Entre contar uma história interessante, porém concisa e fazer da mesma história uma sucessão de linhas de texto para provar que sabe escrever de verdade, Alan Sorkin escolheu o segundo caminho em
A Grande Jogada: uma boa escrita sim, mas burocrática ao ponto de não permitir que a própria trama avance, algo que cai também nas costas do diretor – o que seria menos problemático se não fosse o próprio Sorkin. Apesar da atuação impecável da dupla principal, Sorkin esquece o significado da palavra dinamismo, algo estranho, sendo ele tão acostumado com as palavras. O resultado é uma experiência que faz o espectador ter vontade de pisar no acelerador já nos primeiros minutos do filme – mas sem sucesso.
Já no prólogo é possível notar onde Sorkin está indo com sua história. O passado nada a ver com pôquer de Molly (Chastain), envolvendo a relação com o esqui, o pai e sua facilidade com números, poderiam facilmente ser integrado em outras partes do filme, por meio de pequenos diálogos ou até mesmo em curtos
flashbacks. Está tudo lá e é fácil perceber esses encaixes, mas Sorkin mostra ser um daqueles roteiristas que não quer tirar nada de sua obra – e como diretor, essa característica é mais nítida. Para arrumar essa bagunça, contou com nada menos que três montadores, mas sua personalidade não permitiu cortar as partes necessárias.
O decorrer da história parece estruturada no melhor estilo da série de livros “
Para Leigos”: toda a interação de Molly tem que ser explicada. Se isso focasse só na parte que a maioria de nós não entende, a esportiva e a do pôquer, faria sentido. Mas a narração
off da protagonista é tão sem freio que quando vem o silêncio dado pela tensão da personagem enquanto espera para falar com Charlie (Elba) é um alívio – nem o maior fã de Chastain aguentaria tanto falatório. Mas é um alento que dura pouco. Porém, é verdade que ouvir as discussões entre Molly e Charlie são as melhores partes do filme, e se o filme focasse só nisso, com a devida contenção, seria uma produção bem mais interessante.
Logo percebemos de onde vem o problema: Sorkin esqueceu de outra palavra – adaptação. Vindo de alguém que não leu o livro, a impressão é que o diretor/roteirista quis transpor a maioria das linhas de texto das páginas para o roteiro, e sem conseguir desassociar imagem de texto, escolheu a opção mais fácil. Frases como “
Estava presa na escuridão” – mostrando a personagem claramente nessa situação pelos tons cinza da fotografia e detalhes do figurino com cores escuras de maneira suficiente – ou frases estúpidas como “
E algo inesperado aconteceu” só reforçam a insegurança de Sorkin no papel de diretor e seu ego como roteirista.
E o pior é notar que Sorkin tem sim a capacidade de ficar quieto – ou melhor, deixar sua personagem quieta – e apenas contar o que estamos vendo. Os maiores exemplos são a já citada cena de espera e a do espancamento de Molly. Aparte da necessidade de mostrar com detalhes essa violência, e se uma mulher dirigisse provavelmente seria abordada de maneira menos gráfica, Sorkin mostra relances de uma boa direção. Isso acontece em outros momentos, sejamos justos. A mais subliminar é como o diretor posiciona Molly e Charile em momentos diferentes da narrativa – notem que no escritório, o advogado vai se aproximando aos poucos da cliente, ganhando confiança nela.
Uma pena que o filme é, no geral, tão enrolado quanto o personagem irlandês que serve de alívio cômico para a trama. Todo o passado na adolescência e como jovem adulta para entendemos como Molly vê Larry Bloom (Costner) serve apenas para uma coisa – mostrar que ela é uma pessoa culta a ponto de reconhecer um Monet apenas olhando um pedaço do quadro. Se o pai de Molly aparecesse apenas em pequenos
flashs da memória da filha enquanto ela lembra do que a fez ser o que é hoje, a produção ganharia ritmo e seria menos enfadonha.
Por querer transformar uma história que achava interessante, pelo menos no ponto de vista, em algo maior, querendo provar a qualquer custo que é mesmo,
A Grande Jogada peca pelo exagero no texto em conjunto da insegurança na direção. É até difícil crer que o mesmo diretor que faz uma cena tão singela e simbólica da escolha de um
pretzel ao invés de um cachorro quente ou quando Molly volta ao rinque de patinação lembrando de uma época mais simples da vida não consiga impor a mesma maneira de entregar o resto da história. O que mostra que mesmo um nome tão grande quanto Sorkin precise de alguém que pode seus galhos de vez em quando.
A Grande Jogada concorre ao
Oscar 2018 na categoria Melhor Roteiro Adaptado (Aaron Sorkin).
Elenco
Jessica Chastain
Idris Elba
Kevin Costner
Michael Cera
Jeremy Strong
Chris O’Dowd
Bill Camp
Direção
Aaron Sorkin
Roteiro
Aaron Sorkin
Baseado em
Molly’s Game: From Hollywood’s Elite to Wall Street’s Billionaire Boys Club, My High-Stakes Adventure in the World of Underground Poker
(Molly Bloom)
Trilha Sonora
Daniel Pemberton
Fotografia
Charlotte Bruus Christensen
Montagem
Alan Baumgarten
Elliot Graham
Josh Schaeffer
Distribuição
STXfilms
País
Estados Unidos
Duração
140 minutos
O filme dramatiza a vida Molly Bloom, uma conhecida esquiadora que ficou mais conhecida ainda pelo seu trabalho agenciando mesas de pôquer, focando também na batalha judicial que ela travou para não ir para a cadeia.