Segredos de Sangue | Crítica | Stoker, 2013, EUA
Cativante, sombrio e misterioso, Segredos de Sangue se destaca no gênero e é um alento os fãs do gênero.
Com, Mia Wasikowska, Matthew Goode, Nicole Kidman, Dermot Mulroney, e Jacki Weaver. Roteirizado por Wentworth Miller. Dirigido por Park Chan-wook (Oldboy).
Palmas às primeiras vezes, por mais abstrato e nebuloso que isso possa soar. O roteirista de primeira viagem Wentworth Miller – para muitos, o eterno Michael Scofield da série de TV Prison Break (2005-2009) – se uniu com o diretor Park Chan-Wook, de Oldboy (Oldboy, 2003), no seu primeiro trabalho em solo americano; e que trabalho! Chan-Wook não é nenhum novato, e o fato dele ter acreditado no roteiro que estava escrito desde 2010 – quando Miller usou o pseudônimo de Ted Foulke – deu muito crédito ao estreante. Com uma história cativante, sombria e misteriosa, “Segredos de Sangue” se destaca no gênero, quase salvando um semestre que foi bem fraco para os fãs do estilo.
India Stoker (Wasikowska) é uma garota introvertida que completou dezoito anos. E no dia do aniversário, o pai sofre um acidente de carro fatal. Durante o funeral e o velório, India nota a presença de um homem atraente nos serviços, e descobre que é o seu tio Charles (Goode). Apesar de nunca ter ouvido falar que o pai tinha um irmão, existe uma ligação entre os dois, e a mãe de India, Evie (Kidman), convida o cunhado para que ele passe uns tempos na casa da família junto delas. Começa uma história de desconfiança, perigo e atração.
Os primeiros minutos do filme conseguem dar o tom do filme de um modo muito singelo. A curta narração de India, as singelas flores brancas salpicadas de vermelho, a câmera focando nos detalhes da moça mostram a personalidade da protagonista, apesar de não ficar claro o que ela olha, mas um carro de polícia estacionado um pouco atrás do dela já é suficiente para dizermos que alguma coisa não está certa. India tem um olhar peculiar, como se estivesse caçando alguma coisa com os olhos numa densa mata, meticulosa, paciente e calma. Diferente de outras introspectivas, ela não tem um mundo particular, mas vê o interior das coisas e das pessoas. Essa característica é bem desenvolvida pelo modo que ela ouve o que ninguém mais consegue: sons baixos, canto de pássaros, respiração, deglutição, uma casca de ovo quebrando suavemente, e a música que saía nos fones de ouvido de um mp3 são alguns exemplos. E o mais poético é numa aula de artes no colégio, em que ela está pintando uma natureza morta no que parece ser um estilo cubista, ou outro tipo de arte abstrata. Mas ao aproximar da câmera, o diretor mostra que o que ela está representando são os padrões da parte de dentro do vaso, num ângulo ninguém poderia perceber sentados como estavam.
Charlie é um personagem muito parecido com India, mas ele é retratado sempre em vantagem, pois o diretor o filma numa altura acima da sobrinha, o que a deixa em desvantagem. E é interessante como o diretor constrói a relação inicial entre os dois. No primeiro momento em que conversam, há um suave som de bater de asas. E é mostrado que India gostava de caçar pássaros com o pai. Então, naquele momento, Charlie se tornou a caça da protagonista, e isso tem várias interpretações. Disso, a história cresce para uma obsessão.
Além de ser conquistador e charmoso, Charlie é a subversão do personagem jovem e legal, como é comum ser mostrado em oposição à figura paterna. E numa jogada interessantíssima, Miller e Chan-Wook praticamente não mostram nada da personalidade do falecido, inclusive sequer mostram qualquer imagem de Richard Stoker (Mulroney), que fica como um figura à ser esquecida rapidamente, algo que Evie faz com facilidade por causa da personalidade cativamente de Charlie. Aos poucos, India também é dominada pela presença do tio, e por mais doentio que isso pareça – porque é – as duas não parecem se importar com isso. India inclusive começa a fantasiar momentos que não aconteceram, transformando Charlie num heroi, um galante cavaleiro num cavalo branco que veio para salvá-la. A cena em que ela aceita a natureza do tio ao piano, que é ligada a um momento anterior onde uma aranha sobre pelas pernas e coxas da jovem, é o clímax do desejo, deixando que o mal a penetrasse. Ao mesmo tempo, usar a palavra mal seria muito maniqueísta da minha parte, já que os personagens em momento nenhum são assim.
“Segredos de Sangue” impressiona por vários outros motivos. Chan-Wook é um diretor de tanta qualidade que conseguiu apresentar um trabalho belo e violento. A montagem de Nicolos de Toth tem partes de ótimo gosto, como a cena que liga dois momentos distintos, um que acontece no porão da casa dos Stoker, e outro num hotel barato da cidade. Além de outros lindíssimos, em especial quando India está escovando os cabelos da mãe, e os fios se tornam a relva num flashback que mostra pai e filha caçando, é digna de ser enquadrada com uma das melhores cenas do ano. Os créditos iniciais e finais também tem destaque, onde o primeiro brinca com o cenário e no fim ele segue o efeito contrário ao usual, acompanhando uma gota de sangue que cai. A trilha sonora de Clint Mansell acompanha os sentimentos de tristeza e suspense, e também é digna de aplauso. Apesar de usar um ou outro efeito de zoom feio ao invés de aproximar a câmera, no plano geral é um filme tecnicamente excelente. É possível notar homenagens a Hitchcock no filme, principalmente vindos de Frenesi (Frenzy, 1972), traços do personagem da série de TV Dexter (Dexter, 2006 – ), e o nome original da família e do filme, homenageando o escritor Bram Stoker, de Drácula (1897). Isso tudo mostra que Wentworth Miller fez sua lição de casa. É muito cedo para saber o que vai acontecer com o ator no papel de roteirista – o prequel do filme “Tio Charlie” deve estrear ainda esse ano – mas para um início, é realmente impressionante. Olhem a carreira dele com muita atenção, porque ele é responsável por um dos roteiros mais inteligentes do ano.
Uma observação: esse foi o último filme de Tony Scott como produtor. O cineasta tirou a própria vida em 12 de agosto de 2012.
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