Parasita | Crítica | 기생충, 2019
Um filme atual como Parasita merece atenção, pois, mesmo vindo do outro lado do mundo, as relações entre classes sociais não poderia ser melhor abordada.
Para todos os efeitos e para deixar as coisas bem claras, Parasita é um filme tão cruel quanto as disparidades entre ricos e pobres. Durante 120 minutos, Joon-ho mostra que a relação entre empregados e patrões pode ser tranquila à primeira vista, mas só aqueles que tem o poder realmente podem mudar a direção das nossas vidas. Todos já ouviram aquelas histórias de empregadas, motoristas ou qualquer outro tipo de prestador de serviço que seria tratado como se fosse da família. Por meio de algumas alegorias e outras situações mais diretas, o diretor coreano expõe que as coisas estão longe de serem assim, falando de uma parte da sociedade é mais fachada do que verdade.
Sem meias palavras, Joon-ho nos mostra a vida difícil do jovem e brilhante Ki-woo (Woo-shik) e sua família vivendo num semi-porão, abaixo até do nível da rua. Esse é o primeiro signo que o diretor usa para mostrar as dificuldades da família. Pode parecer à princípio que o pai Ki-taek (Kang-ho) é um preguiçoso, uma visão que aqui no Brasil é muitas vezes e erroneamente dada a um certo senhor que deve catorze meses de aluguel. Porém, aos poucos conhecemos seu passado como motorista, empreendedor – mais de uma vez – até chegar nesse ponto que precisa se apropriar de um sinal de wi-fi alheio para que ele e a família tenham alguma distração.
É verdade que a Coreia do Sul tem um alto nível de educação, e que o ensino público recebe mais verbas que o privado, mas sempre existe uma parte mais vulnerável. Provavelmente Ki-woo seria um excelente estudante de qualquer faculdade, mas é preciso primeiro sobreviver, nem que isso signifique economizar com dedetização. De certa maneira, aqueles quatro lembram Os Simpsons: existe um gênio que se destaca, mas não é verdade que os outros sejam inúteis. Aliás, essa referência cai na parte da comédia sombria das situações, como pai e filhos tendo que se esconder enquanto os seus patrões observam o próprio filho brincar.
O que começa com uma pequena mentira, que poderia ser facilmente contornada pois a Sra Park (Yeo-jeong) não se importa com os títulos de Ki-woo, apenas se ele é um bom professor, transforma numa espiral de imprevisibilidades e formando uma teia que o jovem não sabe como desfazer. É até louvável que ele queira tirar a família daquele lugar que é pouco mais que uma toca, começando com a irmã Ki-jeong (So-dam), que ganha o nome de Jessica. Por um certo ponto de vista, a atuação de Ki-woo, que consegue até prever as falas de seus patrões, pode ser vista como uma reparação social.
A questão é o que vem depois disso. Ao colocar a mãe, Chung-sook (Hye-jin), como governanta dos Park e pai como motorista eles cruzam uma linha moral que vai além da mentira. Se na condição de pobres os irmãos se encontram numa situação questionável para sobreviver, o mesmo não pode ser dito quando mãe e pai tomam o emprego de outras pessoas. Ali, aquele quarteto começa a causar um mal verdadeiro, envolvendo quem nada tinha a ver com a história – e da mesma classe proletária deles. Aí então não podemos mais defender a família Kim. Antes, eles se aproveitavam da ingenuidade dos Park. Agora, esquecem de seus iguais.
Entre desejos simples como poder ler deitado na grama enquanto se pode ver o céu e exageros que essa vida de luxo pode proporcionar, como quando os quatro aproveitam a ausência dos patrões, começam as partes mais inesperadas da história. Primeiro, a quebra de confiança quando Ki-woo rouba o diário de sua aluna, e depois na virada mais inesperada da trama, o que traz um dos roteiros mais criativos dos últimos anos no cinema. É uma surpresa para nós na plateia, uma loucura inesperada e que coloca em xeque a índole dos quatro que poderiam se compadecer da situação de outros que também estavam em situação de desespero.
Essa parte da história é icônica demais para não ser comentada, ao mesmo tempo que importante demais para ser discutida para quem eventualmente não assistiu ao filme. Digamos apenas que não são os ricos que escondem segredos – mas a verdade é que os mais humildes escondem por outros motivos, como o pacote de cigarros com algumas notas que Ki-jeong guarda no teto de casa e que é uma das poucas coisas que lhe sobram depois de um evento inesperado. Essa virada que acontece em outro porão mostra também ao que muitos tem que se sujeitar, com um personagem agradecendo a outro simplesmente pelo fato de estar ali e sobreviver, mas não viver.
O cinema já lidou com a questão do como uma pessoa se torna ou se mantém uma pessoa, várias vezes usando a analogia do trabalho, e que se essa pessoa não poder dar sustento à sua família ela não é ninguém, como o protagonista de Ladrões de Bicicletas (Ladri di Biciclette, 1948, Vittorio De Sica). E quantos aqui que leem, sem dúvida 99% da classe trabalhadora, já não se encontraram em situações que sabem que discutir é arriscar o pescoço, onde é preciso engolir o orgulho e continuar por não ter outra opção. A cena onde pais e filhos se escondem é engraçada por ser insólita, mas é ao mesmo tempo triste por Ki-taek perceber que é julgado por seu cheiro de trabalhador.
Há outros pontos interessantes que mostram com primor como é a vida da maioria de nós: Ki-woo e a família precisam improvisar constantemente, como a maioria de nós para terminar o fim do mês fora do vermelho – isso quando se consegue – ou transformar o celular numa arma, o que faz sentido nesse mundo em que a linha fixa foi abandonada e, na correria do dia-a-dia, ficar sem esse aparelho pode significar perder uma oportunidade de emprego. Mesmo se não fizéssemos como os Kim, é preciso lembrar que há algo de comédia além de drama nesse filme, e que a comédia é sempre uma exageração da verdade. Então, procuramos uma vida mais digna, mas, por uma questão de narrativa, Joon-ho exacerba para fixar a mensagem.
O que o diretor faz e nos lembrar que para os mais vulneráveis, fazer planos não serve de nada. Por isso que em Parasita o improviso funciona melhor para os personagens – e eles só perdem essa vantagem quando baixam a guarda. Pessoas em posições de mais vantagem na vida, a maioria mais por sorte do que por esforço próprio, julgam dizendo como as coisas são fáceis, que você precisa viajar mais para entender as coisas, ou como a propaganda tenta vender um mundo de consumo e que sem isso nada faz sentido, ou que é só você poupar que vai ter uma aposentadoria melhor. No mundo real, o que temos são apenas sonhos. E a realidade é que na maioria das vezes, eles não se realizam.
Elenco
Song Kang-ho
Lee Sun-kyun
Cho Yeo-jeong
Choi Woo-shik
Park So-dam
Direção
Bong Joon-ho (Expresso do Amanhã)
Roteiro
Bong Joon-ho
Han Jin-won
Argumento
Bong Joon-ho
Fotografia
Hong Kyung-pyo
Trilha Sonora
Jeong Jae-il
Montagem
Yang Jin-mo
País
Coreia do Sul
Distribuição
CJ Entertainment
Pandora Filmes (Brasil)
Duração
132 minutos
Data de estreia
07/nov/2019
Um jovem da periferia da Coreia do Sul começa a trabalhar na casa de uma família rica e arquiteta um plano para que toda a própria família seja empregada também. Mas essa teia de mentiras começa a sair do controle.
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