Uma Quase Dupla | Crítica | 2018
Uma Quase Dupla se arrisca num terreno pouco explorado no cinema nacional, mas sua tentativa de ser engraçado é bem sem graça.
A produção brasileira no cinema é muito maior que somos levados a crer, longe de ser uma extensão novelística. Apesar de Uma Quase Dupla apresentar algum tipo de risco ao misturar o gênero policial e comédia, resultando no que chamamos de buddy cop, o filme parece ter vindo direto de alguém acostumado com o teatro ou com o cinema do começo do século XX. A produção dirigida por Baldini se perde por não saber se faz uma comédia corporal ou pelo texto. Apesar do exagero ser um elemento essencial do gênero, as oposições entre os personagens principais são tão opostas que não há naturalidade, o que nos desconecta da narrativa, mesmo que encontremos alguns poucos motivos para rir.
Em primeiro lugar, é preciso dizer que não há nada de errado com a comédia física. Rowan Atkinson é um exemplo disso. Porém, diferente do interprete inglês do Mr Bean, as gags de gestos de Keyla (Werneck) e Claudio (Reymond) parecem não fazer parte daqueles personagens, mas sim algo colocado pelo diretor aos seus dirigidos para forçar uma graça que não haveria apenas pelo roteiro. Por trás de cada gesto explicativo de Claudio, ou cada vez que Keyla sai correndo com arma em punho apontando para cima como se fosse uma amadora, existe uma tentativa desesperada de fazer a plateia rir da mesma maneira que seria se estivéssemos vendo uma peça de teatro ou uma produção do começo do século XX.
Mas é compreensível o que Baldini quer fazer. Ao trabalhar com extremos, ele espera subverter seus personagens – o que acontece, pelo menos à princípio. Para quebrar clichês, ele apresenta Keyla fazendo coisas atreladas mais comumente aos homens – fumar, se barbear – enquanto com Claudio ficam as coisas mais usadas para mulheres – vaidade, cremes -, uma subversão que se segura por boa parte do filme, mas que desmorona no final. Mas é quando essas oposições ficam bem opostas é onde elas se tornam nada naturais, como a fatídica cena de Keyla urinando em pé, ou tirando informações dos mortos e das cenas de crime usando a língua, como se ela fosse um tipo de super-ser.
Embalado em tantas piadas fracas, acabamos dando atenção às boas, que são relacionadas à figura de boa-praça de Cláudio que para uma perseguição para ser simpático com uma vizinha ou ao levar Keyla para beber e nesse encontro está tocando uma música que ela já tinha deixado bem claro que odeia. E isso é engraçado porque, diferente de todos os outros momentos, é crível. Isso sim faz parte do personagem, sem tiques ou poses na frente do espelho para imitar Taxi Driver (1976, Martin Scorsese). Isso acontece também com Keyla, apesar de menor escala. No seu jeito rabugento de ser, nos pegamos rindo com seus comentários ácidos sobre o visual de uma casa, ou sobre as esquisitices que presenciou sendo policial no Rio de Janeiro.
Porém, falta o ponto de encontro, um terreno comum onde a dupla coloque as diferenças de lado para resolver o caso. Isso aconteceu com Cates e Hammond, Riggs e Murtaugh e outras duplas mais sérias ou mais cômicas. Quando chega a hora de acontecer para a dupla desse filme, não vem com uma transgressão da figura que segue as regras, que no caso é Claudio. Mas sim de uma necessidade, algo que nem de longe poderia ser considerado a zona cinzenta, onde aquele personagem que só seguia as regras teria que as quebrar para salvar o dia. No fim, a homenagem ao gênero não é tão bem referenciada assim.
É compreensível que Baldini não quis fazer algo autêntico, mas sim homenagear um gênero, incluindo uma dose extra de comédia para agradar ao público mais abrangente – mesmo que a população mais tradicional possa ficar incomodada com o uso de palavrões e insinuações sexuais de Keyla. Mas, chegando ao alicerce, podemos perceber que os personagens não funcionam dentro do próprio universo. Momentos como Keyla pegar uma evidência com a mão sem luva, assim a contaminando, prender alguém por comentário de rede social, ou Claudio ser comparado ao pai, que também foi policial de um lugar que nunca aconteceu nada demais, são exemplos de que a história foi tão esticada quanto a oposição da dupla de protagonistas.
Isso explica a sensação de estarmos vendo um grande episódio de TV, pois Uma Quase Dupla deixa a impressão que funcionaria melhor como o piloto de um seriado – ou simplesmente um especial de fim de ano – do que um filme. O que começa com personagens quebrando seus estereótipos, toma rumos de qualquer filme romântico dos anos 1980, traindo a sua própria essência em troca de suspiros e de uma sensação de fofura para deixar mais gente feliz. Mesmo que as piadas continuassem abaixo do que se espera, o que podemos entender como subjetivo, pois pessoas diferentes recebem a obra de maneira diferente, é quando a narrativa se trai que ela perde o interesse, apenas para atender a parte mais comercial.
Elenco
Tatá Werneck
Cauã Reymond
Louise Cardoso
Ary França
Alejandro Cleveaux
Daniel Furlan
Augusto Madeira
Gabriel Godoy
Valentina Bandeira
Priscila Steiman
Pedroca Monteiro
Luciana Paes
George Sauma
Caito Mainier
Direção
Marcus Baldini
Roteiro
Ana Reber
Leandro Muniz
Tatá Werneck
Fernando Fraiha
Daniel Furlan
Fotografia
Rodrigo Monte
Trilha Sonora
Plinio Profeta
Montagem
Danilo Lemos
Helena Chaves
País
Brasil
Distribuição
Paris Filmes
Downtown Filmes
Keyla é uma experiente investigadora da cidade grande que é enviada para a pacata Joinlandia, onde conhece o policial local Claudio. Mesmo sem nada em comum, os dois tem que trabalhar juntos para encontrar um assassino em série que tirou a tranquilidade da pequena cidade.
[críticas, comentários e voadoras no baço]
• email: [email protected]
• twitter: @tigrenocinema
• fan page facebook: http://www.facebook.com/umtigrenocinema
• grupo no facebook: https://www.facebook.com/groups/umtigrenocinema/
• Google Plus: https://www.google.com/+Umtigrenocinemacom
• Instagram: http://instagram/umtigrenocinema
• Assine a nossa newsletter!
Apoie o nosso trabalho!
Compartilhe!
- Clique para compartilhar no Facebook(abre em nova janela)
- Clique para compartilhar no Twitter(abre em nova janela)
- Clique para imprimir(abre em nova janela)
- Clique para compartilhar no WhatsApp(abre em nova janela)
- Clique para compartilhar no Telegram(abre em nova janela)
- Clique para compartilhar no Tumblr(abre em nova janela)
- Mais