Clímax | Crítica | Climax, 2018
Gaspar Noé chegou no ápice com seu Clímax, um filme que é um primor no quesito direção e técnica, mas que falha em ser humano.
Podemos todos chegar a um consenso de que Clímax é uma experiência, agora cabe a cada um como assimilar o filme depois de seus 90 minutos. Sem dúvidas se entregando ao trabalho de direção, montagem e uso da trilha sonora, Gaspar Noé mostra que é um cineasta completo. Dito isso, é necessário apontar que essa produção reforça as acusações que o diretor eventualmente recebe. Com alguns problemas de desenvolvimento, a trama se sustenta por uma narrativa que passa da harmonia para o caos, mostrando que basta uma coisa errada – uma suspeita, por exemplo – para que tudo venha abaixo. Então, o problema não está no estudo antropológico do diretor, mas sim na maneira como isso nos é apresentado.
Partindo do plano sequência e multiétnico de dançarinos à frente da bandeira francesa é a primeira tentativa de Noé de criar conexão entre os personagens – mas também com plateia. Apesar de não conhecermos ainda quem são, os 23 personagens dançam em harmonia, quase como um organismo que comandados por um cérebro, a música eletrônica no caso, se entendem e não se trombam. Ali, cada um sabe seu papel. Nos primeiros quinze minutos sem cortes aparentes, Noé apresenta seus personagens no seu melhor, cheio de sorrisos, decisões sensatas e alguns diálogos que mostram preocupação de um com o outro. E, aos poucos, o caos toma conta da narrativa.
Na parte seguinte, Noé separa vários núcleos para aproximar mais os personagens individualmente. Qualquer um que esteve em festas sabe que isso acontece. Eventualmente, você se acha conversando com um grupo mais fechado, ou até mesmo só você e mais uma pessoa, para observar, às vezes expressar algumas besteiras que não diria em público, antes de voltar a interagir com todos. E para isso, o diretor abandona o plano sequência, apesar de usar planos longos, e, por meio da montagem, começa a explorar universos dentro daquele organismo citado, como cada um reage à vida ao seu redor. E com mais cortes que no momento anterior, a produção começa a mostrar que algo de estranho vem aí.
Mas depois de quase 40 minutos de filme e Noé mostrando sua capacidade de direção, nos perguntamos sobre o que é o filme, no fim das contas. Sabemos que não é sobre dança, só isso. Depois de muito falatório, onde o número de personagens vai no caminho contrário da técnica utilizada, nos encontramos presos com personagens que 1) não conhecemos, 2) não nos importamos. Relembrando, são 23 personagens com seus problemas e dramas, onde a inclusão do LSD transforma o que era diversão num filme de terror. A câmera deixa então de ser instável e começa a ter mais a cara do Noé que estamos acostumados, com plongés, ângulos holandeses e giros no próprio eixo para mostrar a loucura que os dançarinos estão vivendo.
Outro problema é que é preciso metade do filme para Noé escolher um foco, pelo menos em termos. A dançarina Selva (Boutella) é a primeira a notar que tem algo de errado e, sem intenção, coloca todos os seus companheiros num dos mais clássicos cenários do terror, a síndrome da cabana. Isolados por causa da nevasca do lado de fora, a paranoia agora instalada transforma o companheirismo em desconfiança. Como se houvesse um assassino mascarado, pois não sabemos ainda que batizou a bebida da festa, cada um faz acusações ao outro – e assim o caos se instaura.
É verdade que uma das características do cinema de Noé é ser incomodo e fica impossível não se remexer na cadeira enquanto aquele inferno passa diante dos nossos olhos. O que acontece, no entanto, é que o diretor preza o incômodo apenas pelo incômodo. Por mais que depois de sair da sessão sem falar nada você chegue à uma conclusão ou outra, Noé não passou uma mensagem clara. Essa tentativa de estudo antropológico pode ser interpretada como uma visão de que a nossa sociedade está se autodestruindo pelas escolhas que faz, mas é uma suposição tão boa quanto qualquer outra. E mesmo que essa seja a escolha de quem viu, há problemas piores, já que a experiência do filme é interminável.
Interessante que podemos dizer que nesse quesito, Noé conseguiu passar para a plateia a sensação de aos poucos entrar no inferno, pois é muito difícil absorver tantos gritos entre batidas eletrônicas que se somam a câmera que não dá descanso ao espectador e estamos tão presos quanto os personagens do filme. Mesmo que exista a vontade de sair da sala de cinema, aquela miríade de imagens vai te acompanhar por algum tempo. Nesse ponto, precisamos fazer jus ao diretor, pois ele conseguiu fazer a imersão entre cinema e realidade. Isso quer dizer que se os dançarinos estavam numa jornada a um lugar não tão bom assim, Noé consegue arrastar também quem assiste.
E se Noé não gosta de ser chamado de racista e misógino, ele não deveria fazer um filme que flerta perigosamente com isso. A produção onde uma mulher é tratada como mentirosa por estar grávida já é ruim o suficiente, mas a situação piora quando vemos como os negros são retratados na trama: uma mulher negra que espanca a grávida, um grupo de três negros espancam um branco e um jovem negro que quer controlar a irmã e ainda é incestuoso é quase como um discurso de Noé contra essas pessoas. Basicamente, se não quisesse ser taxado dos adjetivos do começo desse parágrafo, que prestasse mais atenção.
Se há um clímax em Clímax é o do próprio diretor. Como em todos os outros trabalhos, ele assina o roteiro, é o montador e o próprio produtor. É verdade que todo filme tem algo de falar do próprio ego nas suas páginas – Cuarón, Aranofsky, Inarritú e Allen que o digam – mas o rastro que Noé deixa no filme é o seu próprio, um que mostra que sim ele sabe dirigir, e muito, sabe como montar um filme e sabe como manipular a plateia: deveras um cineasta completo. Como ponto positivo, fica o elogio técnico, da mise-en-scène – a última cena comparada com a primeira, com os personagens isolados ao invés de unidos é um ótimo resumo disso – mas é impossível deixar de lado tantos problemas que servem só para enganar à primeira vista.
Elenco
Sofia Boutella
Kiddy Smile
Roman Guillermic
Souheila Yacoub
Claude Gajan Maull
Giselle Palmer
Taylor Kastle
Thea Carla Schott
Sharleen Temple
Lea Vlamos
Alaia Alsafir
Kendall Mugler
Lakdhar Dridi
Adrien Sissoko
Mamadou Bathily
Alou Sidibe
Ashley Biscette
Vince Galliot Cumant
Sarah Belala
Direção
Gaspar Noé
Roteiro
Gaspar Noé
Fotografia
Benoît Debie
Montagem
Denis Bedlow
Gaspar Noé
País
Bélgica
França
Distribuição
Wild Bunch
Duração
96 minutos
Data de estreia
31/jan/2019
Um grupo de amigos decide fazer uma festa enquanto uma grande nevasca acontece do lado de fora. Logo a dança e alegria se transforma num inferno quando descobrem que alguém drogou todos eles.
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