Ex-Pajé | Crítica | 2018
- TIAGO
- 24 de abril de 2018
- 6/10, cinema brasileiro, Críticas, Documentário, Filmes
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Ex-Pajé é um recorte daqueles que se recusam a mudar, apesar de tudo em sua volta dizer que isso deve ser feito, apenas por conformidade.
Filmes nos levam a outros lugares e culturas – é nessa proposta que Ex-Pajé tem força. O filme de Bolognesi traz o espectador para um cenário provavelmente pouco conhecido, com uma língua estranha, num cenário bucólico e vindo de outro tempo. Abordando assuntos como neo-colonização e etnocídio, o documentário foca num personagem que com o passar dos anos perdeu não apenas relevância, mas chega a ser tratado como pária – a não ser que se resigne e aceite os modos de vida daquele que veio exatamente para acabar com o modo de vida de seus ancestrais, sem deixar espaço para meios-termos.
Pulando de 1969, primeiro contato dos homens brancos com o povo Paiter Suruí, para 2017, Bolognesi fala de quebras, tanto de narrativa como de modos de vida. Perpera, um índio dessa tribo que o diretor escolheu para contar a história desse povo, é um homem isolado. Sem conversar diretamente com a câmera, o que tira esse documentário do já defasado estilo talking heads, ele fala de seus tempos sendo Pajé, do passado e de como é viver num mundo onde um pastor convenceu todos que ser um xamã é ter parte com o diabo. É uma perda dupla para ele, pois Perpera não está apenas sem prestígio, mas a colonização lhe tomou a medicina e a religião de seus ancestrais.
E para reforçar essa sensação de isolamento, Bolognesi filma Perpera em muitos planos abertos, às vezes sozinho, às vezes acompanhado, dando ênfase nesse sentimento por meio dessas imagens – as mais fortes são as que ele entra em conflito com o nosso mundo, por assim dizer. Um supermercado, um atendimento numa lotérica e até mesmo na invasão do seu mundo pela igreja de taipa onde um pastor evangélico faz sua pregação. Provavelmente, ali é a maior dor de Perpera. Vejam como ele não se encaixa naquela situação, nunca encarando propriamente o culto, ou como as roupas ocidentais comumente ligadas ao evangélico tradicional, de camisa e calça social, ficam troncho no índio. E, para aumentar ainda mais essa sensação de deslocamento, Bolognesi usa do foco das lentes, seja desfocando o fundo ou o próprio Perpera.
E por ser muito contemplativo, com seu reduzido número de cortes, dando ao filme um ritmo bem moroso, Bolognesi estica a história com uma trama paralela de alguns Paiter Suruí que se armam para evitar que madeireiros ilegais lucrem com o desmatamento daquela região em Rondônia. Apesar de ser um assunto importante, e que deve ser discutido, aqui o roteiro (do próprio Bolognesi) se perde. Ao perceber que a própria vida de Perpera era bem devagar e sem muitas novidades, o diretor expande o foco para preencher tempo para que seu filme seja um longa-metragem. São cenas que incluem o sobrinho de Perpera subindo fotos para o Facebook, denunciando a atividade ilegal dos madeireiros, mas que apenas impedem o desenvolvimento da história principal.
A história não é uma entrevista propriamente dita, mas sim um recorte dos dias na reserva Sete de Setembro. As partes mais interessantes são do dia-a-dia: a culinária, os modos e a tentativa de Perpera de perpetuar seu conhecimento. A influência do homem branco não passa incólume pela narrativa, como deveria ser, o que é um tipo de conflito. É curioso, pois acontece um ataque deixa uma das índias Paiter enferma – e nesse infortúnio, Perpera encontra a oportunidade de ser relevante de novo, já que a medicina do homem civilizado está, no entendimento dele, sendo de zero eficácia. O conflito ocorre porque, apesar do Ex-Pajé afirmar a necessidade de se absterem de coisas do homem branco, Perpera ainda precisa se deslocar até o hospital de carro, ou reclama que não pode dormir sem a luz artificial em casa.
É nessa tentativa praticamente desesperada de Perpera que a história apresenta o maior paralelo com seu tema. Fazendo de tudo que acredita ser necessário para curar a índia, com cânticos, músicas e até combatendo espíritos, o antigo xamã se prende à um estilo de vida que está sumindo com ele. É aqui que o protagonista se torna um símbolo, a representação do desaparecimento – a possível morte da índia acabaria não só com o pouco prestígio que Perpera tinha, mas seria também um corte definitivo com o passado. Porém, o que acontece vem de uma forte influência externa e que acreditamos naquilo que queremos acreditar.
É uma pena que Ex-Pajé perca a audiência quando não conseguimos distinguir o que foi uma abordagem propriamente documental do que é romantizado. Se essa segunda era a intenção de Bolognesi, precisaria ficar mais clara. Pois, como acreditar que o diretor estava filmando exatamente no momento que Perpera se levanta da cama numa noite insone, ou quando a índia abre os olhos depois de muito tempo? Esses elementos encaixados não conversam com a naturalidade dos outros momentos – e até mesmo esses parecem fabricados, coisas como redes de dois personagens terem cores complementares. Apesar disso, o filme é um documentário, um retrato de um povo que aos poucos está sendo apagado e sem perspectiva de que algo mude. No fim, a produção serve para o maior sonho do protagonista: o de passar seus modos para quem quiser ouvir.
Elenco
Perpera Suruí
Kabena Cinta Larga
Agamenon Saruí
Kennedy Suruí (Caciquinho)
Ubiratan Suruí (Bira)
Mopidmore Suruí (Rone)
Arildo Gapamé Suruí
Direção
Luiz Bolognesi (Uma História de Amor e Fúria)
Roteiro
Luiz Bolognesi
Fotografia
Pedro J. Márquez
Montagem
Ricardo Farias
País
Brasil
Distribuição
Gullane
Duração
82 minutos
Perpera foi um pajé dos surui, mas hoje é deixado de lado pela chegada da fé do homem branco. Ao contar sua história, ele vê a oportunidade de mostrar que pode ser de serventia quando uma jovem índia da aldeia sofre um fatalidade.
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