Soundtrack | Crítica | Brasil, 2017
Soundtrack vai por um caminho por explorado do cinema: o da poesia filmada.
Elenco: Selton Mello, Ralph Ineson, Seu Jorge, Lukas Loughran, Thomas Chaanhing, J.G.Franklin | Roteiro e direção: 300 ml | Duração: 112 minutos
Existem filmes que prezam pelo entretenimento – e não há nada de errado nisso – mas de vez em quando aparece um como Soundtrack, que te pega pela mão e te leva por um caminho diferente, querendo que você aprecie o passeio sem indicar atalhos para essa estrada. Num misto de arte e uma visão publicitária, pois os diretores atendem por uma alcunha típica da área (300 ml), essa produção brasileira se permite interagir com várias partes do mundo num cenário internacional, fazendo a produção passar os limites da regionalidade geográfica e se torna, verdadeiramente, um filme do mundo.
Há um motivo bem simbólico para a escolha do cenário. Ao decidir ir para uma estação de pesquisa polar, Cris (Selton Mello) não está apenas se isolando, porque aquela imensidão na neve é como uma tela em branco. Para um artista é um desafio: seja uma pintura, um texto ou uma fotografia, a tela em branco é o desafio inicial. O que os diretores 300 ml fazem é exacerbar esse desafio, tirando os limites que a moldura ou a tela impõem. O que faz, a princípio, a rusga entre o protagonista e Mark (Ineson). Ele nunca diz isso com palavras, mas o seu trabalho pesquisando os efeitos do aquecimento global é muito mais importante do que, como o próprio cientista diz, ficar de babá para Cris. É uma visão pragmática, uma praticidade que gera conflitos entre esses dois.
Ao pisar nessa terra sem nacionalidade, Cris é retratado pelos diretores um tanto como os pioneiros da Apolo 8 que circunvagaram a Terra no natal de 1968. Uma sensação de descoberta envolve toda a trama do filme que em determinados momentos é tão cheia de poesia que extrapola os limites tradicionais do cinema, como se a mídia fosse apenas o jeito de entregar uma mensagem. O que responde a pergunta de quem afinal de contas são os 300 ml: é difícil, para não dizer impossível, encontrar essa informação na internet, o que mostra que eles estão mais preocupados em entregar essa mensagem do que serem reconhecidos como mensageiros.
O que nos leva a grande pergunta: qual é, afinal, a mensagem do filme? O que temos durante os minutos de projeção é uma discussão sobre o que é arte, se existem limites para ela – inclusive se a própria vida é um limite. Nesse lugar onde não existe um “onde” e quando poucos minutos onde não se seguem as regras significa ir para o outro mundo mais cedo, há uma curiosidade não satisfeita na plateia que procura respostas mais fáceis. Com suas fotografias, Cris quer se compartilhar com o mundo. Melhor ainda, compartilhar a sua felicidade e até seu desespero. O que acontece é a compreensão do mundo de modo diferente, experimentando a cegueira imposta pela neve que te cobre da cabeça aos pés.
Então, se procurarmos respostas é capaz de sermos tragados por fendas e termos muito dificuldade de sairmos delas. O caminho que os diretores tomam é de mostrar e não explicar, deixando que essas inúmeras perguntas flutuem na cabeça dos espectadores – numa decisão extremamente perigosa, comercialmente falando. Há diretores de outras nacionalidades que já fizeram isso – Terrence Malick e Darren Aronofsky parecem ser a grande inspiração dos 300 ml – mas já há algum tempo não se via no nosso cinema uma produção tão intimista a ponto de fazermos tantas perguntas a nós mesmos, incluindo nesse rol saber afinal de contas quem são esses dois que atendem por um nome quase como uma marca.
Com um nome desses é impossível não prestar atenção na música do filme. Além da fotografia, Cris vive com música. Mas ao invés de preencher o fundo do filme com uma trilha sonora ininterrupta, os diretores optam por colocá-la em determinados momentos da narrativa apenas quando há um sentido para isso. Seja com Cris ouvindo para si próprio ou compartilhando esses momentos, o que acontece com a música do filme é que ela aparece em momentos belíssimos da história e são cortadas secamente como um botão de uma fita cassete que é apertado. Para os diretores, a trilha do filme é como a vida: existem momentos lindos, mas efêmeros e que são cortados por outras intemperes da nossa existência.
Ao passear entre drama, poesia, um pouco de graça e até encontrando espaço para uma mensagem ambiental, Soundtrack é uma daquelas produções que desafiam o nosso senso comum. Por se passar numa estação de pesquisa internacional, os vários diferentes rostos e personalidades dão uma sensação cosmopolita à trama, mesmo que seja centrada num brasileiro, um cenário onde o branco é uma abertura para inúmeras possibilidades e muitas novidades – uma cor que é quebrada no ápice da paixão de Cris pela sua experiência, num vermelho que cobre ao companheiro de tenda, ele mesmo e nós da plateia que estamos vivenciando essa experiência.
Soundtrack | Trailer
Soundtrack | Pôster
Soundtrack | Imagens
Soundtrack | Sinopse
Cris (Melo) recebe uma autorização para ir à uma estação polar e poder fazer um trabalho artístico, o que recebe o desdém de seus companheiros lá estacionados que fazem importantes pesquisas geológicas. Nesse cenário inóspito, tanto o artista como os cientistas descobrirão modos diferentes de ver o mundo.
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