Meu Pai • Crítica (The Father, 2020)
As mazelas da idade são a força motriz de Meu Pai, em conjunto com duas grandes atuações que se tornam inesquecíveis.
Você já viu um filme assim, talvez não com esse peso, mas Meu Pai é uma visita em tema que vimos outras vezes. O que não tira o peso do assunto. Apesar do resumo oficial do filme vender uma trama secundária, com alguns minutos de filme já notamos em intenção de Florian Zeller. Essa é uma produção fortemente calcada em diálogos e na atuação da dupla Coleman-Hopkins, a produção inglesa também tem pontos positivos no uso da trilha sonora, figurino, design de produção e na montagem que, entre muitas sutilidades, mostra de maneira poética o sofrimento de alguém que se perde dentro de si.
O drama é imposto já nos primeiros minutos do filme, com Anne (Coleman) num passo acelerado, como se não tivesse tempo em perder. O Tempo, aliás, é um conceito muito importante para seu pai, Anthony (Hopkins), representado pela constante esquecimento de seu relógio. Pode parecer, para um espectador menos atento, que Anne quer pregar peças com o pai, talvez querendo que ele ceda o apartamento que o ex-engenheiro (ou seria dançarino) tanto insiste ser dele. Por debaixo da fachada de teimosia e até um pouco faceira, Anthony, numa bolha que mistura ego com masculinidade tóxica – pois não uma única vez ele coloca Anne para baixo, intelectualmente inclusive – começa a se revelar o problema de verdade.
Assim como Amor (Amour, Michael Haneke) e Para Sempre Alice (Still Alice, Richard Glatzer, Wash Westmoreland), em produção de Zeller fala do mal de Alzheimer. E, da mesma maneira que esses distintos filmes, essa é uma que gostamos, mas que não é confortável revisitar mais vezes. Porém, diferente dos filmes de 2012 e 2014, esse tenta mostrar mais o ponto de vista de quem está sofrendo com a doença do que com aqueles em volta – o que não significa que isso também não aconteça, contudo, é mais importante para Zeller trazer o ponto de visto desse octogenário senhor com saudades enormes de uma filha que não sabemos como é e nem onde está.
É nesse momento que em trama consegue alcançar em todos nós. Anthony menciona mais de uma vez em falta que sente de Julia, irmã de Anne. Assim como ele, não sabemos do seu rosto, nem onde está, apesar de ficar claro pela falta de resposta de Anne sobre o assunto qual é a verdade – o que temos dela é apenas uma pintura borrada, como a própria visão do protagonista. Em algumas outras partes, ficamos perdidos nas situações e onde as situações e eventos ocorrem no espaço-tempo, isso graças à montagem de Yorgos Lamprinos que nos aprisiona junto de Anthony nos seus loops de consciência.
Zeller não faz muita questão de esconder o que está acontecendo com Anthony. Por exemplo, quando em mulher (Williams) aparece, dizendo ser Anne, isso poderia confundir a plateia, o roteiro explicita por um diálogo que Anthony não ouvia que Anne diz que ele o pai não em reconheceu. Isso poderia ter sido deixado como interpretação para a plateia, mas o diretor preferiu ser mais didático por acreditar que em alegoria do relógio perdido já era um tanto demais. Além dessa explicação textual, fica uma insólita trilha sonora, quase como um zunido, onde antes ela acontecia só diegeticamente.
A parte mais difícil de interpretar é em presença de um homem (Gatiss). Primeiro se dizendo o esposo de Anne, sua presença é tão ameaçadora para Anthony, inclusive ele o agredi com tapas e falas maldosas, em situação confronta a plateia. Ele está lá, ou não está? Ele pode ser até mesmo em própria consciência de Anthony, tentando dizer a ele que ele está se tornando um peso para a filha, uma culpa que começa a se manifestar internamente quando a situação se torna mais preocupante. Podemos fazer o paralelo com a cena do enforcamento – é uma cena que mistura o desejo da parte consciente de Anthony, acreditando que essa seria em melhor solução, ou um próprio pensamento fugaz de Anne.
