Silêncio | Crítica | Silence, 2016, EUA-Japão
Silêncio é uma reflexão da ligação do humano com o divino e um dos melhores filmes de Martin Scorsese.
Elenco: Andrew Garfield, Adam Driver, Ciarán Hinds, Liam Neeson, Tadanobu Asano, Issey Ogata, Yōsuke Kubozuka | Roteiro: Jay Cocks, Martin Scorsese | Baseado em: Silêncio (Shūsaku Endō) | Direção: Martin Scorsese (Taxi Driver) | Duração: 161 minutos
A obsessão de Martin Scorsese com a religião não é novidade: desde a culpa católica até a sua versão do Cristo, considerada profana por muitos, e visitando até a figura do Dalai Lama. E em Silêncio o diretor faz uma reflexão do humano em relação com o divino, da dureza do Criador, cheia de caminhos tortuosos e dolorosos. A virtude dos personagens é testada longamente, refletindo a extensão pouco usual de um filme de padrões comerciais. E assim como os protagonistas, é no silêncio que devemos refletir se existe alguma resposta, uma experiência que funciona tanto para aqueles que acreditam em alguma força divina quantos os que não.
Há uma velha máxima sobre a resposta de Deus de súplicas vindo de nós, suas criaturas. Nada deixa de ser respondido, mesmo que essa resposta seja não. O que aflige os que creem é o silêncio do Criador, e a procura por respostas por algo que parece justo é mais duro ainda. Como o Padre Ferreira (Neeson) vê os inocentes sofrendo não só pela perseguição, mas também a tortura em fontes de água escaldante, é dolorosa para nós como expectadores. E para aqueles que não acreditam, o simples fato da dor nos aproxima do martírio que o padre agora acusado de ser apóstata sente.
Apesar de parecer um contrassenso uma história com esse nome ser tão carregado de diálogos é onde em especial que o substantivo-título ganha mais força. Pois quanto mais ouvimos as súplicas e gritos de Sebastião (Garfield) e Francisco (Driver) é que o real silêncio se torna mais evidente. Porém, o silêncio também faz parte da missão terrena da dupla de portugueses, já que tudo que é feito pelos padres é silencioso, na base dos sussurros. E quando os dois presenciam o martírio de um trio de personagens que não negaram sua fé por ordem do Inquisidor Inoue (Ogata), mais uma vez eles tem que se calar para preservar a própria vida.
A história, baseada no original de Endō, vai por um caminho de discussão sobre o que é a fé, afinal de contas. Essas discussões acontecem com os membros da igreja escondida que Sebastião e Francisco lideram – elementos que passam pela dificuldade de transmitir certos conceitos por causa da língua –, passando pelo o que os capturados pela fé deveriam fazer – representado por pisar num ídolo – e pela própria visão diferenciada dos padres – com Sebastião permitindo que eles pisassem e Francisco dizendo que eles deveriam ser fortes. Entre o segundo e o terceiro ato essa discussão se estende para Inou e o Intérprete (Asano) que tentam convencer Sebastião que essa fé não poderá prosperar no Japão e que as atitudes do padre vêm da soberba.
Esse discurso não é negado por Scorsese ao mostrar a fixação de Sebastião na figura de Cristo, ao ponto do jesuíta enxergar em seu reflexo a face de Jesus. Aprender isso também é tortuoso para Sebastião, assim como é sua fé testada no limite de perdoar com Kichijiro (Kubozuka), a maior representação do setenta vezes sete. O personagem é quase um alívio cômico, aquele que sabemos que não vai cumprir sua promessa e que desde o começo entendemos que irá repetir seus erros. Mas ele é a representação fidedigna daquele que podemos chamar de não-praticante: no fim e no desespero, ele irá gritar e implorar perdão, sem saber se a próxima vez esse pedido chegará aos ouvidos de alguém.
Uma discussão implícita durante a jornada de Sebastião é o valor da vida. E isso entra num terreno espinhoso que só é percebido depois de muita dor. Afinal, valeria mais declarar um amor por Cristo mesmo em face da morte, ou proteger seu rebanho, como o próprio Cristo fez seria de melhor, ainda que significasse apostatar? Imagino que isso seria uma discussão entre conhecedores e teólogos, entre defensores e detratores. Não há uma resposta fácil; aliás, não há resposta. Alguém poderia tomar como exemplo a história dos espias enviados a Jericó que foram salvos por uma mentira ou então nos grandes mártires da Igreja que não renegaram sua fé mesmo em face da morte. Ou ainda acreditar no poema das pegadas da areia. A decisão fica por conta do espectador.
Qualquer que seja a sua conclusão, Silêncio é um filme tanto para os que creem paras os que não. Pelos símbolos que usa – o pagamento das moedas de prata, o canto do galo, uma cruz que se projeta ao fundo num diálogo entre um mudado Sebastião e Kichijiro – Scorsese apenas aponta que seja qual for a sua decisão, ela nunca vai te abandonar. É difícil sim acompanhar as lentas câmeras e a duração do filme, mas é algo intencional para tentar passar, de modo bem ameno, o sofrimento dos personagens. Ao participar dessas dores, que se estenderam até mesmo na produção do filme, o diretor nos imerge numa situação forte e triste. E na empatia que criamos com os personagens, pouco importa se há da parte da plateia fé no divino ou não.
Silêncio | Trailer
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Silêncio | Sinopse
Num Japão do século XVII onde a religião católica e os praticantes da fé são perseguidos, os padres jesuítas Sebastião Rodrigues (Garfield) e Francisco Garupe (Driver) embarcam numa perigosa jornada para procurar Padre Ferreira (Neeson), seu mentor e que foi acusado de renegar a fé, e se vem num cenário onde fieis buscam desesperadamente a orientação de um pastor, por mais perigoso que isso seja.
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