43ª Mostra Internacional de Cinema de SP | Resumão das Críticas
43ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo: Resumão com as críticas dos filmes assistidos durante a edição 2019 do festival
Atualizado em 17/out/2019
#1. Cavalos Roubados (Ut Og Stjæle Hester, 2019, Noruega, Suécia, Dinamarca | Direção e roteiro: Hans Petter Moland | Elenco: Stellan Skarsgård, Bjørn Floberg, Tobias Santelmann, Jon Ranes | 122 min | Ficção)
O cenário quase desolado, frio e obviamente isolado do inverno sueco serve de cenário de fuga para Trond (Skarsgard). O curioso é que diretor de Vingança a Sangue Frio, de volta a sua neve característica parecia ter um material bem mais valioso em mãos. O problema é que Moland abusa da obviedade sem parar. Se no começo faz sentido Trond narrar em voz off o que está sentindo, criando assim o clima, o mesmo não acontece no restante da história. Isso porque na introdução da história faz sentido ouvir do protagonista o que ele sente no seu isolamento porque isso reforça a sensação de solidão: ele está falando consigo mesmo.
A muleta narrativa passa então para todos os momentos da vida do personagem. Voltando ao passado para explicar os motivos para se isolar tanto, Trond começa a narrar coisas que estão óbvias. E estão tão claro que o amigo do jovem Trond estava transtornado com alguma coisa, que o pai começava a olhar com desconfiança a atitude do filho que só mostra que diretor estava bem inseguro com a história que queria contar. E essa repetição entre o que vemos e sentido sendo explicada a cada cinco minutos leva ao cansaço antes da metade do filme.
O pior é perceber que sim, o diretor tinha elementos para trabalhar nesse filme que, como tantos outros, trata sobre amadurecimento e do conflito que todos nós temos com nossos pais, seja lá o nível que isso ocorre. Podemos começar com a fotografia, que na juventude de Trond é mais amarelada, acontecendo na primavera – falando tanto de estação como seu período de vida – em oposição ao inverno que está e passa. Também com cenas que falam por si só e, percebam, não usam palavras pois não precisam, em especial a relação do protagonista no passado com a mãe de seu amigo (Curcic).
Afinal de contas, ver um jovem em plena adolescência, com hormônios fervendo, ter essas sensações representadas por analogias à penetração – por toras sendo lascadas ou sendo usadas para perfurar o chão – ou sonhos que são molhados não precisam ser mais que isso. As explicações do personagem acabam deixando o filme com uma duração maior que precisava, e é uma daquelas produções que se beneficiariam com 30 ou 20 minutos a menos. Ao não confiar na audiência, Moland nos perde – e quando isso acontece, já é tarde demais para voltar. Até mesmo a tragédia acidental que acontece no filme não é um impulsionador suficiente para a ausência do pai de Trond na vida adulta, pois fica bem claro que ele já tinha isso em mente já há muito tempo.
Existe, dentro desse acidente, uma ligeira crítica à cultua de armas, mas são muitos elementos que não completam essa história – por exemplo, não serve de nada sabermos que o pai de Trond fez parte da resistência contra a invasão nazista na Noruega, isso não se reflete um centímetro na personalidade do personagem. O próprio parece se dar conta disso, pois o próprio Trond pergunta por que, afinal de contas, lhe contam essa história. Apesar de ser visualmente impecável, Molando não acredita em si mesmo em Cavalos Roubados, e então acabamos não acreditando também.
Nota: 4/10
Previsão de estreia: não há
#2. Honeyland (Медена земја, 2019, Macedônia do Norte | Direção e roteiro: Ljubomir Stefanov e Tamara Kotevska | 85 min | Documentário)
Considerando que a Macedônia do Norte não existia até outro dia, por causa de uma briga com o governo grego, vale a pena dar atenção a essa produção sobre uma protagonista que já não está mais no auge da sua vida ter sua rotina mudada por causa de vizinhos. Enquanto isso traria risos ou medo se fosse um filme de ficção ou terror, nos relacionamos com a mudança dentro de uma vida pacata e bem difícil de Hatidzhe com a chegada de Hussein e sua numerosa família.
O problema do filme é o mesmo que assola os mais recentes documentários nacionais: o diretor quis fazer uma refilmagem da última apicultura daquela região isolada da antiga Iugoslávia e não soube, simplesmente, que essa era uma história que valeria ser contada e foi com sua câmera e uma equipe para capturar esses momentos. Então, fica a pergunta se isso é realmente um documentário, pelo menos na essência da palavra.
No entanto, fica a importância da mensagem, o equilíbrio e o respeito à natureza. Como a família de Hussien, que além de grande é nômade, ele procura fazer de tudo para trazer sustento para sua esposa e seus sete filhos. E ele olha para Hatidzhe, que cuida apenas de sua idosa e já bem doente mãe, e tenta copiar o trabalho da apicultura, mas sem seguir seus conselhos. É como se dissesse que, sendo homem, não precisaria dos conselhos de uma mulher. Na própria arrogância, e num paralelo do que fizemos nesse mundo, ele acaba com a própria chance e com a da vizinha.
