O Ódio Que Você Semeia | Crítica | The Hate U Give, 2018
Mesmo que seja óbvio em alguns momentos, O Ódio Que Você Semeia supera os problemas que tem em relação como a mensagem é passada.
Se aprendemos alguma coisa nas últimas eleições, não só no Brasil como no mundo, é que precisamos chegar às pessoas com mensagens mais claras e diretas, e essa á proposta de O Ódio Que Você Semeia, uma obra direta e até simples que fala sobre questão racial sem entrar em terrenos complicados como tentar explicar o que é racismo estrutural. Apesar de ser direcionado aos mais jovens, a história encontra meios de falar com vários nichos que podem praticar as mesmas atitudes de alguns personagens e ainda assim não se consideram racistas. E mesmo sendo cinematograficamente um tanto óbvio e dotado de uma ingenuidade, esse ar de fábula confere ao um filme uma mensagem de esperança que carecemos na sociedade hoje.
Como toda arte costuma ser, pelo menos aquela que nos faz refletir, Tilman traz logo de cara um choque de realidade. Ainda no prólogo, Maverick (Hornsby) tem com seus filhos pequenos – dez, sete e um ano – uma conversa que meus pais nunca precisaram ter comigo: como uma pessoa negra deve reagir numa abordagem policial. É verdade que o cenário nos EUA é um tanto diferente do nosso, mas essa introdução serve de metáfora para o restante do filme. Quando Estrella (Stenberg), já mais velha, começa a contar sua história, existe algo de pueril naqueles momentos: escola, namorado, e como tudo parece muito bem, obrigado, naquela vizinhança. O que não significa que ela seja alheia aos problemas, como um mal que espreita na figura de King (Mackie).
A história de Estrella e de sua família é costurada por dualidades. As duas vidas que a protagonista se divide entre o bairro que cresceu e a escola particular que frequenta, o passado do pai e o preço disso no presente, ação ou pensamentos. É apenas uma questão de tempo até que esses mundos se choquem, o que nos deixa a pergunta de quanto tempo duas vidas poderiam coexistir. Pois mesmo que Estrella tente ficar longe de problemas como seus pais ensinaram, viver onde ela vive parece um imã para problemas, mesmo que não estejam fazendo nada de errado, como vemos no destino do jovem Khalil (Smith).
O problema é que a opção de Tilman ser tão básico ao contar sua história é que, tecnicamente, nos deparamos com algumas escolhas que prejudicam o andar da história. O uso insistente de narração off de Estrella entre em contraste com a da câmera na mão do diretor, tirando a naturalidade que esse jeito de filmar costuma trazer. E isso atrapalha também o meio da história, porque são tantas informações visuais e expressas por palavras que toda essa primeira parte é inchada em relação ao restante do filme. E nem é uma questão de inexperiência do diretor, pois é só vermos como as tatuagens de Maverick contam uma história do personagem sem que seja preciso apelar para essas muletas.
E há algo similar na fotografia de Mihai Mălaimare. Por Estrella ter uma fixação nos anos 1990 com seu gosto por séries como Um Maluco no Pedaço (The Fresh Prince of Bel-Air, 1990-1996) e pelos tênis Air Jordan, o trabalho do romeno tem algo dessa época, com um contraste tão forte entre os tons mais puxados para o sépia e amarelo no bairro de Estrella para os quase brancos na escola que ela estuda. Com direito até a uma dor nos olhos quando mudamos subitamente de uma realidade para outra. É verdade que a intensão do diretor é reforçar que são realidades extremamente diferentes e essa é uma questão que deve ser apontada porque cinema também é o que vemos.
Pelo menos, passado esse incômodo, podemos nos concentrar no problema de verdade. Assim como qualquer jovem, o peso que Estrella carrega por ser testemunha de um crime e como isso afeta a sua vida é algo injusto – não tanto quanto a morte do amigo, mas é algo que ela não deveria levar consigo. Mas, como a conversa que seu pai tem com ela e seus irmãos no prólogo, a história mostra que é comum o jovem negro nos EUA precisa amadurecer um pouco mais cedo que os brancos, algo que é mostrado com mais sutilidade como uma das amigas de Estrella se comparta durante o filme, fazendo apropriações culturais e tentando convencer os outros que não é racista, usando gírias e tomando lutas por uma questão de moda.
E os problemas de se viver numa sociedade pequena, que podemos chamar de gueto, mudam o que antes era visto como bom. Essa proximidade expõe Estrella quando ela ainda não quer que isso aconteça, pois não tem certeza do caminho que deve seguir. Assim como a passagem da adolescência para a fase adulta é algo cheio de dúvidas, assim é esse amadurecimento precoce da personagem, pressionada por Lisa (Carter), sua mãe, a permanecer criança o máximo possível, ameaças veladas de King e um senso de justiça ensinada pelo pai que acredita que um negro deve fazer o que precisa para acabar com a violência policial e não deixar que seus iguais sejam exterminados.
Outro porém que mais uma vez traz o filme para um patamar básico são como se dão as viradas. Quando Khalil coloca 2PAC para tocar no rádio e começa a falar coisas como “temos toda a vida pela frente”, sabemos que o momento seguinte será uma pancada. Quando a história permite um momento de doçura dentro de uma tensão que só vai crescendo com o baile que Estrella vai com o namorado Chris (Apa), sabemos que lá vem outra pancada. De novo, fica claro que esse é um filme para um público mais jovem, mas o diretor poderia ser menos didático e deixar a história fluir com mais naturalidade, o que daria aos seus espectadores a mesma confiança que deu à protagonista.
Podendo ser uma fábula ou um desejo, O Ódio Que Você Semeia é um filme para a juventude. É provável que ele seja menos universal quando fazemos paralelos, por exemplo, com a realidade brasileira. Porém, fica fácil entender a mensagem: injustiça é injustiça em qualquer canto do mundo. Mesmo que o que aconteça com Estrella e seus amigos e familiares não seja exatamente o que pode vir a acontecer na sua vizinhança, é importante ouvir o que uma minoria tem a dizer, seja no campo econômico, populacional ou de representatividade. Pode não ser fácil, pode ser até que vistamos uma camada de “eu não”, mas é vale a pena dar uma chance para aprendermos, mesmo que na nossa posição privilegiada, possamos não ser chamados para a luta em si
Elenco
Amandla Stenberg
Regina Hall
Russell Hornsby
KJ Apa
Common
Anthony Mackie
Direção
George Tillman Jr. (Homens de Honra)
Roteiro
Audrey Wells
Baseado em
O Ódio Que Você Semeia (Angie Thomas)
Fotografia
Mihai Mălaimare Jr.
Trilha Sonora
Dustin O’Halloran
Montagem
Alex Blatt
Craig Hayes
País
Estados Unidos
Distribuição
20th Century Fox
Duração
133 minutos
Data de estreia
06/dez/2018
Estrella vive duas vidas: a do bairro pobre e a da escola onde ela é uma das poucas negras. Esses mundos colidem quando um amigo de infância dela é morto por um policial branco. Agora, ela precisa enfrentar medos e um sistema para fazer a justiça valer.
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