Um Dia Perfeito | Crítica | A Perfect Day, 2016, Espanha
Mesmo sem dar um tiro ou fazer uma explosão, Um Dia Perfeito é um filme de guerra tenso, mas que consegue equilibrar outros elementos da vida.
Com Benicio del Toro, Tim Robbins, Olga Kurylenko, Mélanie Thierry, Fedja Štukan. Roteirizado por Fernando León de Aranoa, baseado no original de Dejarse Llover. Dirigido por Fernando León de Aranoa.
A maioria dos filmes sobre conflitos armados buscam deixar a audiência num estado de tensão, mas poucos conseguem fazer isso sem dar um tiro ou mostrar explosões. Um Dia Perfeito mantém o espectador na beira da poltrona, mas equilibra muito bem outros elementos. O drama é presente, mas, assim como a vida de qualquer um, tem momentos doces e engraçados. Essas vinte e quatros horas que os personagens convivem atrás de coisas tão simples poderia facilmente cair para o formular, com grandes perseguições e muitas armas sendo apontadas e ameaças sendo feitas. É uma quebra interessante que reflete o lado bom da humanidade que existe mesmo dentro de um cenário terrível.
A situação que Mambrú (del Toro) se encontra é relativamente simples: ele precisa tirar um cadáver de um poço para que as pessoas tenham acesso à água limpa. O diretor Fernando León de Aranoa dá a entender que essa é uma técnica comum durante o conflito dos Balcãs nos anos 1990, e podemos encarar a situação também como metáfora. Quantos mortos estariam na região, impedindo que as pessoas voltem às suas vidas normais? E como uma corda que é muito usada fica desgastada, Mambrú – que está contando os dias de ir embora – B (Robbins) e o interprete Damir (Stukan) estão exaustos.
B tenta contornar a situação quebrando o gelo e o silêncio da turma e podemos notar isso pela trilha diegética do personagem. Quando ele está em cena, ouvimos variados hinos do rock n roll, refletindo sua atitude. Já Sophie (Thierry) sofre com a situação, sendo o reflexo da maioria da plateia – inocente – que nunca viu uma pessoa morta naquelas condições. Do lado oposto está Katya (Kurylenko), mais durona e quase como um estereótipo dos russos. E o mais interessante é que B, ao fazer piadas com a reação da francesa, não está sendo cretino, mas contornando uma situação dura, facilitando aqueles momentos. Esse é um traço muito forte de amizade e é de gargalhar as tiradas do personagem.
Porém, o diretor sabe lidar bem com a situação tensa que eles se encontram. Ainda tentando resolver a questão, Mambrú e Sophie cruzam com Nikola (Residovic), uma criança que viveu todos os terrores do conflito, numa região em que pessoas são enforcadas por serem consideradas inimigas – ainda que sejam vizinhas – e onde você poderia ser ameaçado por coisas simples como uma bola. Entre cemitérios improvisados, marcas de tiros e casas derrubadas, a simplicidade volta, mas de modo distante quando Nikola não pode entrar em sua própria casa para pegar outra bola porque o lugar pode desabar facilmente, apontando o paralelo de sempre serem as crianças que mais sofrem na guerra.
O filme tem dois pequenos deslizes. O primeiro se trata da música instrumental de Arnau Bataller. Não é uma música ruim, mas Aranoa trabalha muito melhor o silêncio e a crueza daquele cenário, representado de maneira excepcional pela fotografia de Alex Catalán, que quando usa a trilha para forçar um sentimento – de tristeza, por exemplo – fica artificial, menos verdadeiro que o resto do trabalho estava direcionando. É uma quebra tão grande que nos tira da narrativa. Outro problema é perceber que o combustível dos jipes parece eterno, já que a turma passa um dia inteiro rodando perdidos entre os Balcãs.
Porém, o diretor é hábil em complicar os companheiros com coisas simples num lugar onde nada é. Os quase 90 minutos de filme são uma busca por uma corda. As barreiras para não conseguirem aparecem de todas as formas: ódio, patriotismo, a natureza e, a pior delas, a política. Nem os problemas tradicionais, digamos assim, de Mambrú são simples – eles ocorrem de maneira geopolítica, já que Katya e ele já foram amantes e agora trabalham em opostos do mesmo sistema. E nessa missão que se arrasta, sendo o tempo um elemento importante da narrativa, acompanhamos os jipes que tem que andar devagar por causa de minas terrestres e exércitos separatistas. Se não fosse B para elevar o espírito, os amigos explodiriam de tanto nervosismo.
Aranoa trouxe um filme de anti-ação, sem explosões nem tiros. E ainda assim, Um Dia Perfeito é tenso, ainda que espirituoso e engraçado. O diretor escapa de artifícios manjados como diálogos explicativos ou flashbacks e deixa a história se desenvolver. E assim ele surpreende tanto quem esperava um drama pesado de guerra e quem procuravam mais cortes rápidos e tiros voando pela tela, convidados pelo trailer. Há também uma crítica à politicagem acima dos direitos humanos mais básicos, o que nos revolta enquanto estamos ali sentados, mas também tem uma dose de esperança, um tanto ingênua, de que as coisas darão certo no final.
Um Dia Perfeito | Trailer
Um Dia Perfeito | Galeria
Um Dia Perfeito | Sinopse
“Um grupo de agentes humanitários tenta remover um cadáver de um poço em meio a uma zona de conflito armado. O corpo foi arremessado no local para contaminar a água e cortar o suprimento para a população local. Entretanto, as circunstâncias logo transformam uma tarefa simples em uma missão impossível”.
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