Falando desse peso, é interessante ver como Anne, uma mulher de seus 40 anos (se considerarmos em idade da atriz, com 47), parece mais velha que seu esposo, Paul (Sewell, que tem 53), onde o trabalho da maquiagem representa visualmente mais do que em diferença de idades, mas como Anne está sobrecarregada do que o esposo. O próprio Paul é um estorvo para o mundo de Anthony. Como ele gradualmente está regredindo no tempo, vendo Anne mais como sua mãe do que filha, o personagem detesta aquele que está roubando a atenção, com num Complexo de Édipo tardio.
Por isso que Anthony contraria tanto Anne, não por não amar em filha, mas por ver nela a autoridade de uma mãe. Essa regressão, que faz Anthony brincar de esconde-esconde com o relógio, ficar surpreso com um novo namoro são atitudes típicas de um adolescente e de uma criança, quadro que é comumente representativo de idosos que sofrem com o Alzheimer. Ou com o deseja de Anne ir para Paris, algo que depois a vemos contestando, uma defesa tanto interna quanto externa. Mentir para si mesmo, ou acreditar que isso é um engano, é algo que segura Anthony na nova mãe.
É importante notar também como Anthony se apega ao apartamento. Mais de uma vez ele diz “meu apartamento”, como um espírito possessivo, algo que podemos fazer uma comparação com o espiritismo. Longe, claro, de ser uma produção religiosa. Digo que é preciso apontar isso não por Anthony ser mesquinho o possessivo no termo mais estrito da palavra. É que o protagonista sabe em algum nível, ainda que muito subconscientemente, que algo está errado e ele se apega a qualquer familiaridade, mesmo que seja uma piada única sobre na França não se falar inglês.
Se pudermos escolher apenas uma cena de como essa maldita doença afeta o mundo de quem está nela, seria uma, já perto do fim, onde Anthony ouve de Paul que a melhor solução seria coloca-lo em alguma instituição para idosos. De novo rasgando elogios à montagem de Lamprinos, em cena dá uma volta e participamos mais uma vez do diálogo, com um resultado diferente, onde o espaço e o tempo não fazem mais sentido. Há uma poesia nesse momento tão trágico onde o protagonista percebe que em vida não tem mais lógica. E lembrando que sabemos por Anne que o pai era um engenheiro, alguém tão envolvido com números, esse mundo é mais hostil.
Na conclusão, Meu Pai usa novamente algo poético para mostrar a situação que Anthony se encontra. “Sinto que estou perdendo minhas folhas, meus galhos”, ele diz para a enfermeira que agora cuida dele. Se perder dentro de si, é isso: como não conseguimos colar folhas de volta em uma árvore, esses pedaços do órgão que toma 2% do nosso corpo não voltam mais quando essa conexão é perdida, pelo menos até agora. Esse é um filme sim, depressivo. Como em estátua no parque do hospital onde Anthony agora está e que, apesar de tratar do assunto com muita beleza, não deve ganhar muitas revisitas. É difícil dizer se há uma crítica ao que fazemos com nossos idosos, deixando aos cuidados de outros por ser mais fácil. A verdade é que não é fácil de maneira nenhuma.
Meu Pai estreia dia 09 de abril nas plataformas Now, Itunes (Apple TV) e Google Play para compra, e a partir do dia 28 de abril ficará disponível para aluguel nas plataformas citadas e também na Sky Play e na Vivo Play.
O filme é indicado ao Oscar 2021 nas categorias Melhor Filme, Melhor Ator, Melhor Atriz Coadjuvante, Melhor Roteiro Adaptado, Melhor Montagem e Melhor Design de Produção.
Anthony tem 81 anos, mora sozinho em Londres. Anne, sua filha, Anne, tenta encontrar um cuidador para ele, mas o pai recusa todos. A situação começa a ficar preocupante quando Anne diz que vai se mduar para Paris e Anthony começa a encontrar pessoas que ele não reconhece no seu apartamento.
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