Ninfomaníaca – Volume 1 | Crítica | Nymphomaniac – Volume 1, 2014, Dinamarca-Alemanha-França-Bélgica
Em Ninfomaníaca – Volume 1, Lars von Trier traz um universo que tem suas qualidades, mas também grandes problemas.
Com Charlotte Gainsbourg, Stellan Skarsgård, Stacy Martin, Shia LaBeouf, Christian Slater, Uma Thurman, Sophie Kennedy Clark e Connie Nielsen. Escrito e dirigido por Lars von Trier (Anticristo).
Fazer uma análise de caso na maioria dos filmes de Lars von Trier é um desafio. Ele é um cineasta de várias qualidades, participou do projeto Dogma, e trouxe mais de uma obra notável ao cinema. Um dos mais impressionantes diretores de uma onda mais recente do cinema – com aspas enormes, já que ele dirige desde os anos 1980 – Trier apresenta outra obra controversa: pela duração de cinco horas, que comercialmente teve que ser divida em duas partes, e o sexo explícito, trazido do cinema pornográfico para as salas comuns. Esse universo tem suas qualidades, mas também grandes problemas. Além do questionamento do por que usar cenas reais e não sugeridas, o que torna a experiência em algo sujo, seria muito melhor se não houvesse a divisão, ou se ela fosse pensada na sala de montagem de outro jeito.
ATENÇÃO: Essa crítica não é recomendada para menores de 18 anos.
Joe (Gainsbourg), uma ninfomaníaca auto-diagnosticada, é encontrada por Seligman (Skarsgård) num beco, desmaiada e ferida. Quando não consegue convencê-la a ir a um hospital ou chamar a polícia, Seligman convida Joe para que descanse em sua casa. Ele a incentiva a contar a sua história, que é narrada por uma série de capítulos – cinco na primeira parte – sobre suas aventuras e desventuras sexuais enquanto Seligman, um homem muito culto, faz relação das histórias com música, pescaria e arte.
Trier joga qualquer senso de moralidade e bons costumes para alto quando, ainda nos primeiros minutos, mistura a narração de Joe dizendo “descobri minha boceta com dois anos de idade” com uma imagem infantil. A partir daí, podemos esperar tudo, até cenas de crianças simulando uma masturbação precoce num chão molhado. Desafiador, sim. Necessário, não. Pode parecer muito, e então não se espante por ver uma sequência de pênis (muitos, obviamente por ser uma visão feminina heterossexual) e vaginas na tela. E penetração verdadeira, realizada por atores pornográficos e montadas – muito bem, diga-se de passagem – para termos a impressão de que são os atores principais que estão transando.
E não pense que o diretor está sendo leviano com essa sujeira. Pelo contrário, ela a reafirma na primeira vez da jovem Joe (Martin) com Jerôme (LaBeouf), que não limpa sua mãos de graxa para transar rapidamente com a personagem. Aqui a história faz um ligação das penetrações com a sequência fibonnaci (3 e 5) que Seligman consegue fazer uma relação quase do nada, que demorar a se repetir e, quando acontece, é forçada demais.
Trier não perdeu seu tino para criar e aprofundar personagens. Com poucos minutos de filme, conhecemos as características da dupla. O encontro de Joe com Seligman num blackout, como a percepção da própria protagonista; os sons diegéticos de água e metal rangendo que aos poucos são justificados, uma trilha subitamente pesada – Führe mich, do Rammstein –; Joe dizendo que não se importava ao sentir dor – auto-infligida –; e o figurino do pijama que ela usa lembra muito no seu padrão horizontal e cores apagadas com uniformes de campos de concentração nazistas – prisioneira de sua própria condição – são momentos incríveis e especiais da produção.
Deve se notar também o desprendimento de Joe com seus personagens. Além do Pai (Slater), da Mãe (Nielsen) e de Jerôme, Joe se distancia de todos os personagens chamando-os apenas por uma inicial. Nem mesmo a melhor amiga, confidente e competidora sexual B (Clarke) escapa disso. Então temos a Sra H (Thurman), F (Bro), entre outras letras e pseudônimos. Além disso, mostra que Joe não tem preferências por seus parceiros. Existe uma aversão aos que mostram pouca virilidade na sua visão, com a exceção, mais vez, de Jerôme e as alegorias intermináveis que o diretor faz, nesse caso, com um garfo de bolo.
Aliás, alegorias é o que não faltam no filme. A cena do trem em que Joe e B caçam parceiros, numa brincadeira que pouco tem a ver com prazer, como é focado na cara de Joe, Seligman passa vários minutos da projeção falando sobre táticas de pescaria e noções de correntezas em rios. Poderia ser menos irritante se a narração em off de Joe não fosse praticamente eterna. É muita coisa sendo falada como suporte ao que está sendo visto, o que torna o desenvolvimento maçante. É compreensível que o personagem aproxime as histórias de Joe de sua própria realidade, tanto que ele vai chegando mais e mais perto da cama onde ela está deitada, mas é muita coisa para ser contada e parece que o diretor quer fazer tudo ao mesmo tempo.
A divisão em capítulos é uma assinatura de Lars Von Trirer, e nisso ele se sai bem. Para citar dois exemplos, o Capítulo 3 (Sra H) é o mais tenso de todos, com cortes mais rápidos e o mais claustrofóbico, por se passar inteiramente no pequeno apartamento de Joe. O Capítulo 4 (Delírio) aposta na fotografia preto e branco e numa pequena introdução de “A Queda da Casa de Usher” (Edgar Alan Poe) para dar mais peso e dramaticidade à situação do pai de Joe, acamado e à beira da morte. Discursos sobre a morte, a fuga de Joe no sexo (como uma droga) e a conclusão – que lembra o ditado “cada um chora por onde sente mais saudade” – é o retrato poético da pessoa que a protagonista amou incondicionalmente nesta vida.
O primeiro Volume de Ninfomaníaca fecha com um capítulo que tenta invalidar a vida que Joe levava até então. Apaixonada por Jerome, ela quer desacreditar em tudo aquilo que antes era verdade no começo do filme, onde se rebelava contra o amor. Existe outra relação que Seligman faz com as aventuras sexuais de Joe. Ao destacar três amantes – de dez diários – Von Trier transformar aquele momento em música, em poesia e, apesar de exagerar de novo na pornografia, acha uma beleza na vida Joe, que infelizmente termina em sinceras lágrimas.
“Ninfomaníaca – Volume 1” tem problemas estruturais, de montagem e corte. Principalmente na versão que veio para o Brasil, que não é exatamente o filme divido em duas partes. Aqui, a California Filmes recebeu apenas a versão que não teve a montagem supervisionada pelo diretor, e não foi por opção. Mesmo assim, dificilmente as duas versões terminam de jeitos diferentes, e não há nada para segurar até o Volume 2, a não ser as inserções durante os créditos de cenas do próximo filme. Melhor seria ver o filme todo de uma vez, sem a divisão imposta pelo cinema comercial. Mas o diretor sabia que isso poderia ser um entrave, e falhou ao fechar a história da primeira parte do jeito que fez. Talvez numa apreciação inteira os problemas desapareçam. Por enquanto, só podemos analisar o que temos em mãos.
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- Ninfomaníaca | TigreCast #41 – Podcast sobre as duas partes do filme de Lars von Trier
Veja abaixo o trailer de Ninfomaníaca
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