Meu Namorado é um Zumbi (Warm Bodies, 2013, Canadá) [Crítica]
Meu Namorado é um Zumbi mistura Romeu e Julieta num mundo pós-apocalipse zumbi, o que é um conceito bem interessante.
Com Nicholas Hoult, Teresa Palmer, Rob Corddry, Dave Franco, Analeigh Tipton, Cory Hardrict e John Malkovich. Roteirizado por Jonathan Levine, baseado no romance de Isaac Marion. Dirigido por Jonathan Levine (50/50).
Meu primeiro professor de cinema dizia que não existem mais histórias originais. Os temas greco-romanos, judaico-cristãos e Shakespeare são o compêndio do que ser humano consegue criar. Pois a formula de “Meu Namorado é um Zumbi” é a mesma base de Romeu e Julieta, um amor impossível, com o tema do momento que são zumbis. Começando de um jeito interessante, revisando o conceito de morto-vivo, o filme cai para romance formulaico. Poderia ser muito melhor se assumisse o lado de paródia inicial ao invés de buscar agradar o público adolescente feminino, mas, surpreendentemente, é um filme é satisfatório.
Num futuro pós-apocaliptico, onde uma praga transformou grande parte da população em zumbis – e ainda bem que não tentaram explicar como aconteceu – R (Hoult) vive como a maioria dos mortos-vivos (que nesse universo são chamados de “cadáveres”). Anda lentamente de um lado para o outro, fica grunhindo, tenta se comunicar com seus amigos que estão na mesma situação e sai para comer gente. Apesar de R contar sua visão do mundo com um narração off, nesse caso o efeito é válido na maior parte do tempo, porque o personagem tem limitações óbvias, e assim se expressa para nós do público. Ele se lembra de como era o aeroporto por onde perambula antes da infestação, e que seu nome começava com a letra R. Apesar de não se lembrar de muita coisa de sua vida pregressa, como admite, é interessante que a capacidade cognitiva dele se manteve, já que o jovem morto consegue abrir a porta de um avião e sabe como funciona uma vitrola. Enquanto isso do lado dos vivos, Julie (Palmer), que em alguns ângulos é a cara de Kristen Stewart, vive com um grupo de sobreviventes liderados pelo pai, o General Grigio (Malkovich). De vez em quando uma força-tarefa é formada para buscar mantimentos e medicamentos nas zonas abandonadas e dominadas pelos cadáveres. É numa dessas empreitadas que o caminho de R e Julie se cruzam, e onde o zumbi se apaixona pela mocinha depois de devorar parte do cérebro do namorado.
É um começo admirável, porque levanta uma série de questões, e a principal é: R se apaixona por Julie por causa do seu recente cardápio, ou por que ela realmente despertou algo nele que seria a velha e manjada história de amor à primeira vista? A história deixa isso no ar ao justificar a predileção da iguaria cerebral: os zumbis revivem memórias dos cérebros devorados. É por isso que R sabe fazer as coisas do começo. São conhecimentos adquiridos. Mas se isso acontece, é justo dizer que ele já comeu o cérebro de outros apaixonados, o que poderia dar margem a outro tipo de drama que o roteiro não ousou ir.
Nesse momento é que a história passa do clássico “zumbis contra sobreviventes” para uma história de amor shakespeariana. Por algum motivo bizarro, Julie segue R até o seu esconderijo no aeroporto. E a transformação de R, que começa a falar mais palavras e até formular frases curtas, vem de um jeito muito atropelado na narrativa. Entendo que é para mostrar que as coisas mudam por causa do poder transformador do amor, mas ela é pouco gradual, indo de um patamar ao outro quase num instante. É pior ainda quando M (Corddry) resolve ajudar o estranho casal: a afeição dele pelo que R sente ocorre em questão de minutos.
Mas existem outros bons momentos no filme, principalmente na relação de R com Julie. Enquanto ela está trancada no avião para que os outros cadáveres não a encontrem, eles fazem brincadeiras como se fossem adolescentes normais. E R age com a insegurança de alguém com vergonha de se aproximar da garota perfeita. Existe espaço para os zumbis clássicos também, já que a história mostra que existem os boners, uma versão mais avançada no estágio de putrefação que “atacam tudo que tem um coração batendo”. E também há uma pequena brincadeira com Julie comparando a cara de R com a capa do filme “Zumbi 2 – A Volta dos Mortos” (Zombie 2, 1979) de Lucio Fulci, e Julie tentando imitar o andar dos mortos-vivos – algo que já vimos em “Todo Mundo Quase Morto” (Shaun of the Dead), de 2004 – e sendo repreendida por R. O diretor constrói bem a solidão do jovem morto-vivo, ao filmar o personagem várias vezes em cenários amplos, e, ao usar uma fotografia mais quente com a cinematografia de Javier Aguirresarobe, é fácil nos importarmos com a situação desse simpático zumbi. Além das músicas incidentais, basicamente anos 1980 e 90, e alguns detalhes como a roupa de R ser a única com cores, diferente de seus companheiros comedores de cérebro, mostram que os responsáveis tiveram carinho ao desenvolver o filme.
Dito isso, é preciso muita suspensão de descrença para aceitar “Meu Namorado é um Zumbi”. A maior é o fato de a heroína ter que se apaixonar por um zumbi, simplesmente. A história tem que mostrar alguém bonito o suficiente para tal, além de encantar as adolescentes atrás de um novo Crepúsculo, então colocam um morto-vivo que parece mais um adolescente com um problema de pele do que um zumbi clássico (e só para comentar, eu folheei o livro e vi que R é um recém-transformado, e que por isso está menos putrefato que os outros; mas o filme falhou em entregar esse detalhe). O que falar do uso da energia elétrica, então? Apesar de na comunidade onde Julie mora poder vir de geradores, e por isso ser condenável o general Giorgio se dirigir à força-tarefa por meio de um telão, é estranho que o aeroporto abandonado ainda tenha luzes e monitores de informações, mesmo que intermitentes. O ápice do mau uso da energia elétrica é um adolescente jogando um PSP. É incrível que ele consiga achar uma tomada para carregar a bateria do videogame portátil. E coloquem na lista gente que corre sem plano nenhum, e total desprezo pelas leis da física em uma determinada cena de queda.
Também a decisão de ficar falando tudo, desde o exagero que as narrações off se transformam, até coisas que estão óbvias na tela, como quando R começa a ganhar mais cor e ficar menos pálido. Decisões de fotografia também são equivocadas quando mostram um efeito deslocado quando R está comendo os pedaços do cérebro e revivendo a memória da vítima, e também ao mostrar um flashback de uma cena inteira que aconteceu a pouco mais de 30 minutos, quebrando o ritmo do filme.
Apesar de ter gostado o suficiente do filme, me peguei pensando no final em um episódio de Tom & Jerry, aquele do ratinho branco de laboratório que tinha um composto instável, e que se levasse alguma pancada ele explodiria. Por isso sobre a questão de zumbis poderem se apaixonar e agir como mais humanos, eu só posso usar as palavras de Tom: “É mentira. Não acreditem”.
Obrigado pela visita, e não esqueçam de comentar.
[críticas, comentários e voadoras no baço]
• email: [email protected]
• twitter: @tigrenocinema
• fan page facebook: http://www.facebook.com/umtigrenocinema
• grupo no facebook: https://www.facebook.com/groups/umtigrenocinema/
• Google Plus: https://www.google.com/+Umtigrenocinemacom
• Instagram: http://instagram/umtigrenocinema