Projeto Gemini | Crítica | Gemini Man, 2019
Ao ser apenas uma experiência tecnológica, Projeto Gemini uma produção que seria facilmente esquecida não fosse a embalagem que está contida.
De vez em quando, o cinema se propõe a fazer algo diferente, seja narrativa ou tecnicamente. Para Projeto Gemini, Ang Lee escolheu a segunda opção. O filme tem um dos melhores efeitos 3D já usados na tela grande, e a tecnologia dos 60 quadros por segundo traz um nível de detalhamento impressionante. Porém, deixando toda essa inovação de lado, é um filme de ação dos mais previsíveis e genéricos que temos notícia, e o mais impressionante é vir de alguém que já havia brincado com a tecnologia, mas sem esquecer da alma do projeto. Aqui, como um dos grandes planos do vilão do filme, ela ficou de fora.
A personalidade de Henry Brogan (Smith) não é muito diferente dos assassinos do governo que vemos em outras produções e que se sentem descartados pelo próprio país: sendo bom em apenas uma coisa, no caso atirar com um rifle, ele se sente deslocado quando vai fazer outra coisa. Há de se fazer justiça, porém, quando o personagem admite a própria insegurança para seu supervisor. Diferente de tantos outros supersoldados, o atirador de elite dono de uma ficha impecável sabe que é hora de parar. Parece que mais de 70 mortes sem questionamentos é uma linha para o patriota aqui descobrir que tem uma alma.
Porém, por sua inquietude e desconfiança de tudo, o que é bem justo nessa situação, a aposentadoria é posta de um jeito mais extremo, o da morte, por um antigo desafeto. Clay Varris (Owen) é a suma do corrupto que usa agência, mas poderia ser o exército, como bem quer para seus próprios projetos, no caso o Gemini, uma corporação de segurança privada similar à Academi (ex-Blackwater) – e não fica muito claro se ele ainda tem uma ligação oficial com o governo, um dos muitos problemas conceituais do filme, potencializados pela montagem também problemática. Mas anota-se a intenção de ter um personagem chamado “argila”.
Isso porque o que Clay queria fazer com Henry é exatamente o que fazemos com esse mineral: nos o moldamos. E o personagem tentou fazer isso com o protagonista e com seus colegas, incluindo aí o engraçado Baron (Wong). Sem conseguir da maneira esperada, ele parte para um pulo da ficção científica e, muito pacientemente, investe 25 anos de treino em Junior (Smith), o clone de Henry. Aqui está a primeira oportunidade perdida do filme, pois seria muito mais interessante conhecermos Junior antes de Henry – ainda que esse fator surpresa seja sempre prejudicado pelos trailers. Mas se víssemos as coisas pelos olhos do jovem, aí sim a sensação de surpresa seria mais interessante.
Há por parte de Lee uma tentativa desse espanto vir pelos olhos da agente Danny Zakarweski (Winstead), que se surpreende pela semelhança física entre Henry e Junior. Pelo menos ninguém padece daquele mal da cegueira seletiva, e os três fugitivos admitem que o jovem é a cara do agente rebelado. O que fica difícil de acreditar é que a tecnologia para fazer um clone esteja tão próxima da nossa época, por mais que no mundo real saibamos que as tecnologias aportam antes no mundo militar para depois ganhar o civil – como foi a Arpanet e depois a Internet. Jogar a história uns anos para frente resolveria isso.
É preciso abrir um espaço para falar da parte tecnológica da produção. Lee mostrou que sabe trabalhar com 3D desde As Aventuras de Pi (Life of Pi, 2012), e essa produção não é exceção. Usando ambientes mais claros para compensar o escurecimento das lentes dos óculos 3D e trabalhando bastante com grande profunde de campo – ou seja, deixando tudo em foco – não é menos que impressionante ver esse trabalho. Já a tecnologia dos 60 quadros por segundo – e filmados em 120 – traz uma estranheza. Você com certeza já esteve em um mostruário de TVs de alta definição e viu aquele vídeo de demonstração que nunca consegue na sua transmissão normal. É isso que Lee traz, e é quase como se se recortasse uma janela física dentro da sala do cinema para o mundo real.
