Mãe! | Crítica | Mother!, 2017, EUA
Mãe! É um passeio entre loucura e genialidade e o trabalho mais pessoal do diretor.
Elenco: Jennifer Lawrence, Javier Bardem, Ed Harris, Michelle Pfeiffer, Domhnall Gleeson, Kristen Wiig | Roteiro e direção: Darren Aronofsky (Noé) | Duração: 121 minutos
Assim como outros grandes diretores, Aronofsky tem uma assinatura tanto estética quanto temática, algo que ele leva ao extremo em Mãe! Falando sobre como ambições podem levar à obsessão e consequentemente à queda, elementos comuns em sua filmografia, esse é o trabalho mais pessoal do diretor, que dessa vez assina o roteiro sozinho. É uma produção tanto inspirada quanto insana, onde criação e destruição andam de mãos dadas numa história contada por meio de fantasia e muitos toques de terror, onde a beleza e a performance elevam-se ao máximo. No fim, é uma daquelas experiências que é impossível sair indiferente – e isso vai muito além de gostar ou não do que acabamos de assistir.
Assim como a deusa Kali, há no roteiro de Aronosfky a criação e a destruição, algo que cosmicamente não faz diferença quando começa ou termina. Para nos questionarmos logo de cara, o diretor nos mostra a Mãe (Lawrence) entre sangue e fogo – algo como Carrie: A Estranha (Carrie, 1976, Brian de Palma) – para logo depois vermos o Poeta (Bardem) voltando no tempo para contar sua história. Ao optar por iniciar sua história pelo viés da destruição, somos sugados pelo mistério daquela trama de moldes pouco ortodoxos e que pelas próximas quase duas horas seremos forçados a passear entre signos e alegorias, nos deixando perturbados como um bom filme de terror faz, mas não pelos clássicos motivos.
Para nos dar algum tipo de familiaridade e para colocar nossas mentes no eixo, o diretor usa elementos tradicionais do terror: sustos, o segredo do porão, o sangue e os intrusos. Considerando a casa do casal como um templo, a presença do Médico (Harris) e de sua Esposa (Pfeiffer) são a perturbação que alguém não deseja. Ali convivem dois seres, ou duas personalidades, ou ainda dois sentimentos que são tirados de seu caminho por esses deviantes. Cada um deles invade a vida desse casal com opiniões que ninguém pediu e se recusando a ir embora – e quem já tentou fazer qualquer tipo de tarefa importante sabe como é difícil se livrar de intrusos.
Há tanto entre ele e ela a necessidade de resolver assuntos. A Mãe é uma consertadora: foi ela que restaurou a casa onde o Poeta cresceu – e ainda continua fazendo. O Poeta precisa fazer o que sabe fazer, e não ir para frente o frustra. Ambos estão presos num vórtice onde o sucesso dele significa a perda da presença dela. Por isso quando os vários intrusos que vem à porta da casa pedir um momento de atenção dele é tão desesperador para ela: todos começam a mudar a vida dos dois, mas principalmente a dele que se embriaga com a possibilidade de ser mais.
O diretor já mencionou ser um expressionista, então assim podemos ver como a casa funciona. Por fora há uma calmaria e uma beleza, mas por dentro a fotografia de Matthew Libatique traz tons quase sombrios, fazendo até mesmo o amarelo que a Mãe coloca na massa corrida para dar mais cor àquele lugar seja apagado. O que remete ao outro amarelo, proveniente de um frasco antigo, esse mais brilhante que a personagem ingere para colocar dentro dela alguma luz – elemento que só aparece naturalmente quando a personagem realiza o desejo do Poeta de ser pai, trazendo para a produção um período de normalidade.
Como qualquer boa história perturbadora, o momento de calmaria dura muito pouco e não existe espaço para curtir. Se antes uma tragédia que manchou a casa de sangue – e revelou segredos – era uma marca difícil de tirar, algo tão marcante que não sai da mente, durante o resto da trama há uma falsa sensação de ter o que se quer. Qualquer um que produz – seja escrevendo, pintando ou qualquer outro tipo de expressão artística – procura ser reconhecido. O que Aronofsky mostra, numa alegoria religiosa, é como a mensagem pode ser deturpada, fagocitada e devorada do jeito que bem se entende, transformando palavras no que elas não são.
Assim como o assoalho da casa sangra, a própria existência do casal que é ferida pela presença desses intrusos. Eles roubam e pilham e o personagem para alimentar seu ego, alimentam esses desconhecidos porque eles pedem muito. Com isso a trama pode ser classificada por alguns como uma ode do diretor a si mesmo – porém, é mais que isso. O terror presente desde os primeiros momentos também é um inferno na sua repetição, na dor que é recomeçar. Isso não é inerente apenas de um, mas de todos que criam. Para quem acredita, Deus diz ter se arrependido de sua obra e enviou o dilúvio, mas parece que não paramos para pensar na dor do criador ao fazer isso.
Eventualmente, nos sentimos incomodados na posição de espectadores com tanta informação. Num mundo ideal, poderíamos assistir esse filme mais de uma vez, discutindo todos os pontos, todos os signos que são apresentados. Mas o que faz a obra ser tão interessante na primeira assistida é que aí mesmo ela causa discussão. Como já fez antes, Aronofsky começa a deixar as coisas mais palatáveis e didáticas, mas não ao ponto de facilitar muito as coisas. Eis um filme que mexe com nossos sentidos e com a nossas percepções – algo que de tão original pode se tornar incômodo.
O ato de criar e de onde vem a inspiração são perguntas que rondam o nosso imaginário por eras, mas a intenção de Mãe! não é responder essas perguntas de maneira fácil. O que Aronofsky fez é transformar em símbolos o que existe nesse mundo etéreo e nada fácil de ser explicado por palavras; uma jornada de acertos e alegria, mas também por erros, medos e que podem levar facilmente à soberba. Nesse caminho dolorido, como uma via crucis, fica a pergunta de quantas vezes deve-se recomeçar e o que se pode aprender com toda a experiência. A resposta é como estar num bom filme de terror: nunca se sabe exatamente o que pode vir à frente.
Mãe! | Trailer
Mãe! | Pôster
Mãe! | Galeria
Mãe! | Sinopse
Enquanto tentam recomeçar depois de um grande incêndio que destriu a casa do Poeta, a Mãe ainda trabalha na casa. A vida dos dois é abalada com a chegada de vários estranhos que não foram convidados e que se recusam a ir embora.
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