Pequeno Segredo | Crítica | Brasil, 2016
Pequeno Segredo apela para um desnecessário melodrama, além de ser extremamente desonesto com o espectador.
Elenco: Julia Lemmertz, Maria Flor, Fionnula Flanagan, Erroll Shand, Marcello Antony, Mariana Goulart | Roteiro: Marcos Bernstein | Baseado em: Pequeno Segredo: A lição de vida de Kat para a Família Schurmann (Heloísa Schurmann) | Direção: David Schurmann
É bem evidente que David Schurmann abriu seu coração e o derramou nas páginas do roteiro de Pequeno Segredo. Porém, uma história deve ser emocionante por si só e Schurmann, na função de diretor, força o melodrama, um dos grandes defeitos da produção. Para nos fazer chorar, o cineasta velejador usa de artifícios como a música exageradamente dramática a cada momento trágico da história e essa não é a única desonestidade da narrativa. Sem sombra de dúvidas, foram anos que deixaram uma marca indelével nos Schurmann, e contá-la lhes pareceu importante. Só não precisava ser forçado para a audiência da maneira que foi.
Nos primeiros minutos de história, depois do que acreditamos ser um prólogo, Schurmann constrói a relação entre Kat (Goulart), seus pais e o mar. É uma justaposição de cenas plasticamente bonitas e interessantes, onde o lençol onde os três se deitam lembram as próprias ondas e a há um estado de paz e tranquilidade quando eles estão de fato nas águas. Esses momentos-chave na vida de Kat são mostrados em slow-motion e a técnica é replicada durante o restante do filme. A princípio, existe a impressão que o filme seguirá um caminho mais contemplativo, como aquelas memórias que estão gravadas na nossa mente e que gostaríamos que durassem mais.
O grande problema desse pequeno segredo é como a história é construída para o público. É de se estranhar o uso de nada menos que quatro pontos de vista – além de Kat, temos o de Heloísa (Lemmertz), Barbara (Flanagan) e Robert (Shand) – que estão emboladas na narrativa com o intuito de nos enganar e preservar o tal segredo do título. Não há nenhum tipo de diferenciação – seja na fotografia ou na maquiagem – que dê a mínima pista que as histórias se passam em tempos diferentes. E isso é não é uma falha na montagem, é uma opção desonesta do diretor. Em filmes de suspense ou thrillers faria sentido, mas não num drama.
Para tentar preservar a surpresa da audiência – que só funciona para quem não conhece a história do livro ou não leu a sinopse – a fotografia do filme é uniforme, nada diferente do que vemos em novelas, com exceção do prólogo/conclusão. E nos dez anos que se passam entre um ponto e outro, não existe uma diferença clara nos personagens. Não existem marcas, cabelos grisalhos ou qualquer outra dica que fique no subconsciente do espectador, além de uma cena em que Jeanne (Flor) ouve uma fita K7 e uma amiga de Kat cita Hakuna Matata. Ainda assim, esses momentos históricos não estão tão distantes a ponto de não terem existido ao mesmo tempo.
A história apela tantas vezes para o melodramático, seja por momentos ou falas dos personagens, que desconfiamos que não existiram do modo que é retratado. Por exemplo, o atropelamento de Jeanne acontecer logo depois de Robert dizer que vai embora do Brasil, o que leva algumas cenas que só servem para esticar a narrativa, como a que o neozelandês vai conversar com a brasileira que o rechaça como se o acidente fosse culpa dele. O que acontece é que Schurmann e Bernstein não sabem trabalhar o núcleo principal e alongam o filme com a história da família expandida de Kat.
Em suma, a família biológica de Kat não é bem construída ao ponto de nos importarmos muito com ela, sendo que o cúmulo fica nas falas de Barbara, tão aristocrata que estereotipa a figura da sogra megera. E durante a narrativa, a montagem separa tanto esses núcleos que quando finalmente entendemos a relação entre todos – que já estávamos esperando há algum tempo – já é tarde demais, pois se passaram praticamente dois terços do filme, deixando a sensação de ser assim apenas para fazer um filme com uma duração superior a noventa minutos. Com outros cortes, a produção ganharia mais dinamismo e ficaria com dez minutos a menos tranquilamente.
Também é difícil entender a decisão de que praticamente nos dois atos a decisão de esconder de Kat e da audiência o segredo, mas depois entregar tudo de graça sendo que o diretor já havia contada de maneira subjetiva e muito bela uma premonição de Jeanne e sua filha. De novo, o diretor apela para o melodrama, mas tem medo de deixar por ele mesmo, seja por querer deixar o filme mais comercial ou por não confiar na percepção do público que já tinha enganado até então. E existem outras pequenas coisas que vão piorando o filme, como a demora em apresentar as pessoas pelo nome e a insistência em focar na pequenez e magreza de Kat, ainda que um desses momentos gere uma boa piada.
Mesmo com o receio de soar repetitivo, Pequeno Segredo quer ganhar a audiência simplesmente pela carga emocional, que não escapa nem mesmo nas legendas antes dos créditos. A história de Kat é linda e triste por si só, portanto não há necessidade de forçar sentimentos além dos que estamos vendo. Schurmann não achou um meio caminho entre filmes ditos comerciais e artísticos: ele fez um filme comercial, adequado para uma audiência televisiva, que não ofende nem desafia. E querer nos enganar com isso, por mais que paguemos para sermos enganados quando entramos no cinema, é desonesto demais da parte do diretor.
O filme estreia comercialmente em 10 de novembro e foi o indicado do Brasil para uma vaga no Oscar 2017
Pequeno Segredo | Trailer
Pequeno Segredo | Pôster
Pequeno Segredo | Imagens
Pequeno Segredo | Sinopse
“Baseado em uma história real, “Pequeno Segredo” conta a emocionante história de uma menina e três mulheres que compartilham um segredo que mudará suas vidas. A pequena Kat sobreviveu à maior das tragédias em sua infância, a perda dos pais. Após sua adoção, inicia um surpreendente caminho de aventuras. Já na adolescência, Kat busca se encaixar a uma vida “normal”. Heloisa, a guardiã do segredo, é uma mãe dedicada que luta para manter a integridade e união de sua família, mas ela sabe que o futuro é imprevisível. A jovem amazonense Jeanne descobre em seu amor por Robert, um estrangeiro, que as possibilidades são infinitas, mas não conta com o destino, que tem seus próprios planos. Barbara, uma senhora que se tornou fria e solitária, é capaz de tudo para conseguir o que quer. Um dia o passado bate em sua porta e ela embarca em uma jornada para redescobrir o amor. Histórias de amor, família, felicidade e frustração são interligadas por um único e “Pequeno Segredo”. Um filme surpreendente e inspirador que fará você mudar a maneira de ver a vida“.
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