O Filme da Minha Vida | Crítica | 2017, Brasil

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O Filme da Minha Vida é um recorte dessa nossa jornada pelo mundo, com bons e maus momentos – assim como a própria vida.

Elenco: Johnny Massaro, Vincent Cassel, Bruna Linzmeyer, Selton Mello, Ondina Clais, Bia Arantes, Martha Nowill, Erika Januza, Miwa Yanagizawa, Rolando Boldrin | Roteiro: Selton Mello, Marcelo Vindicatto | Baseado em: O Filme da Minha Vida (Antonio Skármeta) | Direção: Selton Mello (Feliz Natal)

Filmes sobre amadurecimento existem aos montes e nem sempre é fácil encontrar um caminho para destaca-los. Em O Filme da Minha Vida o diretor Selton Mello está no auge na função e  o caminho que ele escolheu é tornar o filme mais poético, com um protagonista apaixonado por livros, dotado de lirismo, envolvendo drama e um pouco de espaço para romance – e com algumas piadas para quebrar a sensação de melancolia que permeia toda a narrativa. Apesar da beleza visual e plástica do filme se destacar, o roteiro conta com ótimos momentos e viradas que dão vontade de rever logo depois para perceber as pistas deixadas pelo roteirista/diretor em cenas que podemos pensar estar perdidas, mas que são amarradas tranquilamente na conclusão.

O clima bucólico trazido pelos anos 1960, a região de Bento Gonçalves, a Maria Fumaça amarrada pela fotografia de Walter Carvalho com suas luzes puxada para o amarelo dão um tom cândido à narrativa de Toni Terranova (Massaro) ao mesmo tempo que remete à uma realidade não existente. O personagem diz em determinado momento que ele não sonha, então a história toda tem um quê de devaneio que vem tanto da relação com o pai Nicholas (Cassel) e da mãe, Sofia (Clais) – que mandam o filho para estudar na capital – quanto um pesadelo, quando Nicholas abandona a família sem um motivo aparente.

São várias as prisões que o agora professor tem que se libertar. Numa cidade que parece não ir pra frente, representado quando Paco (Mello) diz que a TV nunca vai substituir o rádio, Toni ainda tem que lidar com a indiferença do pai, a melancolia constante da mãe e estar divido entre as irmãs Luna (Linzmeyer) e Petra (Arantes), o espírito do pai ainda é uma constante, reforçada pelos flashbacks onde Carvalho escolhe não mudar os tons da fotografia, reforçando que a presença de Nicholas ainda é muito forte na vida daquela família agora composta por duas pessoas – a fotografia só ganha um tom mais frio quando Toni escreve uma carta ao pai.

E há uma construção interessante dos personagens, onde o diretor consegue defini-los com pouco tempo de narrativa. Quando vemos Luna pela primeira vez ela é expansiva, gosta de falar e tem muitos devaneios, numa completa oposição de Toni que é muito calado nos primeiros minutos do filme. Já a irmã Petra é mais firme, se comunica muito pelo olhar e pela expressão corporal, seduzindo o protagonista de maneira involuntária – e isso diz muito sobre o nome escolhido para as duas. Sofia trabalha como telefonista, mas não consegue se comunicar com o filho, sofrendo sozinha. Paco é um homem mais simples, mas como uma sinceridade magnética e que causa risadas na plateia. Até coadjuvantes como os alunos de Toni são bem construídos, servindo de alívio cômico nos momentos importunos.

A trama também é inteligente ao inserir pequenas pistas das conclusão que geram dois plot twists pelo menos e que vale a pena se atentar ou revisitar o filme para notá-los. Mello trabalha muito bem com eles, seja com frases soltas, conversar, troca de posições entre personagens, cenas soltas, e foco em um segundo núcleo que fica tilintando na sua mente por um tempo, e até imitações. O diretor fica no limite entre entregar demais e a sutilidade nesses momentos, mas quando a surpresa vem, a situação foi deixada na nossa mente, o que não parece uma resolução impossível ou absurda.

Existe, porém, no roteiro, uma resolução problemática. Há um personagem que faz uma coisa muito errada – não necessariamente a pior, mas mesmo assim digna de crítica. A solução dada para o seu desfecho torna o personagem quase heroico, como se a sua decisão não tivesse causado mais mal do que bem. É impossível falar mais do que isso sem entregar parte da trama do filme, mas é importante ser marcada para que depois de assistir possamos discutir isso com mais paciência.

E por concentrar a trama na pequena cidade, o máximo que acontece de grandioso é a viagem até uma cidade maior que não é a capital, o roteiro se permite falar das pequenas coisas e transformar o cotidiano pequeno em poesia por meio do roteiro. Pode ser a tentativa de Paco, um bruto, de filosofar sobre a condição que nos torna humanos ou na conversa com o maquinista (Boldrin) sobre a beleza intrínseca da sua profissão. Há exageros ao mesmo tempo, como as caras e bocas de Toni quando imagina as irmãs Bia e Petra como se dançassem para ele, quando a simples imagem dele levitando já era suficiente para resolver aquela cena.

Além do texto poético, a narrativa também brinca com isso. O filme começa e termina no mesmo lugar, dando algo de cíclico como o rolo de cinema que vai contar a história para emocionar de novo ou para pessoas diferentes. As fotografias de Luna também fazem parte desse mundo quase mágico: notem que quando vemos pela segunda vez a foto dela junto com Toni parece que o galho que a jovem usou para disparar a câmera vira uma varinha mágica – e não é a toa a escolha de Put a Spell on You (de Nina Simone) nessa cena.

Durante essa jornada para o amadurecimento de Toni, que rende cenas engraçadas e doces, faz bem também notar como as peças vão se encaixando para o caminho do personagem, às vezes saindo do sonho para encarar o peso da realidade. Como na cena em que Toni e o pai se reencontram, Luna percebe antes a presença do personagem e só aos poucos, nos próximos segundos, o sorriso de Toni vai desaparecendo. Ela, por ser uma personagem mais observadora, sai do sonho mais rápido que o protagonista. Esses signos que culminam como – e com – um soco são pancadas que impulsionam pouco a pouco Toni ao seu crescimento.

Cheio de momentos de reflexão, drama e sem deixar de lado a doçura, O Filme da Minha Vida é bem o que título diz: um resumo da dela. Melhor ainda, um recorte tão importante que pauta o boa parte, senão o restante da jornada. A narrativa tem duas viradas interessantes, outras partes são mais óbvias e serve também para o currículo do diretor de fotografia Walter Carvalho, o grande responsável pelo clima das cenas bucólicas e melancólicas e que representam os desejos mais profundos dos personagens. Se a história ainda assim não te atrair, pelo menos o lado técnico pode lhe servir.

O Filme da Minha Vida | Trailer

O Filme da Minha Vida | Pôster

O Filme da Minha Vida | Galeria

O Filme da Minha Vida | Sinopse

Depois de voltar da capital para estudar, Toni Terranova é surpreendido pela decisão do pai ir embora, deixando filho e esposa. Esse é um pouco da vida do personagem que se apaixona mais de um vez por pessoas, filmes e pelas surpresas da vida.

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About TIAGO

TIAGO LIRA | Criador do site, UX Designer por profissão, cinéfilo por paixão. Seus filmes preferidos são "2001: Uma Odisseia no Espaço", "Era uma Vez no Oeste", "Blade Runner", "O Império Contra-Ataca" e "Solaris".