Essa sensação é pelo nosso costume. Com exceção de Peter Jackson, que fez algo parecido na trilogia Hobbit (2012-2014), estamos acostumados com 24 quadros por segundo. E enquanto o diretor neozelandês fez o dobro, aqui chegamos a 2,5 vezes do que o normal. Se a nossa retina consegue captar intervalos de até 50 vezes por segundo, imagine a sensação. Basicamente, é ver para entender. O descostume é tão grande que ainda é um tanto incômodo, parece até que não é cinema, porque perde-se essa sensação de estarmos vendo algo irreal. E nesse caso, é bem provável que o 3D nem fosse necessário porque já parece real demais. Mas é uma evolução, ainda que não seja menos por motivos narrativos e mais por questões financeiras. Pois, por enquanto, nenhuma TV consegue essa velocidade.
Essa hiperealidade é uma mudança de hábito, sem dúvidas: texturas, movimentos e outros fluxos serão uma nova realidade – se não for muito caro e se o público aceitar. Mas a verdade é que os produtores usaram o filme e elenco para ser portfólio dessa tecnologia. Assim como algumas animações da Pixar, a história está abaixo da capacidade de software que chegamos. Deve ser o primeiro filme que gêmeos duelando não parece falso e que parecemos partícipes daquele universo, quase como um videogame, mas tudo está a favor dessa novidade, quando entendemos que o cinema, enquanto arte, deveria estar no primeiro plano.
Porque há tantas possibilidades dadas pela história de termos discursos mais profundos, como o que nos faz humanos, os bastidores do poder, a questão de algo tão enraizado nos tempos de extremos nacionalismos de hoje como é o patriotismo, que é frustrante que o diretor que já foi questionador em O Segredo de Brockeback Moutain (Brockeback Mountain, 2005) ou filosófico em O Tigre e o Dragão (卧虎藏龙, 2000) se deixa levar tanto pela ação pura e simples, com qualquer discurso que poderia ser aprofundado é deixado apenas na superfície. Só isso explica a falta de cuidado com Henry entregando seu maior medo para Danny quase de graça ou a incapacidade de Clay em tirar daquele que criou como filho outra das desvantagens do protagonista – uma capacidade que mais de uma vez se sugere que exista.
No fim das contas, o filme parece ter sido bem caro considerando o excesso de Product Placement e que ele só existe para mostrar uma nova tecnologia para o grande público. Por esse motivo, vale a pena assistir Projeto Gemini na melhor sala possível, pois é parte da experiência. E pena que ela não acompanhe narrativamente as desventuras que Henry e seus companheiros irão passar por quase duas horas, tempo suficiente para deixar o espectador ligado na ação, mas sem ser o suficiente para entrar em questões do que o realmente nos torna humanos. É uma opção, mas o destino da produção está mais para vídeo-demonstração do que aquele filme que teremos vontade de assistir de novo, tirando essa questão tecnológica.
Elenco
Will Smith
Mary Elizabeth Winstead
Clive Owen
Benedict Wong
Direção
Ang Lee (As Aventuras de Pi)
Roteiro
David Benioff
Billy Ray
Darren Lemke
Argumento
Darren Lemke
David Benioff
Fotografia
Dion Beebe
Trilha Sonora
Lorne Balfe
Montagem
Tim Squyres
País
Estados Unidos
Distribuição
Paramount Pictures
Duração
117 minutos
Data de estreia
10/out/2019
3D
Essencial
Depois de uma vida servindo o governo americano com um recorde de tiros precisos, Henry Brogan decide se aposentar porque sente que está ficando velho – e porque começa a criar uma consciência. Seus planos são interrompidos porque sua última missão pode não ter sido limpa como o fizeram acreditar. Para pará-lo, mandam o melhor assassino que existe: ele mesmo
[críticas, comentários e voadoras no baço]
• email: [email protected]
• twitter: @tigrenocinema
• fan page facebook: http://www.facebook.com/umtigrenocinema
• grupo no facebook: https://www.facebook.com/groups/umtigrenocinema/
• Google Plus: https://www.google.com/+Umtigrenocinemacom
• Instagram: http://instagram/umtigrenocinema
• Assine a nossa newsletter!
Apoie o nosso trabalho!
Compartilhe!
- Clique para compartilhar no Facebook(abre em nova janela)
- Clique para compartilhar no Twitter(abre em nova janela)
- Clique para imprimir(abre em nova janela)
- Clique para compartilhar no WhatsApp(abre em nova janela)
- Clique para compartilhar no Telegram(abre em nova janela)
- Clique para compartilhar no Tumblr(abre em nova janela)
- Mais