Kin | Crítica | Kin, 2018
Kin é uma aventura com similaridades de outras histórias, mas a mudança de paradigma na trama que a deixa bem interessante.
Qualquer dia que entramos em sites ou abrimos jornais, parecemos estar rodeados por uma realidade tenebrosa e cinzenta e podemos nos perguntar onde encontramos algum alento. Kin, uma ficção científica urbana para os nossos tempos, advoga que a família serve para isso. Mas sem cair em caminho de conservadorismo barato, Josh e Jonathan Baker advogam que essa palavra não tem a ver com laços sanguíneos e que uma relação de amor e de se dar pode acontecer independentemente de onde se vem – e que mesmo uma criação, por melhor intencionada que seja, não é garantia de resultados iguais para pessoas diferentes, como o mundo tenta nos moldar e como podemos reagir a esse rolo compressor que é a vida.
Se o Elias bíblico trouxe fogo do céu para defender seu deus e seu povo, o Elijah (Truitt) dos Bakers também recebeu um grande poder representado por uma arma de raios que não pertence a esse mundo. É uma maneira clássica de contar uma história, com ecos tolkianos – um objeto de poder que chama pelo nome daquele que o encontrou, um chamado para a aventura que tira o protagonista de uma realidade sem graça, um órfão que precisara contar com a proteção de alguém antes de descobrir o potencial próprio. Esses elementos familiares fazem uma conexão de Eli conosco, pois o jovem que apesar de ser amado pelo pai Hal (Quaid) não parece se encaixar, principalmente depois da morte da mãe.
Para reforçar essa sensação de não-pertencimento, os primeiros momentos de Eli em tela são planos abertos, poucas palavras e olhares perdidos. Esse cenário urbano que tem Detroit de fundo, uma cidade que passou por um declínio terrível e parece não se recuperar – o que já foi tema de outra grande ficção científica – é o suficiente para fazer que Eli aceite tão facilmente a lorota do irmão Jimmy (Reynor), recém-saído da cadeia. Em nome da dinâmica, o que parece correria vem, do lado do protagonista, uma fuga desse mundo para tentar encontrar um ao qual pertença, uma realidade maior, como qualquer adolescente quer, o que remete ao já comentado chamado para a aventura.
E como costumam ser as aventuras, há momentos agradáveis, um tanto de riso e muito aprendizado. A relação de Jimmy, seis anos ausentes, tem um preço – e assim como qualquer aventura, existem os perseguidores. Os de Jimmy vem cobrar seu passado, na figura do comerciante de armas Taylor (Franco) enquanto as figuras sem rosto e implacáveis que vão atrás da arma que está em posse de Eli representa o futuro do personagem. Esse paralelo de tempos, passado e futuro, funciona de maneira bem mais eficiente quando lembrarmos da missão da ficção científica: o discurso que representa a nossa sociedade. E entender essa analogia é essencial para apreciar o filme.
Até colocar um objeto destruidor desses nas mãos de um jovem negro é questionador, uma mudança no status quo e equilíbrio na escala de poder. Taylor tem ao seu lado um arsenal e uma gangue, e Eli é pego nesse mundo desigual, e uma sociedade que parece não admitir o próprio racismo não vai enxergar essa sutileza. Não é apenas o fato de a arma poder vaporizar uma pessoa que assusta, mas o fato de a balança de poder mudar de mãos. Assim como o Elias bíblico vivia num mundo onde em que era a minoria, onde Baal era mais adorado que Jeová, o nosso Eli agora pode provar que tem valor, que é verdadeiro e, principalmente, tem poder de verdade.
Há também um elemento de filmes de super-heróis na história para atrair um público mais ávido por esse tipo de filme: a decisão de Hal que vira a vida do filho, por mais correta que seja, ou como o grande poder que cai nas mãos de Eli ser uma grande responsabilidade vão nos lembrar de personagens como o Homem-Aranha em suas várias encarnações. Ao lado do fato de Eli não ser tão questionador quanto deveria com o irmão que aparece esbaforido para leva-lo numa viagem de última hora, aqui nos é apresentado o momento mais comum da história. Um tanto de fragilidade, por assim dizer, porque algumas palavras colocariam abaixo esse castelo de cartas que Jimmy começou a construir, certas palavras não são colocadas na boca de Eli porque os Bakers sabem quão frágil é essa construção.
O que justifica, mas não corrige, é que Eli acredita também numa promessa, um lugar que deverá ser alcançado no fim dessa jornada. Jovem e ainda com saudades imensas da mãe, Eli acredita que ir a um lugar que era querido para ela fará que as coisas melhorem. Ou que sejam ao menos mais suportáveis. Mas isso é como o convite que Jimmy faz para Eli ao subornar os seguranças de um clube de strip-tease – como se dissesse que ele é um adulto – ou quando param em Las Vegas, onde a fotografia deixa por um momento aquela fotografia acinzentada de Detroit para um brilho tão falso quanto as esperanças que tudo se resolva de algum jeito.
Porém, a parada nesse outro lugar onde Eli não pertence é importante para seu amadurecimento. É lá que ele utiliza pela primeira vez a arma de raios, emoldurado por um portal de neon, e onde conhece Milly (Kravitz), uma personagem que, como perceberemos, fará parte dessa família que cresce sem um laço sanguíneo. Então, como essa irmã mais velha, e mesmo não fazendo parte daquele cenário para adultos, e onde Eli perde sua inocência – poderíamos dizer sua virgindade, metaforicamente – e entra num mundo sem volta, pois seus perseguidores, tanto do passado quanto do futuro, começam a seguir os rastros desses inusitados familiares. Essas forças então em rota de colisão e, da mesma maneira que as mentiras de Jimmy, só podemos esperar pelas consequências.
Fazendo homenagens a grandes clássicos da ficção científica – Exterminador do Futuro (Terminator, 1984, James Cameron) e Robocop: O Policial do Futuro (Robocop, 1987, Paul Verhoeven) principalmente – Kin é um filme de família e isso só fica mais claro quando nos lembramos da palavra em inglês kin (parentesco, família), pouco usual de ser ouvida para quem não tem a língua inglesa como materna, poderíamos pensar que seria o nome da arma, do clã que a persegue ou qualquer outro motivo – mas a realidade é bem mais marcante. Podendo caminhar para um caminho mais trágico, Josh e Jonathan Baker prefiram fazer que esse fosse um conto de esperança, colocando nas mãos de um jovem rapaz negro um futuro com mais possibilidades. Mas não sem seus grandes desafios e durezas tão próprias do mundo que vivemos.
Elenco
Myles Truitt
Jack Reynor
Zoë Kravitz
Carrie Coon
Dennis Quaid
James Franco
Direção
Jonathan Baker
Josh Baker
Roteiro
Daniel Casey
Baseado em
Bag Man (Jonathan Baker, Josh Baker)
Fotografia
Larkin Seiple
Trilha Sonora
Mogwai
Montagem
Mark Day
País
Estados Unidos
Distribuição
Lionsgate
Duração
102 minutos
A vida de Elijah já era complicada: não se sentindo pertencente a lugar nenhum nesse mundo, as coisas pioram quando sua mãe morre. Apesar do pai criá-lo com todo carinho e por caminhos certos, algo falta na vida do jovem. E as coisas dão uma virada inesperada com a volta do irmão e do encontro de uma poderosa arma de raios que parece funcionar apenas nas mãos de Elijah.
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