The Rover – A Caçada | Crítica | The Rover, 2014, Austrália

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Em um lugar que as coisas passam devagar, é fácil se retrair e se entregar ao nada. Nada mais é certo. Apenas sobrevive-se em The Rover – A Caçada.

The Rover, 2014

Com Guy Pearce, Robert Pattinson, Scoot McNairy e Gillian Jones. Roteirizado e dirigido por David Michôd.

7,5 - "tem um Tigre no cinema"Filmes silenciosos, em geral, são difíceis de serem aceitos. Nem é culpa do espectador, porque acontece do diretor se perder ao contar uma história. Em The Rover – A Caçada, David Michôd consegue usar o silêncio de modo a contribuir para a história. Com poucos diálogos e onde as coisas passam devagar, tais momentos servem de reflexão para entendermos esse mundo vazio e torpe, e encontramos paralelos com a nossa realidade.

Dez anos após um colapso econômico não detalhado, a Austrália está decadente ao ponto de não aceitar a própria moeda. Eric (Pearce) tem o carro roubado por três homens que saíram de um roubo mal sucedido. Determinado a encontra-los, Eric dirige pelo outback australiano acompanhado de Rey (Pattinson), irmão de um dos ladrões do carro, deixado ferido para trás. O jovem é a única chance de Eric recuperar seu veículo, e não medirá esforços até encontrar o trio.

A vida nesse futuro é decadente ao ponto de parecer um período que antecede o que vemos em Mad Max (Mad Max, 1979, Dir George Miller). As coisas passam devagar, um dia se arrasta após o outro, num ambiente fétido e sem cor. A paleta de cores arenosa e pálida reforça esse sentimento. Eric personifica esse mundo: curvado, com reações lentas, descrente e sem esperança. Porém, apesar de carros no deserto, o filme é autêntico por si só.

Os primeiros quinze minutos são essenciais para marcar a personalidade de Eric e daquele mundo. E são as coisas não ditas que trazem tanto interesse à trama. Uma delas é que, aparentemente, a tal crise acabou não só com economia do país, mas também com grande parte da população feminina. Deixe de lado a violência, e note que durante quinze minutos não aparece uma mulher sequer na trama, e mais de uma vez homens estão se aconchegando. Essa teoria parece mais plausível quando Eric, já na caçada, encontra com a primeira mulher da história, chamada apenas de Vovó (Jones). Em sua casa que serve consumidores de ópio, ela oferece a Eric um garoto. Ela usa a expressão “macio como o posterior do seu antebraço”. Que outro motivo ela oferecia para ele um rapaz, se não houvesse uma mulher para isso? Sei que a informação não parece totalmente certa, mas vale de reflexão no quebra-cabeça.

Eric é um personagem detestável e faz questão de deixar isso bem claro. Naquele universo, parecer fraco ou simpático pode custar sua vida. Isso não vai impedir do espectador ter a vontade de meter uma bala na cabeça do protagonista, principalmente pelo jeito que ele trata a médica que salva a vida de Rey. Para Eric, todos são apenas ferramentas para um objetivo. Seus poucos diálogos de são densos, mas sem esperança, vazios como o cenário do outback. Rey começa diferente, mas é infectado por essa visão de mundo de Eric, mudando sua perspectiva.

Esse road movie sangrento não dá todas as respostas – como o por quê das marcas de Eric, ou da moeda australiana não ser mais aceita – mas dá a principal. Não é nada jogado, tem referência com uma cena anterior, mas entendo quem buscava algo mais filosófico para a conclusão. Afinal de contas, o filme é cheio de reflexões: “nem tudo precisa fazer sentido”, como diz Rey a certa altura; ou “você deve lembrar-se de cada vida que tira. Esse é o preço a se pagar”, de acordo com Eric. Mesmo assim, a mim não incomodou.

The Rover – A Caçada | Cartaz

The Rover – A Caçada – com esse título redundante e confuso, que melhoraria só de tirar o original em inglês – traz outra questão interessante. Qual foi a pior coisa que você fez na vida? Eric vive com essa pergunta na cabeça, o que o desmotiva de tudo. Em um lugar que as coisas passam devagar como o trem que se desloca lentamente de um lado para o outro – uma das cenas mais marcantes do filme – é fácil se retrair e se entregar ao nada. Nada mais é certo. Apenas sobrevive-se.

Veja trailer de The Rover – A Caçada


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About TIAGO

TIAGO LIRA | Criador do site, UX Designer por profissão, cinéfilo por paixão. Seus filmes preferidos são "2001: Uma Odisseia no Espaço", "Era uma Vez no Oeste", "Blade Runner", "O Império Contra-Ataca" e "Solaris".