Assim como Hussein, parece muitas vezes que não ouvimos a natureza. Esse não é um filme que defenda um modo de vida vegano, por exemplo, mas apenas que devemos ter respeito por quem nos alimenta – aqui são as abelhas, e acabamos nos lembrando de uma frase atribuída a Einstein, ainda que não tenhamos evidência disso, sobre como o fim delas seria o nosso fim. Mas o que Honeyland mostra é se não tivermos uma sinergia com os recursos, esse será realmente nosso fim e não vai adiantar mudarmos de lugar para resolver o problema.
Nota: 7/10
Previsão de estreia: não há
#3. Mataindios (Mataindios, 2018, Peru | Direção e roteiro: Oscar Sánchez, Robert Julca | Elenco: Carlos Solano, Nataly Aures, Glicerio Reynoso, José Vivas, Faustina Sánchez | 76 min | Ficção)
A Mostra serve, entre outras coisas, para termos contatos com filmes que buscam linguagens e meios diferentes de contar histórias. Mataindios é assim, o problema é que a experiência do diretor é tão abstrata que é necessário recorrer à sinopse dada por ele para poder entender um pouco do que está acontecendo. Divido em capítulos, o filme é uma alegoria religiosa sobre o domínio europeu imposto às nações originais da américa espanhola, em especial a peruana. Nessa cidadezinha fictícia, há uma festa preparada para São Tiago que ganha sincretismos religiosos ao incorporarem na celebração ritos das religiões originais da região.
Há um incômodo narrativo trazido pelo diretor principalmente por causa da fotografia, carregada na pouca saturação e no pouco contraste, quase como se assistíssemos um filme de terror. O que é verdade, de certa maneira. A invasão ibérica a esse continente, como está bem documentado, é cheia de sangue. Ter um homem dado como santo se tornar o padroeiro num lugar onde os ancestrais daquelas pessoas foram massacrados é algo aterrorizante mesmo. Assim é Santiago Mataindios, antes Santigo Matamouros, é um personagem cuja iconografia tem uma espada à mão e com seu cavalo esmaga um habitante original pré-colombiano.
Dentro daquela narrativa, os personagens da cidade se preparam para a chegada do patrono, se vestem, levam flores, fazem roupas para ele. Depois, se revoltam. Dentro daquele universo, é uma busca por reparação, e por isso a cena final, com jovens destruindo a imagem, é tão importante. Nesses tempos onde ouvimos por aí tentativas de neocolonialismos, colocar na mão de jovens a destruição daqueles que antes destruíram os seus iguais, é algo belíssimo. O incômodo é então justificado, mesmo que demoremos para entender por que Sánchez e Julca quiseram contar dessa maneira uma história que a maioria de nós desconhece.
Isso porque o cinema pode contar as coisas de maneira poética, e ao sair do comum, Mataindios fica mais na memória. As escolhas fotográficas se resolvem dentro da tristeza de um povo, com apenas o padre do vilarejo ligeiramente destacado por causa de sua túnica vermelha – de sangue –, assim como o ataque dos anciões antes que as crianças destruam o algoz do passado é um grito pela identidade que por tanto tempo tentaram apagar, e ainda tentam. É um filme importante para ser visto e discutido – não é tarefa fácil, assim como não é para os excluídos.
Nota: 8/10
Previsão de estreia: não há
#4. O Espelho Africano (African Mirror, 2019, Suíça | Direção e roteiro: Mischa Hedinger | 84 min.| Documentário)
Levando em conta o fator antropológico, O Espelho Africano é um filme que deve ser visto, mesmo que não seja no cinema, mesmo que você demore um pouco para assistir. Porém, falta alguma crítica contundente à visão do cineasta/escritor/antropólogo René Gardi (1909 – 2000). É verdade que o diretor deixa isso para o espectador, misturando narrações originais do suíço com narrações de seus textos – é o que supomos, pois Hedinger não diz a fonte desses relatos. O diretor faz isso justapondo comentários, num momento falando coisas abomináveis como “negros africanos são selvagens” com “falhamos com nossos irmãos da África”. Essa falta de posicionamento é quase covarde.
Porém, é um retrato no mínimo curioso de um homem que viveu por quase cem anos, e sua mudança de pensamento reflete as próprias mudanças do século passado. A primeira frase do filme tem uma visão bem colonialista, quando a narração diz “gostaria que a Suécia tivesse colônias na África”, uma declaração que encontra ecos e se contradiz durante o filme. É uma pena que a montagem não diz ao certo quando essas declarações acontecem, já que a África foi foco de Gardi por vários anos. Hedinger tenta ao máximo não endeusar a figura de seu documentado, inclusive colocando em uma das narrações que abusou de estudantes enquanto era professor.
O filme em si é uma coleção de imagens inéditas e já conhecidas do diretor de Mandara (1960) e é uma pena que as melhores captações de Super 8 não tenham som. Seria lindo ouvir algumas vozes e melodias dos muitos povos africanos. Isso porque o ocidente colonizador fez questão de nos vender que a África é praticamente uma coisa só e esse tipo de documentário mostra que é bem o oposto disso. O documentário traz, inclusive, algumas anedotas como quando os colonizadores franceses começaram a cobrar impostos das regiões administradas por eles. Quando um missionário diz que esse dinheiro será usado para construções e hospitais, algumas crianças riram da lorota.
