatro meses a toque de caixa. Essa produção é, além de tudo, um estudo de caso.
Hugo Prata respirava música antes dessa empreitada, a primeira no cinema. E Elis é um respiro também. Ou seria melhor dizer, um sopro forte que preenche o vazio deixado por uma cantora tão extraordinária. Sem deixar as polêmicas de lado – a apresentação feita para os militares e sua morte em decorrência dos abusos de drogas e álcool – temos o retrato sincero e humano de uma grande artista. Sem remoer muito a morte da cantora, algo desnecessário, Prata termina seu filme como o começou. Embalado por música, dessa vez com “Velha Roupa Colorida”, o diretor deixa o clima mais alegre, uma lembrança melhor que a de um caixão fechado coberto de lágrimas. É melhor assim, deixar o pensamento de que “precisamos todos rejuvenescer”.
Elis | Trailer
Elis | Pôster
Elis | Imagens
Elis | Sinopse
“A vida de Elis Regina – indiscutivelmente a maior cantora brasileira de todos os tempos -, é contada nesta cinebiografia em ritmo energético e pulsante. A trendsetter cultural que sinalizou a mudança de estilos de Bossa Nova para MPB, a “pimentinha” ardente (brilhantemente interpretada por Andréia Horta), que viveu uma vida turbulenta. Ao mesmo tempo em que se chocava com a Ditadura Militar no Brasil, ela lutou com seus próprios demônios pessoais. Elis, o filme, está imbuído da alma da cantora e do país que ela amava”.
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