Reality – A Grande Ilusão (Reality, 2012, Itália) [Crítica]
Com Aniello Arena, Loredana Simioli, Nando Paone. Roteirizado por Matteo Garrone e Massimo Gaudioso. Dirigido por Matteo Garrone.
É preocupante o crescimento de importância que os chamados reality shows tem na vida contemporânea. Em tempos de BBBs e Fazendas, se você não ficar sabendo do último eliminado, é capaz de ficar viajando nos primeiros minutos do seu dia no escritório. “Reality – A Grande Ilusão” trata muito bem dessa alienação que as celebridades tem sobre os mais incautos.
Garrone começa o filme num longo plano sequencia em plongé, mostrando um casamento com toques renascentistas. Em outra cerimônia que está acontecendo no mesmo lugar, uma família tradicional italiana (daquelas grandes, com matronas, que falam muito alto e vivem muito próximas), o convidado de honra é Enzo (Ferrante), o mais recente ganhador do Grande Fratello (a versão italiana do Big Brother). Esse é a primeira estranheza que o diretor aponta nessa quase adoração. Por que alguém chamaria algum semi famoso para um momento tão íntimo como um casamento, apenas para falar uma série de palavras e um discurso pré-pronto? Esse, digamos assim, poder atrai tanto o protagonista Luciano (Arena) que, ao ver Enzo sair do casamento de helicóptero, cria um fascínio que o fará participar do processo seletivo para a nova edição do programa.
Luciano tem uma vida simples de peixeiro, e complementa a renda da família fazendo pequenos trambiques. Mas depois que participa de uma entrevista, ele se torna crente de que vai conseguir entrar no programa. Luciano entra numa paranoia e começa a perder a percepção de realidade, e cria toda uma fábula pela expectativa, pois ele quer um mundo orwelliano, achando que está sempre sendo observado e julgado. O personagem passa por uma mudança de caráter não por estar arrependido, mas por acreditar que todos seus passos são vigiados.
É interessante algumas decisões ao longo do filme, como a visual perda de foco de Luciano (justificando o rack focus), ou alguns tons azulados típicos de um ambiente iluminado só pela luz de uma TV ligada. A transformação do personagem, de sua sanidade, a relação com a família, e os passos que levam à doença são bem desenvolvidos na tela, e o faz que nos importemos e muito com Luciano. Por exemplo, numa cena que o cunhado dele faz uma pegadinha, sentimos muita pena da situação.
Apesar do desenvolvimento da perda de percepção que Luciano tem ser vista de um jeito muito similar em “Réquiem para um Sonho” (Requiem for a Dream, 2000), “Reality – A Grande Ilusão” tem seus próprios méritos, sendo o principal o questionamento da importância exacerbada que tantos dão à pessoas que aparecem na televisão, ou em qualquer outra mídia, que se tornam criadores de tendência, e são enfiados goela abaixo por um sistema pífio de entretenimento.
Essa crítica foi publicada originalmente na cobertura da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo de 2012.