É interessante que possamos fazer um paralelo desse neocolonianismo com o neo-neocolonismo que a atividade garimpeira quer fazer no Brasil com a comunidade original daqui, explorando suas terras em troca de uma dita vida melhor para eles, enquanto o garimpo durar, lógico. Então mesmo que falhe em se posicionar sobre Gardi, O Espelho Africano serve pelo menos como um alerta e como alguém pode mudar pelas experiências que passa. O cineasta suíço com certeza não morreu sendo a mesma pessoa que visitou a África pela primeira vez nos anos 1940. E se ele mudou, criado numa visão de dominação cultural, existe esperança para que todos possam fazer o mesmo.
Nota: 7/10
Previsão de estreia: não há
#5. A Vida Irregular de Juice Leskinen (Juice, 2018, Finlândia | Direção: Teppo Airaksinen | Roteiro: Antti Heikkinen | Elenco: Riku Nieminen, Iida-Maria Heinonen, Pekka Strang, Antti Heikkinen | 105 min | Cinebiografia)
As câmeras coladas no rosto de Juice (Nieminen) servem para duas coisas, num movimento tanto estético quanto narrativo. Primeiro para dizer que essa é uma história muito pessoal, não só do vocalista, mas de todos que passaram na sua vida. Em segundo, para reforçar o egocentrismo do personagem. O diretor finlandês não faz nenhuma questão de que gostemos de Leskinen – bem da verdade, é difícil encontrar um só momento em que o personagem não seja um cretino completo, que é capaz até de afastar a mãe sem que se mostre um bom motivo. E pode ser um problema da montagem, mas o mesmo acontece com o irmão.
E num mundo onde o digital é a lei, o diretor Teppo Airaksinen traz a linguagem visual dos anos 1979-80 filmando em película – ou conseguindo isso na pós-produção – com uma fotografia cm tons amarelados e grão aparente. É muito gratificante assistir um filme assim na tela do cinema, onde a tecnologia evoluiu tanto que não parece mais um recorte mágico do algo que esteve nos sonhos de alguém e passou para tela, mas sim um recorte de realidade. Felizmente, o filme não é uma daquelas produções que foca no visual e se esquece da trama.
A Vida Irregular de Juice Leskinen é um filme rock n roll na essência, apesar do conservadorismo de seu protagonista. Há amor, ódio, traição, tantos elementos que servem para fazer música boa. E há também espaço para conhecermos a dor de Marja (Heinonen), a esposa de Juice que tinha muito espaço para crescer, mas que é podada pelo ego do musicista que não poupa antigos amigos, ameaçando-os com a poderosa música que conseguia escrever, e eventualmente com o papel de mãe, ainda que amasse com todas as forças sua filha.
Nota: 8/10
Previsão de estreia: não há
#6. Depois do Fim dos Tempos (Endzeit, 2018, Alemanha | Direção: Carolina Hellsgård | Roteiro: Olivia Vieweg | Elenco: Gro Swantje Kohlhof, Maja Lehrer, Trine Dyrholm, Marco Albrecht | 90 min | Ficção)
Comentei mais de uma vez por aqui que os filmes de zumbi precisam de um descanso. Apesar de termos lançamentos como Invasão Zumbi que tentam reavivar o tema, Depois do Fim dos Tempos não consegue o mesmo. Numa pseudo-profundidade sobre a importância que o ser humano deve reencontrar seus laços com a natureza, o filme de Hellsgård se destaca mais pela fotografia, e ainda assim esse elemento parece ter usado os padrões que redes sociais de compartilhamento de fotos usam hoje em dia. Infelizmente, a produção não consegue mostrar força e nem mesmo ao que veio.
Se por um lado a produção começa um tanto esquizofrênico para refletir o estado mental de Vivi (Kohlhof), essa mesma proposta afeta o filme de maneira tão grande que o resto da mensagem se perde. E existem tantas boas ideias mal aproveitadas, principalmente da relação da protagonista – que muitas vezes é esquecida desse papel pela diretora – com Eva (Lehrer), como irmãs postiças, ou se realmente o mundo fora dos muros era mesmo como as lideranças passavam, que é triste ver que a história entra apenas numa questão ambientalista que poderia muito bem ser o reflexo do terror que as duas personagens passam.
Há algumas coisas interessantes. A escolha do nome Eva que passa a viver num novo paraíso – o que depende do ponto de vista – e uma batalha contra um zumbi cego, algo que, até onde posso me lembrar, nunca foi usado. Mas é só isso. Depois do Fim dos Tempos figura como uma daquelas tentativas de misturar ação com reflexão e acaba falhando nas duas coisas, trazendo um filme em muitas partes sonolento e que, prejudicado pela montagem, cansa mesmo na sua curta duração.
Nota: 4/10
Previsão de estreia: não há
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