Cadáver | Crítica | The Possession of Hannah Grace, 2018
Apesar de começar de maneira interessante, Cadáver cai numa armadilha de tantos filmes de terror atuais e se torna tão comum quanto os outros.
Se, e apenas se, pudéssemos reaver o dinheiro gasto com certas produções, creio que a endorfina no nosso cérebro por essa expectativa de retorno nos deixaria mais receptivos aos assassinatos que o cinema de horror/terror tem passado como acontece em Cadáver. Começando bem, passando por um meio problemático e conclusões que não querem fugir do clichê, o filme do holandês Diederik Van Rooijen não é assustador o suficiente para sustos, nem engraçado o suficiente para ser uma subversão do gênero. E com a impressão deixada de serem dois filmes diferentes, é um daquelas produções que tem todo o jeito de um episódio de TV que se encaixaria de maneira satisfatória numa antologia, mas que não se sustenta mesmo na curta duração.
Mas, como aprendemos nas aulas de história, não existem “se”. O que temos então é uma produção que tem medo de não se fixar como sobrenatural, ignorando os grandes exemplos do gênero, sendo grandes as referências como O Exorcista (The Exorcist, 1973, William Friedkin) e O Exorcismo de Emily Rose (The Exorcism of Emily Rose, 2005, Scott Derrickson) – possivelmente, o último bom filme lançado sobre o tema. Então, o filme já seria bem mais eficaz se a introdução do exorcismo de Hannah Grace (Johnson) fosse menos explícita. O que não tem nada a ver com sangue ou violência, mas ao mostrar logo de cara que o que existe sim um elemento metafísico, toda a questão dúbia que podemos ter com ex-policial e agora assistente de necrotério Megan Reed (Mithcell) por causa de seus problemas com álcool se anulam, pois já sabemos do passado de Hannah.
E – de novo a conjunção – se esse prólogo fosse mais sutil, o efeito de duvidarmos da sanidade de Megan seria aceito pela plateia. E não parece que Rooijen não sabia o que estava fazendo. O começo do filme dá uma esperança de que as coisas vão se encaminhar para um filme menos comum. O diretor usa muito do silêncio para criar tensão, um efeito que dura quase todo o primeiro ato do filme. Existe apenas na recepção onde Megan espera os corpos chegarem um leve zumbido, que funciona como uma não-trilha. Esse silêncio é quebrado apenas pela sirene alta das ambulâncias que chegam com os cadáveres, um susto natural e bem introduzido pois não sabemos da existência desse aviso.
A trilha sonora é usada nos flashbacks, e por mais que esse seja um recurso narrativo que funciona como muleta em tantos filmes, faz algum sentido. É como se fosse uma outra vida de Megan, o que de fato é, apesar de que nos dois trabalhos ela encara a morte a todos os dias, ainda de que maneira diferente. No fundo, Megan ainda é uma agente da lei e da justiça, o que quer dizer, pelo menos na teoria, que ela faz parte de um sistema que impõe ordem nesse mundo. Mais uma vez fazendo jus à construção da personagem, ela evolui de sua vida pregressa e não hesita ao perseguir o invasor do necrotério que está atrás do cadáver de Hannah.
Infelizmente, os bons momentos começam a minguar a cada vez que nos aproximamos da conclusão – que teve o final refilmado, até onde pude pesquisar. Aqui começam a se misturar bons momentos com os clichês. É interessante a subversão do tema de no filme de terror você perseguir um perigo sozinho, porque aqui não há opção: o ofício de Hannah é um trabalho solitário. Então, caímos para o comum com luzes do teto que lembram cruzes invertidas, lâmpadas alaranjadas como mostrando o caminho para o inferno e pessoas que morrer por serem legais, falarem de sua família ou darem suporte à Hannah. O pior fica no esquecimento do diretor do uso do silêncio e começar a abusar dos scary jumps.
É uma desconstrução do próprio filme, no fim das contas. Porque nem mesmo os bons momentos são guardados, como o gore. Digo, pretenso gore, porque se no prólogo há um padre tendo a cabeça empalada por pregos de uma figura de Cristo – que poderíamos considerar um sacrilégio – todo o terror visual que se segue é escondido por sombras ou luzes que não valorizam a exposição desses mortos. Mais uma vez voltando ao comentário inicial, parecem ser dois filmes diferentes, onde o diretor percebeu que para tentar um público maior teria que fazer um filme menos violento graficamente, diminuindo assim a censura indicativa da produção.
Até mesmo elementos que deveriam fazer parte do universo do filme para dar mais corpo à produção não tem força. Um dos personagens se pergunta porque alguém se daria ao trabalhar de retalhar um corpo e incinera-lo depois do morto, como se esse não fosse um modus operandi de assassinos em série ou de organizações mafiosas. E o diretor é tão inseguro de si que precisa mostrar por outro flashback a mesma cena que vimos no começo do filme que nem é longo – tem menos de uma hora e meia – reforçando o problema mencionado uns parágrafos acima de que a cena do prólogo deveria ser apresentada de outra maneira, por exemplo, usando só sons e o resultado do exorcismo.
Mesmo admitindo que há signos interessantes na narrativa, como Megan começar o filme correndo – fugindo de seu passado –, encontrar algum destaque técnico como o som dos ossos regenerando – de novo, nada fora do comum –, entender que a ex-policial ainda vive pelo lema “missão dada é missão cumprida” ou que as mortes servem para um fim narrativo ao invés de simplesmente serem para chocar, existe uma falta de cuidado com o roteiro que tem propostas que só existem para acelerar a história, mas que não fazem sentido. A maior delas é, sem dúvida, o fato de saberem que Hannah é Hannah não por uma pesquisa forense, mas por ter junto dela a carteira de habilitação, mesmo ela estando morta há três meses.
A verdade é que Cadáver é uma produção que facilmente seria parte do catálogo da The Asylum e seus mockbusters, filmes que surfam na onda de outros lançamentos mais famosos, mas com uma grande distribuidora. É difícil entender porque uma companhia como a mesma que tem no seu rol de produções os filmes da série Resident Evil faz opções como lançar produções como essa. Poderia funcionar como piada ao invés de filme de terror, o que seria uma decisão legítima, mas nem mesmo isso é proposto pelo diretor. É apenas outro filme do gênero para ser apontado com escárnio e rapidamente esquecido na gaveta ou nunca adicionado à sua lista de streaming.
Elenco
Shay Mitchell
Grey Damon
Kirby Johnson
Stana Katic
Direção
Diederik Van Rooijen
Roteiro
Brian Sieve
Fotografia
Lennert Hillege
Trilha Sonora
John Frizzell
Montagem
Stanley Kolk
Jake York
País
Estados Unidos
Distribuição
Screen Gems
Duração
86 minutos
Data de estreia
29/nov/2018
Buscando uma nova vida por se sentir responsável pela morte do parceiro policial, Megan aceita um novo serviço de assistente num necrotério. É quando chega o cadáver de Hannah Grace, uma jovem que passou por um exorcismo que não deu certo. Mas parece que ela não quer continuar morta.
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