O Silêncio do Céu | Crítica | Era el Cielo, 2016, Brasil-Uruguai
O Silêncio do Céu é uma abordagem direta, um filme impactante e que lida com o terrível assunto da violência contra a mulher e da culpabilização da vítima
Elenco: Leonardo Sbaraglia, Carolina Dieckmann, Chino Darín, Álvaro Armand Ugón, Mirella Pascual, Roberto Suárez, Paula Cohen, Priscila Bellora, Dylan Cortes, Gabriela Freire, María Mendive | Roteiro: Lucía Puenzo, Sergio Bizzio, Caetano Gotardo | Baseado em: Era el Cielo (Sergio Bizzio) | Direção: Marco Dutra (Quando eu era Vivo)
Existem situações tão terríveis que merecem uma abordagem direta ao invés da simbólica. A violência sexual contra mulheres um tabu ainda gigantesco na sociedade e por isso Marco Dutra explora esse ato tão cruamente em O Silêncio do Céu, sem meias palavras, direto como um soco no estômago, para sensibilizar ao mesmo tempo em que choca a plateia. Cheio de reflexões, preenchidas por uma narração que em determinados momentos exagera a explicação, esse é um filme extremamente triste, que lida com medos e horrores de uma sociedade que é doente em parte e talvez sem cura.
Às vezes, fazemos analogias com filmes para tentarmos aproximar sensações familiares para explicar o que estamos vendo. Pois bem, essa produção não é uma montanha russa, pois ela já começa no pico, não tendo nenhum tempo para nos prepararmos. Diana (Dieckmann) é violentada e a câmera de Dutra nos engana para que, mesmo que por poucos segundos, não possamos fugir dessa crueldade – digamos que você poderia virar os olhos, mas só depois de entender a cena. Assim como para a protagonista, é algo imposto. Ela tenta se isolar, abafando sons e olhares apenas para ser arrastada à terrível realidade. E, como em muitos momentos da nossa vida, a experiência piora no complemento da cena, quando sabemos que o namorado dela presenciou o fato, mas não agiu por estar petrificado de medo.
Temos estudos que dizem que apenas 35% dos casos de estupros são denunciados, e isso se dá por inúmeras razões. Mario (Sbaraglia), um poço de fobias variadas, não entende como alguém poderia passar por isso e não fazer uma denuncia. Ele, cheio de tantos medos, não conseguiu ver nos olhos de Diana outro medo, algo que para os homens é bem improvável de acontecer. Num ímpeto de fazer alguma coisa para ajuda-la, ele se municia de uma grande pedra, depois de uma tesoura, mas sem ter tempo de usá-la. Depois, aquela pedra fica na sala da casa deles, como uma lembrança constante do assunto que não é mencionado, mas presente.
Cheio de ódio profundo e um desejo de vingança, Mario começa a incorporar um personagem para caçar os dois homens que violentaram Diana. Para ser mais exato, ele veste uma máscara, algo para esconder seus medos. E ele sai à caça desses dois seres, representados como feras, acentuando os receios de Mario. O primeiro deles, Néstor (Darín), trabalha numa estufa, mas que naquele momento parece uma floresta, onde Mario se sente intimidado pelo físico do jovem, que parece um gorila – uma sensação reforçada pelo som do carrinho de carga que lembra o som de um símio grande – pouco inteligente, mas forte.
O segundo, Andrés (Ugon) é representado mais como um predador ou um macho alfa. Quando somos apresentados ao seu apartamento, Dutra e o diretor de fotografia Pedro Luque transformam aquele ambiente num covil, com direito a um vermelho forte nas paredes, vinho como sangue, e a cabeça de um animal empalhado ao fundo. Apesar de ser um lugar sombrio e pouco convidativo, essas são imagens que passam uma mensagem sutil da personalidade desse homem sem a necessidade de luzes fortes para que a vejamos, e as camadas ficam mais no subconsciente do espectador.
Levando em conta a tradução literal do nome original do filme e do livro – Era o Céu – fica mais clara a decisão de Dutra em preencher ambientes e figurinos de azul. A cor, dentro da psicologia, é muito ligada à calma e à segurança – é uma cor primária e que está presente em quase todos os ambientes da casa de Diana e Mario. Então há um choque de realidade, e essa cor que aparece constantemente na vida de Diana toma sua outra característica: a tristeza, de maneira que ela não consegue escapar. Apenas quando a narrativa muda de ponto de vista, e entram as narrações dela, é que Diana começa a enfrentar seus medos, mas ainda se segurando por não saber exatamente como agir.
O Silêncio do Céu é uma obra muito importante para a nossa sociedade. Vivemos num mundo que parece sem cura, nos enclausurando por medos de que coisas terríveis possam acontecer. Em especial com as mulheres. Elas que passam pela culpabilização enquanto vítimas, elas que tem receio de sair de casa, com medo pelo modo que se vestem ou como andam, com quem falam ou com ou o que falam. É algo tão terrível e tão incômodo de ser pensado que o diretor escolheu bem não ser sutil. Apesar de trabalhar com alguns símbolos, como a citada pedra e a presença do azul, esse é um assunto que muitas vezes não sabemos como recomeçar ou o que dizer. Ou ainda, assim como o plano final, mesmo estando juntos, como se dentro de um carro, não saber como sair de lá, com tantas coisas terríveis lá fora. Não existe uma resposta fácil, e a história não tenta responde-la.
O Silêncio do Céu | Trailer
O Silêncio do Céu | Pôster
O Silêncio do Céu | Imagens
O Silêncio do Céu | Sinopse
Após ser vítima de um estupro dentro de sua própria casa, Diana (Carolina Dieckmann) escolhe manter o trauma em segredo. Mario (Leonardo Sbaraglia), seu marido, também tem algo a esconder. O silêncio que toma conta do casal ao longo dos dias se transforma, aos poucos, em uma peculiar forma de violência.
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