O Grande Herói | Crítica | Lone Survivor, 2014, EUA
Apesar de tendencioso, O Grande Herói é um bom filme de ação e sobrevivência.
Com Mark Wahlberg, Taylor Kitsch, Emile Hirsch, Ben Foster e Eric Bana. Roteirizado por Peter Berg, baseado no livro biográfico escrito por Marcus Luttrell e Patrick Robinson. Dirigido por Peter Berg (Hancock).
Dou o braço à torcer: O Grande Herói é um filme tendencioso ao mostrar cenas reais de treinamento dos SEALS da Marinha dos Estados Unidos – quase apontando o dedo e te chamando de maricas porque não consegue fazer um décimo do que eles conseguem – e glorificando a situação de guerra. Porém, é importante dizer também que esta história baseada em fatos reais é muito boa. Por mais que ele agrade uma grande parcela de estadunidenses, o fato que uma pessoa sozinha superou tantos problemas para contar sua história merece a nossa atenção, ainda que romantizado para se tornar um filme de ação mais tenso.
Em 2007, durante a Guerra do Afeganistão, uma tropa de quatro SEALS – Marcus Luttrell (Wahlberg), Michael Murphy (Kitsch), Danny Dietz (Hirsch) e Matthew “Axe” Axelson (Foster) – são enviados para eliminar um líder talibã considerado responsável pela morte de mais de vinte marines. Quando o objetivo não pôde ser alcançado, os quatro ficam sem comunicação com a base e seus comandantes enquanto são cercados por um número muito superior de inimigos. Sem opção, eles tem que lutar até que a ajude chegue. Se é que isso vai acontecer.
Uma narração off curta, a cena da chegada de Marcus ensanguentado e o conhecimento do título original – “O Único Sobrevivente”, literalmente – não deixam espaços para surpresas: a plateia sabe que a narrativa à seguir não vai terminar bem. Para manter o quesito dramaticidade por mais tempo, teria sido melhor que o diretor Peter Berg não mostrasse logo de cara quem é o homem na maca, ou sequer ter usado essa cena no início. Pelo menos aqueles que não m como a história termina comprariam mais a situação. O diretor é muito mais eficiente na cena seguinte quando a vida de Luttrell passa diante de seus olhos, que é onde o diretor fixa a câmera.
O flashback do protagonista se torna a narrativa principal. Aos poucos, o diretor foca nos detalhes dos quatro enquanto ainda estão estacionados em seus dormitórios e dormem, o que nos diz um pouco da personalidade e da relação de amizade deles: fotos nas paredes, preocupações com namoradas e esposas, e o fato de Luttrell dormir com uma arma debaixo do travesseiro dá uma certa tenacidade ao personagem e tenta justificar o fato dele ter sobrevivido à incursão. As brincadeiras que eles fazem entre si, e também com um novato, humaniza os personagens no intuito de lembrar-nos que eles não são máquinas.
Depois de uma explicação interessante sobre incursões militares, intercaladas com movimentação dos alvos, o diretor prepara terreno para a necessária ação. É um filme de guerra, que chega a lembrar outros do gênero. Entendo que este não será um novo clássico, apesar disso. O fim do primeiro ato é marcado por mais suavidade na música – notada principalmente na cena do helicóptero que deixa os quatro em território inimigo – e na fotografia, que funciona muito bem nas cenas noturnas, começando com um tom mais limpo, e vai passando aos poucos para uma paleta ligeiramente mais escura, mas ainda amarelada.
Aos poucos, a tensão vai crescendo. O diretor mistura o silêncio com a trilha sonora para reforçar esses momentos. Nem sempre funciona, porque essa mesma trilha tem momentos não evocando dramaticidade suficiente, com uma pegada muito mais na ação.
Então, a extrema tensão vai longe. A melhor representação é quando os quatros são descobertos por três pastores afegãos – um deles que vemos o ódio no olhar e que com certeza é um soldado talibã. Depois que Michael, na posição de comando, decide deixar os três irem, há um paralelo entre a subida difícil dos soldados contra a descida fácil do jovem pastor. Luttrell olha a todo momento para baixo, num plano longo que determina a sua angústia.
Os tiros demoram para acontecer, mas quando aparecem praticamente não existe descanso. Devo apontar o fantástico trabalho da mixagem e design de som. Os elementos se encaixam e são vivos, o que é sentido na cena em que os SEALS, sem outra opção, se jogam barranco abaixo para fugir da enorme desvantagem. Apesar da cena começar com um clichê de slow motion com todos pulando ao mesmo tempo, temos uma mistura de batidas, ossos quebrados e deslocados numa sequência que parece mais longa que realmente é: cada batida é sentida, cada dor é compartilhada conosco.
O Grande Herói foi uma péssima opção para o título nacional. Luttrell foi o único sobrevivente e, bem da verdade, o grande herói foi Michael Murphy. Não deixa de ser uma história de superação surpreendente, apesar do diretor ter optado por colocar na trama algumas coisas que não foram bem do jeito que acontecer, mas que aumentam a dramaticidade. Por exemplo, a Luttrell não poderia ter visto como Danny Dietz morreu. Há outros momentos que a dramaticidade é quebrada pelo motivo que comentei no começo: numa das cenas que poderia ser a mais forte, que com certeza foi para o verdadeiro Luttrell, um comandante talibã ameaça decapitar o SEAL, que é salvo por um afegão que o lhe deu abrigo. Mas isso se perde um pouco ao sabermos que ele sairá daquela situação vivo. Ou pelo menos moribundo.
O filme termina com fotos da operação e dos soldados reais, ao som de Peter Gabriel num cover de Heroes (original de David Bowie), numa justificativa bem comum hoje para reforçar os letreiros de “baseado em fatos reais”. É uma montagem maçante, muito longas, para casar com o tempo da música. A pior parte do filme, mas não é o suficiente para estragar a experiência. É uma história de superação, tenacidade e também de encontro: consigo mesmo e de descoberta que existe bondade até mesmo num campo de batalha, e que pode vir do lado mais improvável.
Veja abaixo o trailer de O Grande Herói.
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