Malévola | Crítica | Maleficent, 2014, EUA
Malévola é relevante pelo tom feminista, mas é previsível demais, servindo para agradar apenas as crianças.
Com Angelina Jolie, Sharlto Copley, Elle Fanning, Sam Riley, Imelda Staunton, Juno Temple e Lesley Manville. Roteirizado por Linda Woolverton, baseado nos contos de Charles Perrault e dos irmãos Grimm. Dirigido por Robert Stromberg.
Inversão de papéis, escalas de cinza e revisitas aos clássicos: não há nada de errado. Afinal, não há limites para a ficção. Personagens odiosos ali podem ser bondosos aqui, e vice versa. É um exercício de imaginação interessante que pelo menos, tenta trazer alguma coisa de original, mesmo que calcado em alguma coisa do passado. Essa é uma produção que vem na cola de outros personagens que tiveram esse tratamento – Alice, João e Maria, João e o Pé de Feijão, por exemplo – para brincar com elementos que por mais de meia década são familiares para muita gente. Infelizmente, o tom feminista e muito válido não é suficiente para alavancar Malévola. O plot é desinteressante e previsível demais, mas deve agradar pelo menos as crianças. Com uma direção perdida, ainda que relativamente eficiente por ser tratar de uma estreia, temos um potencial enormemente desperdiçado.
Malévola (Jolie) é uma fada e protetora dos moors, um reino fantástico que faz fronteira com o reino humanos. Pela fama e cobiça, ela é traída por Stefan (Copley), que considerava um amigo. Quando ele se torna rei e tem uma filha, Malévola, cegada pelo ódio, joga sob a menina uma maldição praticamente inquebrável. Quando Aurora (Fanning) cresce, a fada percebe que a jovem pode ser a chave para unir os dois povos. Mas a maldição ainda existe, e está perto de se completar, o que colocará os dois mundos em guerra.
Os problemas do filme começam na narração off quem explicam o que estamos vendo. Stromberg – estreando na direção – uso o efeito por pura insegurança, dando a crer que a audiência não entenderia as nuances de um mundo fantástico. Em seguida, o uso do 3D sem profundidade alguma, e mesmo com a fotografia mais brilhante para compensar as lentes escuras, a tecnologia é mais uma vez usada sem que haja necessidade.
Em geral, o diretor está perdido no próprio filme. A história é curta – praticamente 90 minutos – com poucos personagens para se focar. E ainda assim desinteressantes. Não conseguimos nos importar com Malévola, Aurora, as fadas menores Knotgrass (Stauton), Thistlewit (Temple), Flittle (Manville) ou o jogado príncipe Phillip (Thwaites). A exceção é Diaval (Riley) que por estar entre dois mundos é um alívio cômico com algumas frases espirituosas. Há momentos isolados que são marcantes na tela, como o beijo que Malévola e Stefan trocam acima das nuvens – uma bela simbologia estragada pela narração – e o feixe de luz que paira sobre os olhos de Malévola quando Aurora a encontra pela segunda vez – apesar de já termos visto isso em outras produções.
Mas é injusto desacreditar inteiramente o trabalho; todo o filme é difícil de fazer. Diretor e roteirista criam bons elementos, como a necessidade de Malévola precisar de um cajado por ter perdido seu equilíbrio – as asas – justificando a inserção do elemento clássico da animação de 1959. O tema da preservação da natureza – remetendo à nossa atualidade – e o fato de as pessoas não se assustarem com os chifres da personagem, não ligando automaticamente ao mal – um símbolo que só adotou esse sentido com o advento do cristianismo – funcionam e estão no limiar entre o justificável e o sutil.
Por outro lado, é um exagero a reação de Malévola ao fato ter se perdido. Sim, existe o tema da traição e da personagem ter ficado cega de ódio, mas nada justifica o fato dela se tornar uma déspota do próprio reino, fazendo os pequenos e engraçadinhos seres em CGI se ajoelharem perante ela. Já era claro que os seres mágicos a seguiriam numa possível guerra contra os humanos para proteger o que é deles. Esse é um conflito forçado apenas para tornar a personagem na vilã que da animação tinha e justificar o fato da vingança não ser diretamente ao Rei Stefan. Oras, só um pessoa má – muito má – poderia conceber algo assim. Não é que o motivo para o endurecimento do coração de Malévola não seja válido, mas é exagerado nesse prisma. Na animação ela era simplesmente má. Aqui, a explicação não desce por ser desproporcional.
Pelo menos os traços de Aurora funcionam na trama. Apesar do diretor falhar em coisas simples, como criar um plano um pouco mais longo para ligar personagens com mais ternura, fica subentendido que a princesa seria impossível de ser odiada por causa da benção dada pelas outras fadas. É aceitável de que Malévola se arrependa de amaldiçoar a jovem. Ao mesmo tempo é impressionante a inabilidade de todas as fadas de protegerem a garota na virada de seis 16 anos. A três fadas coloridas são as piores cuidadoras do mundo – e que tentam fazer uma graça aqui ou ali, mas são apenas irritantes – e Malévola não faz por menos. Ela já tinha se arrependido e na véspera de completar a maldição ela poderia muito bem fazer Aurora dormir com um feitiço – poder que ela tem e usa mais de uma vez na história – para tentar evitar a maldição. Tudo bem, a maldição era inquebrável, mas a fada só tentou uma vez na história toda. Por isso, que adiantaria ela cavalgar até o castelo no fim do segundo arco?
Há que se destacar também o figurino da protagonista, que começam com tons de terra – de novo, a natureza – passando para um escuro como escamas de cobra – quase masoquista como se ela fosse a portadora da dor. Mesmo se tratando de um filme para crianças, não faria mal se Stromberg e Woolverton pincelassem um pouco mais os motivos de Stefan. Seria muito mais dramático e crível se ele usasse o argumento que queria proteger o reino dos moors do antigo rei, nem que isso fosse uma mentira. E o discurso do que é amor verdadeiro pode parecer ousado, mas foi usado de modo bem similar em Frozen (Frozen, 2013, Dir Chris Buck e Jennifer Lee), do mesmo estúdio e ainda muito fresco na nossa memória.
Malévola é um filme com mais erros do que acertos, e se não houvesse Angelina Jolie seria bem pior. Ela atua bem e se impõe com uma linguagem corporal forte. Infelizmente, não há protagonista e efeitos que segurem uma história desinteressante.
Veja abaixo o trailer de Malévola
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