No Limite do Amanhã | Crítica | Edge of Tomorrow, 2014, EUA
No Limite do Amanhã é como um grande video game, onde os personagem principal tem vários continues.
Com Tom Cruise, Emily Blunt, Bill Paxton e Brendan Gleeson. Roteirizado por Christopher McQuarrie, Jez Butterworth e John-Henry Butterworth. Baseado no original de Hiroshi Sakurazaka. Dirigido por Doug Liman (Swingers).
Os gamers se identificarão com a trama de No Limite do Amanhã como diz a chamada: viva, morra, repita. É precisamente isso que eles fazem. A aprendizagem do protagonista é a mesma que temos com os jogos. Decoramos, treinamos até chegar ao chefe final. É um filme de ficção científica com bons momentos, mas essa proximidade com o videogame incomoda, pois Doug Liman não se desapega da mídia, e compromete a produção ao esquecer da narrativa e do cinema em si.
Num futuro próximo – de novo – uma raça de alienígenas conhecidas como mimics invadem a Terra, acabando com boa parte do nosso poderio militar. Existe esperança quando são desenvolvidos exoesqueletos que aumentam o poder de fogo e de combate corpo a corpo dos soldados. O Major William Cage (Cruise) é o relações-públicas do Exército, responsável por vender a guerra para o mundo. Enganado por um superior, Cage é enviado ao campo de batalha e, por ser inexperiente, morre em poucos minutos. Porém, o encontro com o alienígena que o matou o colocou numa fenda temporal, onde ele revive o mesmo dia cada vez que morre. A cada ressurreição, ele aprende mais sobre como derrotar os inimigos ao treinar com Rita Vrataski (Blunt), uma soldado experiente que passou pela mesma situação que Cage está agora.
Cage não merece a patente que tem. Ele só a conseguiu por ser um militar da reserva e um publicitário. Mas sua participação quase infinita na guerra serão o batismo de sangue que ele precisa para merecer a graduação. Fica óbvia a escolha do sobrenome do personagem – cage: jaula, em inglês – e como ele está preso à esse destino. Nessas tantas voltas, a montagem de James Herbert e Laura Jennings funciona muito bem, dando ritmo à narrativa. Junto do diretor, os dois souberam dosar comédia, ação e drama sem parecer maçante. Quando Cage cansa de ouvir as mesmas ordens – assim como nós – os cortes ficam mais rápidos. Ou, por causa do seu aprendizado, ele escapa daquelas situações antes mesmo de acontecerem. Não é só dessa vez que vivemos a experiência com Cage. No primeiro ato do filme, antes de passar pelo evento que mudará sua percepção do universo, estamos com o protagonista no campo de batalha, tão nervosos quanto ele. Notem que, apesar da introdução contar a história daquele universo, até agora não vemos os mimics. Assim como Cage que, se muito, os via pela tela da TV, onde estava relativamente seguro.
Cage e Rita começam em polos opostos, e a jornada para que ele a alcance é interessante, necessária. Porém é um exagero o major lidar tão bem com a situação. E Rita também, apesar de ter sido treinada no campo de batalha mais cedo que Cage. O problema é que ambos – em Cage muito mais – são fortes demais. Tanto que mal parecem humanos. Um potencial não explorado do roteiro seria o drama referente à mente. Cage e Rita morreram centenas ou milhares de vezes. E apesar de ser ligeiramente cômico vê-la enfiando uma bala na cabeça de Cage cada vez em que ele se machuca muito, os roteiristas perderam a oportunidade de discutir quanto a mente alguém poderia aguentar tantos reboots. O roteiro só permite que Cage seja humano uma vez, quando numa das suas inúmeras ressurreições foge do quartel para ver o mundo acabar enquanto bebe uma cerveja. Mas prestem atenção nessa cena, onde é discutida a natureza da invasão alienígena e a falta de importância do por que ela estar acontecendo.
Ao invés de discutir ideias, Liman prefere a ação, tiros e efeitos especiais. Todos bem feitos, com exceção do 3D pelos mesmos motivos que já discuti tantas vezes: falta de profundidade, escurecimento de uma fotografia já escura e a falta de ousadia com a técnica. Há boas sequências, como a queda dos soldados numa praia da França – em paralelo com o Dia D e a invasão da Normandia na Segunda Guerra Mundial – que é um plano longo onde Cage está perdido, e as seguidas mortes dele, em que o diretor consegue, com competência, transformar em comédia para que o efeito seja menos dramático.
McQuarrie e os irmãos Butterworth não foram felizes também na parte política que aparece. Ao ganhar experiência, Cage e Rita resolvem mudar o plano de ataque, e convencer o General Brigham (Gleeson) – o mesmo que mandou Cage para o campo de batalha – à lhes entregar um protótipo que poderia localizar a fonte de energia dos mimics. No entanto, não há razão lógica para que Brigham arme uma emboscada para os dois. Melhor dizendo, seria justificável se a história tomasse tons de conspiração. Afinal, por que o major mandaria prender os dois além disso? A sequência serve só para criar um conflito e dar o último continue de Cage.
Esse é um filme que tinha potencial enorme, mas Linman e os roteiristas escolheram o caminho mais fácil dos blockbusters. É uma aventura com cenas de tirar o fôlego, e com alguns detalhes de produção interessante – como os tiros do mimics que lembram cadeias de DNA e o design dos exoesqueletos. Ao mesmo tempo, essas armaduras somem da narrativa determinado momento porque é nítida a dificuldade dos atores se movimentarem com elas. Nem sempre temos originalidade, mas é um pouco demais o movimento dos mimics e a armadura de assalto lembrarem os combates em Matrix Reloaded e Matrix Revolutions (2003, Dir dos Irmãos Wachowski). E sim, a coisa mais óbvia são as relações com Feitiço do Tempo (Groundhog Day, 1993, Dir Harold Ramis), porém considero mais uma homenagem do que outra coisa.
O que enterra No Limite do Amanhã é a covardia do desfecho. A proximidade com outro filme de ficção estrelado pelo queridinho dos estúdios – Oblivion (Oblivion, 2013, Dir Joseph Kosinski) – vem a provar uma regra não escrita de Hollywood: Tom Cruise não pode morrer, apesar de tudo ser favorável à esse cenário. E, como comentei no início, o jogador acaba se safando também. Como diz um artigo do NY Times, Hollywood matou a morte.
Veja o trailer de No Limite do Amanhã
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